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A República Alexandrina: Pedro Saavedra no Centro Cultural Malaposta

A nova criação de Pedro Saavedra estreou dia 20 de janeiro no Centro Cultural Malaposta. Esta peça trata-se de uma reflexão sobre a ciclicidade da história e a ascensão de ideologias totalitárias. À moda de Brecht, propõe uma crítica ao presente com base no distanciamento histórico. O texto é do encenador Pedro Saavedra e a interpretação de Alice Ruiz, Gonçalo Botelho, Ivone Fernandes-Jesus, Mário Redondo, Pedro Baptista, Rogério Jacques. A assistência de encenação é de Rafael Fonseca. O design de cena de Surumaki, o figurino de Cláudia Ribeiro, a música de Clothilde e a sonoplastia de Rui Miguel. A fotografia de Andreia Mayer e a ilustração de Rui Guerra.

A ação começa com a lentidão da abertura do pano de cena. O ritmo a que abre é muito lento, uma procrastinação obviamente planeada e escolhida para dramatizar este momento. Simultaneamente, uma voz-off vai contextualizando historicamente e sociologicamente a narrativa do espetáculo enquanto uma das personagens varre o chão de maneira mecânica: empurra para a frente, puxa para trás, empurra para a frente, puxa para trás. O discurso da voz-off termina assim que o pano de cena se abre por completo. A personagem que limpa o chão liberta-se da sua coreografia repetitiva e começa a dançar felizmente com a esfregona. O início d’A República Alexandrina é um presságio do desenvolvimento e do encerramento da mesma: uma narrativa lenta e um modo de fazer teatro antiquado.

São colocadas em jogo duas posições, a do invasor e a do invadido. Progressistas e reacionários são ilustrados como as duas faces da mesma moeda, algo que invariavelmente está sempre presente (e em confronto) em qualquer situação de mudança. Estamos no salão nobre da Sociedade Recreativa República Alexandrina. Tal como diz a sinopse desta peça, este salão foi palco de discursos, comícios, festas e debates sobre a vida da cidade. É um dia especial para esta sociedade, celebra-se o seu centenário, contudo, os convidados não aparecem e uma série de estranhos surgem para compor esta celebração. Pouco tempo depois, dá-se a ocupação do exército de libertação e os paradoxos do que seria uma revolução começam a vir ao de cima. A partir deste momento entramos no tema central deste espetáculo. A realidade daquele tempo comunica com a realidade contemporânea. Na parte final da peça, as personagens deixam de ser personagens para passarem a ser figuras que vivem no nosso tempo, tornando evidente que o objetivo do texto é uma reflexão política sobre a mudança e a ascensão de regimes autoritários a que estamos a assistir na Europa e um pouco por todo o mundo.

O trabalho do ator, das atrizes e dos atores, pouco acrescenta à performatividade que seria esperada numa peça de teatro. O texto sobre o qual trabalham não lhes facilita, é algo muito afastado da personalidade de cada um/uma. Não conheço nenhum ator nem atriz do elenco, essa não é a questão da afirmação anterior. O que quero dizer é que os atores e as atrizes são instrumentalizados pela visão e pela ideia do encenador. Tal como referi na introdução do artigo, o modo de construção desta peça é totalmente brechtiano: as peças que compõe a ideia do espetáculo estão à sua mercê. Não há liberdade por parte dos e das interpretes. O que importa é passar a mensagem e deixar o público a refletir. Analisando o espetáculo por este prisma, tudo é bem conseguido. Não posso deixar de notar que há um certo moralismo nesta forma de fazer teatro. Por um lado, o encenador quer se ver livre de qualquer julgamento sobre aquilo que está a acontecer em cena (deixando para o espectador esse trabalho), por outro, há claramente uma tomada de posição que fica evidente em cima do palco. A imparcialidade não existe. Mais vale deixarmos clara a nossa posição do que escondê-la debaixo do manto da imparcialidade com o intuito de demonstrar o quão democráticos estamos a ser. Neste caso não se trata de democracia, mas sim de ego. A música não está bem trabalhada, os volumes estão muito baixos, não existe nenhuma espécie de imersão por parte do espectador. Não há efeitos cénicos relevantes ao nível da luz e da sonoplastia que deem força ao drama ou à performatividade da peça.

Na parte final, no momento em que os atores e as atrizes estão a viver as suas vidas afastando-se das suas personagens, ouve-se que duas horas de espetáculo é demasiado. O tom é de ironia e provavelmente a frase não foi dita exatamente desta maneira, mas não podia concordar mais com esta afirmação. Partilho a preocupação com o encenador dos assuntos aqui levantados, mas o tema aqui não é política e sim teatro.

Rodrigo Fonseca (1995, Sintra). Estudou na António Arroio, é licenciado em História da Arte e mestre em Artes Cénicas pela FCSH/UNL. Foi cofundador da editora CusCus Discus e do festival Dia Aberto às Artes. Além da Revista Umbigo, faz crítica musical na plataforma Rimas e Batidas. É técnico de som especializado em concertos e espectáculos e artista residente da associação cultural DARC.

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