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For Laura: preso na reprodução artificial da realidade

Ao escrever sobre For Laura de Jaime Welsh, apercebi-me da tarefa profunda de classificar uma visita à exposição da Galeria Madragoa. Estas três fotografias surgem de um meticuloso método, na sua conceção visual, mas também no seu enquadramento analítico que é já bastante coerente. Da mesma maneira, se encontra esta clareza na folha de sala, que tem a forma de uma entrevista conduzida por Sean Burns, sobre a qual se detalha sobre o processo de Welsh, a sua relação com os personagens, o simbolismo das imagens e as suas referências artísticas.

As fotografias altamente tratadas, são o resultado da combinação de metodologias sobre uma realidade construída, dentro do alcance de uma máquina fotográfica. Com base na distorção, adição de máscaras e reflexos, o artista concentra-se na relação do elemento humano com o espaço interior. Este lugar limite, por detrás de um vidro, é habitado por um corpo que está à procura e ao mesmo tempo à espera. Evocando-se assim, o sentimento da alienação psíquica. Esta sensação toma partido das características arquitetónicas, exacerbada pelos pontos de fuga nos cantos da sala, criando uma a impressão geral de vertigem e ilusão de ótica. Este desconforto latente e dúvida que paira, espelha-se de forma vincada na expressão facial e postura da figura fotografada. O corpo está reto, contraído, a testa húmida e o sobrolho carregado com o olhar. Talvez o protagonista se foque no vazio enclausurado, na náusea de um espaço fechado, estéril e em silêncio.

É este panorama, retrato da alienação, ao qual comparo este trabalho com uma interpretação visual das teses de Mark Fisher sobre o futuro, a ansiedade e a especulação. Em Realismo Capitalismo, Fisher atribui ao capitalismo a alienação da identidade própria, da inutilidade da espera passiva, e do fracasso que é, em si, a continuação da história. Ao tratar as suas fotografias como ensaios de si mesmas, e ao apresentá-las com diversas camadas de intervenção digital, revê-se o corpo android também ele fantasmagórico. Absorvendo num só corpo o binário-mutante. Welsh, propõe a visão apocalíptica do ser ‘que faz não sei bem o quê’ e que vive na incessante prisão da sociedade pós-contemporânea. Uma proposta já exausta sobre o que ainda está para vir.

Continuo o tom de Fisher, que mais se refere à inevitabilidade da tendência contemporânea que comporta a reprodução de imagens nos ecrãs. No seu oposto (e real), as fotografias de For Laura abrem-se no espaço de exposição, através da sua cor, da textura, pormenor, contornos e nuances. A utilização do pequeno espaço da galeria como uma cápsula em tensão que reforça a atração magnética das salas de auditório, ficam perdidas na escala de um ecrã de telemóvel. O capitalismo é injusto na observação de objetos culturais, estes não deveriam fazer parte do seu ciclo e por conseguinte deveria haver a escolha de não as exibir online.[1] A fotografia da fotografia que acompanhará estas palavras, por exemplo, faz murchar o seu caráter precioso e palpável. Esta repetição incansável dos lugares construídos por Welsh deveriam manter-se apenas por detrás do vidro da moldura.

Faço a máxima deste texto, o simples apelo à visita de For Laura.

A exposição de Jaime Welsh For Laura, pode ser visitada até ao dia 8 de janeiro de 2022 na Galeria Madragoa.

 

[1] “Nenhum objecto cultural pode conservar a sua força se deixarem de existir olhos novos para o contemplar.” – Mark Fisher, Realismo Capitalista, É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.

Licenciada em Artes e Humanidades (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018), é programadora cultural e curadora independente de arte contemporânea. Em paralelo com a frequência do Mestrado em Fine Arts Curating (Goldsmiths, University of London), dedica-se à investigação de espaços expositivos não convencionais e metodologias curatoriais alternativas. (retrato por Hugo Cubo, 2020)

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