A Third Reason e Clavier à Lumières: Alexandre Estrela e Igor Jesus na Rialto6
A Third Reason e Clavier à Lumières são as mais recentes mostras presentes na Rialto6. Estas duas exposições individuais de Alexandre Estrela e Igor Jesus, respetivamente, reúnem um grupo de instalações audiovisuais que transformam o espaço expositivo numa experiência altamente sensorial, estimulando os limites da perceção do espetador.
Num vidro serigrafado sensivelmente da altura de um corpo humano, vemos uma ilustração simbolista que o artista Jean Delville criou para a capa da partitura Prometheus: The Poem of Fire (1910) do compositor Alexander Scriabin. Igor Jesus confere qualidades sonoras a esta imagem que, através de uma luz estroboscópica, move-se a um ritmo intenso criando uma experiência quase alucinante que é intensificada pela potência do som que se faz notar logo na entrada da galeria.
Descendo para o piso inferior, e ainda com o amarelo-torrado de Poem of Fire a vibrar na nossa visão, somos absorvidos por outro som e outra imagem. Em Water-Hole, Igor Jesus utiliza a imagem do álbum 53º Norte de Setaoc Mass e aplica-lhe um sistema de captação de sinais lunares, mediado por um sintetizador modular analógico. Aqui, são revelados sons ocultos que se fazem notar pelas variações lumínicas que a imagem produz. O processo de solarização da imagem e a oscilação ritmada entre o seu negativo e positivo, funciona como uma espécie de íman no corpo do espetador, como se a projeção atuasse enquanto campo visual magnético. Com curadoria de Naxto Checa, Clavier à Lumières, resulta numa experiência sinestésica que revela aquilo que há de oculto nos sons e nas imagens.
À entrada da sala de exposições do piso superior, vemos um livro estilo folheto onde podemos ler infinitas possibilidades do poema When I Was Young (2001) de Genesis P-Orridge que aqui é re-escrito por um gerador de texto com Inteligência Artificial (IA). Este livro é a peça de Alexandre Estrela que dá nome à exposição A Third Reason, e nas suas páginas o sentido do poema é totalmente subvertido passando, por exemplo, de “Now I grown up, and there’s a third reason…” para “Now I’ve grown young, and there’s a third reason…”. O livro desdobra-se até ao interior da sala para a instalação do mesmo nome, composta por dois vídeos que são ativados alternadamente. Nestas duas projeções suspensas, Alexandre Estrela invoca a Biblioteca de Babel ao utilizar um retrato do seu autor, Jorge Luis Borges. Quase fantasmagórico, este retrato move-se verticalmente ao som de Genesis P-Orridge que recita o poema When I Was Young. As variações de velocidade desta imagem assim como a sua composição, criam infinitos padrões geométricos e diferentes variações lumínicas nos olhos do espetador, produzindo um efeito hipnotizante. Ao longo da sequência, o som (que é gerado em tempo-real por IA) inverte e fraciona, alterando mais uma vez o sentido do poema, tal como acontece no livro presente à entrada da sala.
Uma após outra, as duas projeções são desativadas e aqui começa um estrondoso som de Gabriel Ferrandini que ressuscita a terceira peça de Estrela: Ruin Marble (2020). Uma das particularidades desta obra é o grande ecrã horizontal de forma irregular onde é projetada, que confere ao vídeo uma extra dimensionalidade. Influenciado pelo sociólogo francês Roger Caillois e o seu livro A Escrita das Pedras (1970), Estrela vai fotografar com diferentes graus de zoom uma pedra da sua coleção de bibelots, que se assemelha à Pedra Paesina, notória por revelar extraordinárias paisagens em ruínas nas suas lâminas. As várias imagens produzidas vão sendo sobrepostas, e movendo-se horizontalmente cada sobreposição é marcada pelo som da bateria de Ferrandini, que confere à imagem um peso brutal. Se por um lado, A Third Reason (2020) marca um movimento vertical deslizante e infinito, Ruin Marble (2020) acrescenta um outro peso a esta sala, onde juntas criam uma atmosfera de paradoxos e realidades infinitas.
A escuridão que toma conta da galeria é acentuada pela luz que se faz sentir no seu exterior. Estas duas mostras, atuam diretamente sobre as arestas da galeria criando incertezas sobre os limites do espaço expositivo. Alexandre Estrela e Igor Jesus, ainda que separadamente, parecem os dois trabalhar em função do oculto e do infinito.
A Third Reason de Alexandre Estrela e Clavier à Lumiéres de Igor Jesus, estão patentes na Rialto6 até 14 de janeiro de 2022.