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(dis)assembly: Sam Smith na 3+1 Arte Contemporânea

A galeria 3+1 Arte Contemporânea está ocupada pelo mundo de Sam Smith com a exposição individual (dis)assembly até ao dia 8 de janeiro. Na sua prática artística, Sam Smith utiliza a linguagem cinematográfica para pensar as relações entre humanos, natureza e tecnologia e em (dis)assembly este processo estende-se ao existencial e poético.

Na entrada da galeria, notamos primeiramente Capture Pigments (2021): uma série de dez pinturas elaboradas com pigmentos naturais, onde cada página contém uma grelha que remete para o universo das películas de filme. Sobre cada moldura quadrangular, vemos pinceladas que criaram vários pigmentos (ocre vermelho, ocre amarelo, umber queimado e azul ultramarino). Ao seu lado, Blackmagic Cinema Camera 2.5K [after analysis] (2021) mostra uma mesa com os múltiplos objetos que compõem uma câmara de filmar digital. E, no momento seguinte, em Results from analysis of Blackmagic Cinema Camera 2.5K (2021), uma pilha de cartazes colocados sobre o chão apresentam a tabela periódica com os resultados de um estudo profundo sobre os elementos químicos que constituem cada um dos componentes desta câmara.

Só no vídeo Capture (2021) é entendido de onde surgem todos estes objetos que Sam Smith nos mostra no primeiro momento da exposição. Neste vídeo, assistimos ao desconstruir de uma câmara enquanto esta é desmontada pelas mãos do artista. Smith coloca a câmara a gravar, põe-na em frente a um espelho e inicia o seu processo de desconstrução. Assistimos ao desfocar da lente quando esta é desencaixada, ouvimos o impacto sonoro do desligar do microfone, observamos a desconstrução de cada sensor e fio que fazem esta câmara funcionar, até que, por fim, ela se desliga. Todo este processo foi intercalado com outras imagens que mostram os pigmentos mencionados anteriormente a ganhar vida através da técnica stop motion. É com recurso ao texto sobreposto pela imagem em movimento que Smith nos transmite curtas frases que invocam a nossa reflexão, como “Only an eye can meet another eye without touch” ou “Image will be arsenic”.

Pensando sobre a afirmação “Image will be arsenic”, sabemos que o arsênico é um elemento e mineral natural encontrado no meio ambiente e a sua libertação para o ar pode ser causada por atividades naturais ou artificiais (por exemplo, vulcões ou atividade industrial). Por ser um componente altamente tóxico, a sua exposição, mesmo a curto prazo, pode interferir no sistema endócrino do nosso corpo.[1] Então, o que significa pensar que as imagens tornar-se-ão arsénico? Porque propõe Sam Smith este destino para as imagens? “Abandon the camera” lê-se mais adiante.

Capture (2021) transmite-nos uma série de questões que elevam a nossa relação com a obra ao nível existencial, uma sensação que se expande até ao piso inferior da galeria com a instalação audiovisual Earth Return (2021). Aqui, um profundo som celestial puxa pelos nossos sentidos em direção aos dois monitores que compõem esta instalação. Vemos um rosto flutuante que aparenta ser humano, mas que possui características de outros seres. Esta figura situa-se entre o mitológico e o extraterrestre e parece desejar comunicar connosco através do som e das palavras. Entre as interferências sonoras que aparentam ser de um outro mundo e as imagens de águas, algas e correntes, lemos a questão “What does your sound feel?”, que nos conduz intuitivamente para o eco que habita dentro de nós. Por fim, é-nos proposto o desafio de acender três velas verdes, pegar num objeto importante para nós, plantá-lo “with kisses and intention”, fechar os olhos e contar até sete sem respirar. É clara a intenção de Earth Return (2021) nos fazer relembrar de onde viemos e de que matérias somos feitos. E talvez a nossa constituição não seja muito diferente da de uma câmara de filmar. Afinal, também nós somos feitos de sensores, os nossos olhos são as nossas lentes e a nossa memória está cheia de imagens que foram captadas pela nossa experiência.

Em dis(assembly), Sam Smith reúne um conjunto de objetos artísticos que, mais do que estimulantes dos nossos sentidos, nos convidam a abrandar e a pensar o mundo à nossa volta. É uma abordagem hipersensível à ecologia e ao modo como nos relacionamos com os dispositivos tecnológicos que usamos para captar imagens. Mas, acima de tudo, dis(assembly) faz-nos sentir saudades da poesia (que tanto faz falta à arte contemporânea).

 

[1] Informação de acordo com a World Health Organization. Disponível aqui.

Laurinda Marques (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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