Uma Dança das Florestas, de Wole Soyinka
Uma Dança das Florestas esteve em cena no Teatro São Luiz entre os dias 14 e 23 de janeiro. A encenação e dramaturgia é de Zia Soares, a interpretação de Ana Valentim, Claúdio da Silva, Gio Lourenço, Júlio Mesquita, Matamba Joaquim, Miguel Sermão, Rita Cruz e Vera Cruz. O cenário, figurino e design gráfico são de Neusa Trovoada. A música de Xullaji, o design de luz de Jorge Ribeiro, e a assistência à encenação e movimento de Vânia Doutel Vaz. A produção executiva é de Aoaní d’Alva e a coprodução do Teatro São Luiz e Teatro Griot. Este espetáculo demonstra aquilo que é e aquilo que foi, coloca em questão a nossa perceção do tempo e deixa naqueles que o vêm um sentimento de ambiguidade. Promove uma autorreflexão política e uma reflexão histórica: para onde caminhamos? Estaremos nós a reproduzir os mecanismos de violência e subordinação que deveríamos de uma vez por todas aniquilar?
O Morto e a A Morta, protagonistas desta peça, trazem consigo as feridas de um outro tempo, confrontam os seus carrascos num estranho ritual de morte, expiação, desobediência e renascimento. O tempo aqui é flutuante, ou seja, não é linear, não se rege segundo uma lógica de passado, presente e futuro. Tal como refere a sinopse da peça, quanto mais se avança na ação mais se recua no tempo. As personagens que vivem neste mundo representam a pré-história, a pré-invasão, as pilhagens, a liberdade que não chega, mas que está porvir, o desejo de independência e a sua ancestralidade. A sua condição é híbrida, confunde-se entre a divindade e o humano. O divino materializa-se com a Floresta e é a ela que recorrem sempre que há dúvidas ou vontade de ver nascer algo novo. É à Floresta que rezam e é nela que colocam os seus desejos de futuro.
A identidade não é algo estanque, tal como fica demonstrado nesta peça. Somos várias coisas ao mesmo tempo, quase sempre contraditórias e incoerentes. O passado leva-nos a ser de uma maneira, e no minuto a seguir, o futuro leva-nos (ou deveria levar-nos) a ser algo completamente diferente. A atmosfera desta peça é densa e dramática. Os corpos em cena são pesados e transpiram uma tensão constante. O figurino vai ao encontro desta ideia, ao passo que o minimalismo do cenário dá leveza à cena. O movimento dos corpos é frenético e subtil, há um balanço constante de um para o outro ao longo do espetáculo. Todos os gestos são muito precisos, a qualidade do movimento e do gesto está muito bem trabalhada. Apesar de estarmos a falar de uma peça de teatro, a coreografia é aqui fundamental e um importante auxiliar de imaginação para o espectador. A música, tal como a luz, estão maravilhosas e são no meu ponto de vista os aspetos mais bem conseguidos. Correspondem de forma brilhante à aura do texto de Wole Soyinka e às qualidades dramáticas do espetáculo.
O esoterismo e o sobrenatural dominam o texto de Wole Soyinka. Este texto dá-nos a conhecer várias camadas de realidade que, para quem é branco europeu (como eu), são distantes e desconhecidas. São, no entanto, uma tentativa de aproximação ao outro, ao outro como foi e como é, um estímulo que visa um olhar de respeito despojado de fetichismo e exotismo. A narrativa e o discurso desta peça são complexos. Tal como escreveu Rui Monteiro, são um osso duro de roer. Não tenho dúvidas que essa característica dificulte a compreensão do assunto de quem assistiu à peça, mas infelizmente essa não é a única razão. Não obstante os problemas técnicos ao nível do som ocorridos na estreia, a dicção do elenco de interpretes não estava bem trabalhada. Não foi claro nem percetível muitas partes do texto, dificultando a compreensão do espetáculo na sua totalidade. A dramaturgia de Zia Soares juntou outros textos ao original de Wole Soyinka sem, contudo, clarificar o objeto. Este tipo de texto pedia uma contextualização que não foi feita.