Uma geometria privada: McArthur Binion e Sol LeWitt na Galeria De Carlo, em Milão
Bastariam os Wall Drawings de Sol LeWitt (1928-2007) para fazer valer a pena visitar a nova exposição que a galeria milanesa Massimo De Carlo dedica ao grande artista minimalista, em diálogo com o seu colega McArthur Binion (n.1946).
Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma exposição que poderíamos tranquilamente definir como uma joia “museal”, seja pela grande qualidade das obras expostas, seja porque não é todos os dias que encontramos dois nomes superlativos reunidos num espaço “privado”, como é a Casa Corbellini Wassermann, sede italiana da De Carlo.
Impressionante é a obra Altar, de Binion (2020), realizada para a sua mostra individual no Museo del Novecento de Florença, no ano passado, aqui reexposta. Com quase quatro metros de altura por três de largura e concebida originalmente como uma pala de altar, a grande “tela” é formada pelo caderno de moradas desmembrado que o artista usou nos anos 1970, encaixado em milhares de quadrados traçados com pastel a óleo.
McArthur Binion partilha com LeWitt o uso da geometria, mas no seu caso específico a “grelha” é definida – nas próprias palavras do artista – como uma situação de underconscious, capaz de transformar em abstração pedaços de vida pessoal: fotografias, retratos, números de telefone, até a certidão de nascimento. Trata-se de um processo metafórico para fazer entrar oficialmente no mundo do “xadrez da arte” a sua identidade afro-americana. Não é por acaso que Binion criou, em 2019, na cidade de Detroit, a fundação Modern: Ancient: Brown, para suster e encorajar as expressões criativas das minorias.
De facto, os dois, Binion e LeWitt, estão determinados em libertar a pintura dos seus próprios confins. Enquanto LeWitt se expande no ambiente, desafiando a arquitetura, Binion constrói orgãos arquitetónicos para contê-la.
Ao passo que Binion utiliza o seu DNA – nome da série de obras expostas na galeria Massimo De Carlo -, eis que LeWitt quer eliminar a ideia de autoria, impondo regras básicas a quem realiza as suas pinturas murais. Um exemplo perfeito dessa modalidade criativa é Wall Drawing #387, idealizado em 1981: o artista oferece uma lista preestabelecida de símbolos lineares a utilizar; porém, o número e a posição que eles ocuparão no momento da criação da obra é da escolha de quem executa o processo.
Mas o pertencer a Nova Iorque é também um dos fatores que une os traços artísticos de LeWitt e Binion: a obra de LeWitt, Horizontal Progression, de 1991, é uma grande escultura branca focada na primitiva estrutura arquitetónica da zigurate como modelo da urbanística moderna – própria do desenvolvimento da “Big Apple” a partir da década de 1910, tema ao qual o artista dedicou um artigo em 1966. Continuando nesse sentido, ou seja, da “grelha”, como não ver nas superfícies de Binion as ruas e as avenidas de Manhattan?
Aparentemente desligadas entre si, as obras dos artistas dispostas nas salas da galeria, quando vistas às claras, revelam um diálogo muito mais fechado do que se possa imaginar.
Mesmo tendo os criadores a vontade de “desaparecer”, de ficar “anónimos” em favor das suas próprias criações, a arte minimalista e conceptual de LeWitt e de Binion é profundamente pessoal e traz consigo o poder de contar uma história universal, para além da linguagem linear. De facto, a geometria é uma abstração, mas bem profunda.
McArthur Binion – Sol LeWitt está patente até ao dia 15 de janeiro de 2022 na galeria Massimo De Carlo, viale Lombardia 17, em Milão.