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Entrevista com José Pina, diretor do Teatro Aveirense

O Teatro Aveirense é um polo central no panorama artístico nacional. Como demonstra a sua programação, existe a preocupação de abordar os principais temas da atualidade, como as questões de género, os processos de democratização, e o espaço público. O Teatro Aveirense é casa para vários projetos de criação artística, de residências, e de espetáculos que vão além do teatro, passando pela dança, pelo cinema, e estimulando assim o olhar para as artes performativas como um todo. Entrevistámos José Pina, diretor do Teatro Aveirense, a propósito da programação que celebra os 140 anos deste espaço.

Rodrigo Fonseca – Na programação que comemora os 140 anos do Teatro Aveirense, destaco os projetos multidisciplinares Aveiro Revisited, cine-concerto de Edgar Pêra e Vítor Rua, e o espetáculo A fog machine e outros poemas para o teu regresso, do compositor Nuno Aroso. Gostaria que me falasse um pouco destes projetos.

José Pina – Tratam-se de duas estreias. O Teatro Aveirense, na programação da área da música, optou por projetos que fossem não só diferenciadores, mas que tivessem de alguma forma uma ligação ao território. Nesse sentido, a escolha destes dois projetos foi determinada pela estética, pela qualidade artística e pelo enquadramento de aspetos relacionados com a identidade e a biografia de Aveiro. O espetáculo A fog machine e outros poemas para o teu regresso foi desenvolvido em parceria com uma estrutura de criação musical sediada em Aveiro. O texto é de Gonçalo M. Tavares, escritor sobejamente conhecido que tem fortes ligações a Aveiro. O projeto de Edgar Pêra e Vítor Rua trabalha sobre a paisagem e a geografia do nosso território. Estas duas escolhas refletem uma das coisas que para nós é prioridade: programar conteúdos contemporâneos e irreverentes que cruzem a nossa geografia. Ao fazê-lo, alimentamos e construímos relações de afeto, não só entre os projetos como também no público.

RF – E essa afetividade reverbera. As relações de afeto são das poucas coisas que permanecem e que tem uma memória vívida na vida das pessoas. A geografia, aquela que chamamos de «nossa», tem essa possibilidade, de estimular e tornar visível as nossas sensibilidades.

JP – Obviamente que nem sempre é possível termos projetos que tenham estas particularidades, esta narrativa relacionada com o território. Porém, procuramos sempre a mistura daquilo que é global, que está disponível no mercado, e que aborda agendas como a sustentabilidade, as alterações climáticas, as questões de género, os processos de democratização… Toda a agenda de assuntos que fazem parte do nosso quotidiano. Tentamos cruzá-los com projetos criados a nível regional e local que abordem o território de Aveiro, os seus lugares, a sua história, a sua identidade, o património imaterial da sua cultura. O Teatro Aveirense como estrutura de programação deve trabalhar nesse sentido. Este Teatro é, no entanto, mais do que um espaço de programação, é um lugar de criação e de livre acesso cultural a toda gente. Trabalhamos, antes de qualquer outra coisa, para o nosso público, e o nosso público são todes aqueles que residem na geografia de Aveiro. Somos, porém, conscientes de que o Teatro Aveirense, no que toca à programação e criação artística, está ao nível dos seus pares. Esta é outra dimensão, não a principal obviamente, a nossa missão não é essa, mas temos consciência que ela surge por força do trabalho desenvolvido.

RF – Podia falar-nos um pouco sobre a obra desenvolvida com a estrutura Circolando? Uma obra que tem como inspiração o conceito de corpo-arquivo de André Lepecki.

JP – Temos trabalhado regularmente com a Circolando. É uma estrutura artística focada no circo contemporâneo e no teatro físico. Nos últimos anos, no meu ponto de vista, tem apostado por um caminho mais alternativo. Em conjunto, temos realizado um conjunto de projetos e ações de formação. No que toca às artes circenses, é uma estrutura muito relevante a nível nacional. A nossa próxima colaboração terá lugar no próximo Verão, durante o Festival dos Canais.

RF – A programação que celebra os 140 anos do Teatro Aveirense abrange ainda os festivais Criatech – Criatividade Digital e Prisma/Art Light Tech. Gostaria que me falasse um pouco sobre cada um.

JP –  São dois eventos que fazem parte da nossa programação por uma razão muito objetiva: o Teatro Aveirense não é um Teatro que se rege, ou que se afirma, numa vertente artística em particular. Aposta na multidisciplinaridade, aborda várias disciplinas, várias estéticas e técnicas artísticas. Procura atingir públicos bastante diferentes. Não tendo nada que ver com a pandemia, este assunto era já assunto na equipa do Teatro, sentimos a necessidade de colocar em ação um conjunto de dinâmicas e uma estratégia que reforça o Teatro como um polo de difusão cultural e de criação. Optámos por ter na nossa programação algo focado no campo do digital, da tecnologia, e do espaço público. Para nós, é muito relevante que o Teatro Aveirense tenha uma existência que vai para lá das suas paredes, que se foque em ser também um polo central na dinâmica cultural do nosso território. O festival Criatech é um projeto focado no digital e na tecnologia, centrado na relação entre produção artística e tecnologia. Trabalhando a partir daquilo que é o nosso património edificado, os conteúdos e as ações que fazem parte deste festival vão acontecer em equipamentos que estão classificados como património nacional ou municipal. O festival Prisma/Art Light Tech é um festival de luz que acontece no espaço público, e que convida o público a perder-se pela cidade, nos percursos criados na zona histórica, na zona mais velha da cidade. E porque o espaço público é uma área de trabalho que o Teatro assume como prioritária! Assume-a em dois momentos: nesta altura do ano com a realização destes festivais, e no Verão quando programa o nosso maior evento (um dos maiores festivais de artes de rua do país), o Festival dos Canais.

RF – Muito interessante referir a relevância e o poder do espaço público. O Teatro Aveirense é, no fundo, espaço público.

JP –  Exatamente! É muito importante democratizar o acesso ao bem cultural, ao objeto criativo. O espaço público, quando é bem trabalhado, com condições técnicas de produção e comunicação, tem uma qualidade e uma dimensão artística muito elevada, permitindo-nos também trazer outros públicos para o Teatro.

RF – Queria destacar alguma coisa na programação que vai acontecer até ao final do ano?

JP – Gostaria de destacar as curtas-metragens produzidas em parceria com a associação Plano Obrigatório, que vão estrear no final do ano, a nível nacional, no Teatro Aveirense: Intervalo, de Eduardo Maia, Mariana Vilhena, Pedro Gomes e Tiago Daniel Sá (2 de novembro); Carnaval Sujo, de José Miguel Moreira (9 de novembro); e Galope, de Raquel Felgueiras (30 de novembro).

Rodrigo Fonseca (1995, Sintra). Estudou na António Arroio, é licenciado em História da Arte e mestre em Artes Cénicas pela FCSH/UNL. Foi cofundador da editora CusCus Discus e do festival Dia Aberto às Artes. Além da Revista Umbigo, faz crítica musical na plataforma Rimas e Batidas. É técnico de som especializado em concertos e espectáculos e artista residente da associação cultural DARC.

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