HOT CONTENTS, de Mariana Tilly e Sofia Mascate
HOT CONTENTS inaugurou no espaço DuplexAIR (Lisboa), um espaço que alberga residências artísticas e uma galeria. Pegando nas palavras das artistas, o conjunto de desenhos exposto “é fruto de isolamentos e pensamentos coletivos”. Mariana Tilly vive e trabalha entre Lisboa e Basel. É investigadora em Arte e Estudos Culturais nas instituições HGK FHNW (Basel) e Kunstüniversitat Linz (Áustria). Participa frequentemente em exposições na Suíça e em Portugal. Sofia Mascate vive e trabalha entre Viena e Lisboa. Participa em exposições coletivas desde 2016 e conta já com três exposições individuais: Birthday, Las Palmas (2018), Abril, Folhas Mil, Galeria Monumental (2018) e Festim Lagostim, Zaratan (2019).
Na folha de sala lê-se: “CAUTION NOW” (AGORA TENHAM CUIDADO). Este aviso é uma alusão aos avisos que frequentemente encontramos nas tampas dos copos de café para levar (tipologia de copos muito pouco comum em Portugal). A imagem do copo de café para levar é bastante ridícula no imaginário dos países do sul da Europa, onde o café se bebe em chávenas nas quais a quantidade de café é (aproximadamente) a sua metade. Imaginemos alguém em Nápoles a pedir um café para levar, a cidade na qual o café é um quinto (ou menos) da sua chávena… seria alvo de gritaria moralista bem justificada. Lê-se também que nos dias de hoje toda a arte é conteúdo, parte dela hot, a outra parte não. Pergunto-me quando é que a arte não foi conteúdo, mas entendo o ponto de vista desta afirmação. A palavra conteúdo é aqui usada sarcasticamente para aludir aos conteúdos digitais (redes sociais e muitos outros) que são classificadas de forma primária como, hot ou not hot, de modo a alimentarem o algoritmo. Lê-se pouco depois um aviso sobre o risco de queimadura ao beber café nos particulares copos para levar, e que portanto, qualquer queimadura que seja consequência desta ação, será inteiramente culpa daquele que a realizou. A culpabilização aqui mencionada é a mesma que Zuckerberg utiliza para se justificar das críticas e das provas de que o Facebook é impulsionador de várias cadeias de informação falsa, racista e fascista que têm consequências dramáticas (muitas vezes trágicas) na vida das pessoas. Empresas como a Meta (antes Facebook) são pioneiras no pensamento individualista neoliberal de que, em última instância, a responsabilidade é ou foi tua.
“Exausta e altamente sob o efeito de cafeína” é o modo como as artistas descrevem as pessoas, um retrato bastante verosímil da realidade, coerente com o manifesto que se lhe segue: “ESTE É O 2020 MAIS LONGO QUE ALGUMA VEZ EXISTIU, AGORA EM REMIX 2.0”. Este tempo nunca mais acaba e vai piorar. E isso sente-se nos motivos de alguns desenhos desta exposição. Por exemplo, o peixe que salta fora d’água de cara desolada, um autorretrato de Mariana Tilly (ME AS FISH), ou a cara de Dustin Hoffman a chorar (DUSTIN HOFFMAN CRYING). Os materiais plásticos utilizados são marcadores, grafite, carvão, pastel seco, óleo, lápis de cor, e o papel (de diferentes características) é o suporte comum a todas as obras. HOW IT BE, outro auto-retrato de Mariana Tilly em grafite, transmite-nos a mesma sensação. Num dos cantos superiores da sala encontramos um olhar inconsolável em grande plano (Hot Contents 2). Não muito longe do anterior, damos de caras com um corpo de sombras azuis (que parece de plasticina) a servir café para lugar incerto (Hot Contents). Vemos uma freira a andar de troninete como se fosse algo que fizesse todos os dias (IRMÃ RÁPIDA), e uma panela tapada com água a ferver que tem a frase “PEQUENAS CAPACIDADES” (aludindo à música Capacidades, de Nídia) como pano de fundo. A frustração, a tristeza e a desilusão incontornáveis deste tempo (e desta geração) misturam-se com fantasias surrealistas e imagens de futuro que podem não estar assim tão longe da realidade.
Até 4 de fevereiro, no DuplexAIR.