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CRYPTOZOOGODEMICHET: Seres, imagens, auras encapsulados

Oscar Giaconia expõe pela primeira vez o seu trabalho em Lisboa com o conjunto CRYPTOZOOGODEMICHET na MONITOR Lisbon. São sete os corpos que o compõem, sobressaindo uma linguagem de múltiplas camadas e transparências. Estas pronunciam o saber e a prática do artista: construir uma simbiose entre o ciclo da vida orgânica e a sua relação com materiais artificiais. Num panorama geral do espaço de exposição, o tema da multiplicidade faz-se óbvio pela escolha da cor de parede vermelho-terra que ocupa a sua área inferior e a restante até ao teto de branco matriz. Revelando, num primeiro instante, essa duplicidade da manipulação da matéria composta. Então, de modo a analisar com maior detalhe estes aspetos, replico a pergunta presente no suporte que guarda o texto da exposição: pode a vida refletir a imagem da pintura? Ou será o seu contrário? E adiciono, ainda: a arte pertencerá à natureza? Ou deve a arte pensar como arrebatar novas formas de agir sobre o que de inato já existe?

Esta celebração do ciclo natural, da convivência com os mortos, mas também a sua relação com objetos fabricados, é uma construção complexa e de múltiplas ramificações. Em primeira análise, a partir destas peças, encontra-se a nossa existência consciente, a possibilidade do toque, do pensamento, raciocínio e do amor. Com base na natureza humana, revela-se o trabalho e o pensamento artístico de Giaconia. Ou seja, o artista, a partir das suas capacidades humanas, possui o poder de escolha de juntar ou afastar os elementos por si selecionados, sejam estes tinta, óleo, óxidos, fel de boi, têmpera, entre outros.

O próximo passo do ciclo, direciona-se, então, à conceção material, ao ato de apresentar os materiais, de experimentar, e entender as suas reações. Esta segunda etapa pode ser vista em paralelo com a presença de outros seres de capacidade cósmica, bem como outros comportamentos químicos, transcendendo constantemente entre os dois polos do limbo, a magia e a ciência. Formam-se cores amareladas e figuras que se tornam cilíndricas e ascendentes.

Por fim, chegando ao último ponto e talvez também o primeiro, caixas-molduras guardam o produto final, exibindo-o, mas também escondendo-o. Em termos materiais estas molduras seguram, mas protegem também as peças, proliferam a obscuridade da dualidade entre orgânico e o artificial. As peças fabricadas, duas delas em nylon e outras quatro de couro reciclado, protegem da mesma forma que emolduram, tornando-se «objetos-imagens» sob o processo artístico de Giaconia.

Ao observar o conjunto de CRYPTOZOOGODEMICHET, encontro nestas «bio-imagens» uma tensão, talvez um choque com o contacto inesperado do desconhecido, que por mais que se desconstrua e racionalize todos os seus componentes, está presente um lugar de estranheza e atrito do comum. O misticismo, a cor e a figura cilíndrica das Calabiyau («uma coluna de focinhos de porco, uma coluna de caranguejos é uma coluna de abóboras, criaturas-destroços […]») arrepiam e figuram o seu próprio processo de cirurgia, colagem, transplante sobrepostas em magia, medicina e taxidermia.

A exposição CRYPTOZOOGODEMICHET pode ser visitada na MONITOR Lisbon até 30 de outubro.

Licenciada em Artes e Humanidades (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018), é programadora cultural e curadora independente de arte contemporânea. Em paralelo com a frequência do Mestrado em Fine Arts Curating (Goldsmiths, University of London), dedica-se à investigação de espaços expositivos não convencionais e metodologias curatoriais alternativas. (retrato por Hugo Cubo, 2020)

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