Um ano de RAMA
Numa altura em que cidade e campo se tornam cada vez mais próximos, em que a vida na cidade motiva uma ida ou uma estadia no campo, vontade que se acentuou após a chegada da pandemia, surgem as residências artísticas RAMA.
Inaugurado em setembro de 2020, o programa de residências conta já com um ano de atividade e com o trabalho de muitos artistas, investigadores e curadores residentes e convidados.
A RAMA, situada nas aldeias de Maceira e Alfeiria no concelho de Torres Vedras, parte da vontade do pintor Paulo Brighenti de ter o seu estúdio fora, mas ainda assim próximo, da cidade de Lisboa. A ideia de integrar residências artísticas junto ao seu atelier surge naturalmente, vendo-se confrontado com o espaço de uma antiga adega inutilizada que integra o conjunto casa-atelier.
Na base da criação da RAMA esteve a ideia de um ecossistema colaborativo. “Um projeto como este e em ambiente rural, inserido numa pequena comunidade, teria que ter uma razão de existir mais abrangente que não fosse só defender os interesses da RAMA e dos artistas, mas de todos, beneficiando a comunidade, o património e o território. Esta é a nossa missão. O impacto das nossas ações teria de se refletir em benefício de todos, com as nossas atividades, com a presença dos artistas, dos convidados, participantes e visitantes” refere Paulo Brighenti.
A Câmara Municipal de Torres Vedras, a União das Juntas de Freguesia de Carvoeira e Carmões e a União das Juntas de Freguesia de Dois Portos e Runa foram bastante recetivas ao projeto, não hesitando em ceder o espaço da antiga escola de Alfeiria, construída em 1981 por iniciativa das mães da aldeia e desativada até à data, para acolher os residentes. Preserva-se, assim, a memória deste espaço destinado à formação e à partilha de conhecimento, dando continuidade ao seu uso.
A residência tem capacidade para acolher entre 3 a 4 residentes e destina-se a artistas, investigadores e curadores nacionais e internacionais que queiram desenvolver o seu trabalho através do cruzamento com outras práticas, da partilha de experiências e conhecimento e de uma relação com a comunidade local, o território, a cultura, os ofícios e os saberes tradicionais, a história e a paisagem da região.
Também a comunidade acolheu o projeto de braços abertos confirmando a sua sustentabilidade nas suas várias vertentes. Existe uma troca informal na convivência diária entre os vários participantes e uma troca formal através das atividades implementadas pela RAMA ou dos projetos desenvolvidos pelos artistas que conjugam comunidade, território e património. O ganho e a aprendizagem são recíprocos nas experiências vividas durante a residência, testemunham os próprios artistas que tiveram oportunidade de participar no programa.
É proporcionado um ambiente de trabalho especializado e imersivo que estabelece ligações entre os vários intervenientes através de um acompanhamento rigoroso do trabalho em desenvolvimento. Para além da presença do coordenador Paulo Brighenti e do curador João Silvério, para cada residência são convidados outros artistas, investigadores e curadores. Em paralelo promovem-se encontros, visitas, entrevistas, palestras e outras iniciativas que complementam e enriquecem o programa. Todos estes acontecimentos são documentados e divulgados pela RAMA, que conta com Ana Margarida Sousa, habitante de Maceira, como responsável pelos projetos, comunicação e contacto com a comunidade local.
A RAMA é, portanto, um lugar de trabalho, foco e concentração, conseguido através de um isolamento premeditado, onde existe uma outra noção de tempo. O programa procura promover não só um aprofundamento do trabalho dos residentes, mas também a sua divulgação e partilha para o exterior. Não existe uma orientação conceptual para cada residência, sendo livre a abordagem e o modo de operar de cada um. O resultado é, portanto, uma pluralidade de discursos e de modos de fazer motivado por um ambiente de criação artística em aberto.
Já houve propostas que cruzam artes visuais e poesia, foram traçados percursos no território através de atos performativos, propôs-se a criação de um pigmento único para a RAMA, entre muitas outras experiências que aproximam artistas, curadores, investigadores e a comunidade local e que desenham, valorizam e dão a conhecer um território desconhecido de muitos.
Durante a pandemia, devido aos constrangimentos sanitários, algumas das conversas com artistas convidados decorreram online, permitindo a participação e o envolvimento de pessoas que se encontravam não só em Portugal, mas também noutros países, tais como Inglaterra, Bélgica ou mesmo Alemanha. Também as residências já acolheram artistas provenientes dos mais diversos lugares tais como Itália, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, Brasil, Islândia e Portugal.
Ao longo de um ano, foi sendo criado e consolidado o ecossistema colaborativo que esteve na génese do projeto, uma rede dinâmica, que se vai construindo, densificando e expandindo, composta por pessoas, entidades e organizações. Esta rede foi a base para a construção de um mapa visual – Social Economy Canvas – assente na ideia de uma economia mais sustentável, elaborado a convite da Comunidade Europeia.
“Para nós foi uma felicidade perceber através do mapa final que passados meses após a implementação da RAMA no “terreno” conseguimos alinhar as nossas práticas e atingir os nossos objetivos de sustentabilidade e de equilíbrio entre sistemas. É uma verdadeira necessidade atual, não faria sentido fazer a RAMA de outra forma” afirma Paulo Brighenti.
Pela RAMA passaram já os convidados Cristina Ataíde, Ana Vidigal, Cecília Costa, Susana Mendes Silva, Ana Pérez-Quiroga, Carla Rebelo, Luís Bragança Gil, Marta Wengorovius, Davide Canali, Luís Silveirinha, Pedro Vaz, Ana Anacleto, Pedro Gomes, Alexandre Baptista e Vasco Barata. Assim como os artistas em residência Silvia Pallini, Diogo Magro Viegas, Helena Valsecchi (também responsável pelo web design, social media e projetos da RAMA), Elsie Phipps, Patrícia Timóteo, Stefanía Ólafsdóttir, Duarte Filipe, David Correia Gonçalves, Sean Negus, Ana Caetano, Claudia Lima, Jéssica Gaspar, Sofia Castanheira, Franka Struys, António Bokel, Gwendolyn van der Verden, Elisabeth Langford e a dupla Ângela Dias e Maria João Gromicho.
As residências têm uma duração de 1 a 4 meses e dividem-se em dois programas distintos, um que inclui estúdio e alojamento ou apenas estúdio de trabalho e outro em que o trabalho dos artistas é acompanhado por um tutor nos seus estúdios privados.
Após um ano de intensa atividade, terá lugar uma exposição comemorativa em Torres Vedras, que conta com a curadoria de João Silvério, com trabalhos desenvolvidos pelos vários participantes. Muitos em desenvolvimento e com um carácter processual (notas, reflexões, etc.) já que o objetivo das residências não é a realização de uma exposição, mas sim o aprofundamento e enriquecimento de uma pesquisa que dá corpo aos trabalhos em desenvolvimento.
Decorrido este ano, avizinham-se surpresas e experiências estimulantes nos anos que se seguem, já que a RAMA funciona como um organismo vivo, que se vai alimentando e construindo fluidamente, à medida que caminha e traça a sua teia quer pelo território local, quer pelo mundo global, residência após residência, programa após programa, visita após visita, com total liberdade.
Levantando um pouco o véu, para além de se manterem as open calls aos vários tipos de residências e de se manterem as dinâmicas entre artistas residentes e convidados, pretende-se não só mapear o território nas imediações da RAMA, conferindo nomes a determinados lugares hoje desconhecidos por quem não habita a região, mas também recuperar uma receita perdida de um doce típico junto da comunidade local.
Recentemente houve também uma open call, desenvolvida com o apoio da Câmara Municipal de Torres Vedras, destinada exclusivamente a artistas Torrienses para a atribuição de três bolsas de criação que incluem alojamento, atelier, tutorias, curadoria, exposição dos projetos e edição de um catálogo online.
Fomos calorosa e generosamente recebidos por toda a equipa e pelos artistas residentes, ficando a promessa de outros encontros sempre que estivermos na região. É esta a filosofia deste lugar a 40 minutos de Lisboa, um ponto de encontro, partilha e interação entre residentes, convidados e visitantes. Motivos mais do que suficientes para uma candidatura às residências ou para uma visita às aldeias de Maceira e Alfeiria, no concelho de Torres Vedras.
Todas as informações acerca da RAMA e respetiva programação e candidaturas encontram-se disponíveis no site da RAMA.