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Muxima: Edson Chagas na .insofar

A primeira exposição individual de Edson Chagas em Portugal acontece na galeria .insofar. Uma galeria que inaugurou muito recentemente.

O lugar oferece-nos um olhar obscurecido, provocado por uma luz difusa, oriunda de uma sala pouco iluminada. Antevemos várias caixas de luz que emitem imagens de terra barrenta, coberta por borboletas, de uma cor alva, denominadas de minerais, uma espécie pouco conhecida.

Atrevemo-nos a entrar no espaço e a iniciar um percurso. As caixas de luz, retangulares, encontram-se dispostas sobre o solo, em posições inclinadas e em ângulos diferentes entre si. Convidando-nos a adivinhar um trajeto que se anuncia sinuoso.

Colocamos os pés sobre esse solo, mas a experiência é de instabilidade. Diferente do que estamos habituados a vivenciar em outras exposições, em que o chão é plano, previsível, e acontece sem hesitações. Ao mesmo tempo que reunimos esforços para compreender as imagens com que nos deparamos, somos impelidos a palmilhar com extremo cuidado, dado que o solo, com os seus altos e baixos, as suas perturbações, leva-nos a empreender um esforço no sentido de andar com cautela para não cairmos. Assim, cada passo é um novo começo, uma surpresa e um alerta permanente. Quererá o artista reproduzir os labirintos e lugares, sempre imprevisíveis, próprios da natureza?

Ouve-se o trilhar dos passos sobre a camada de terra avermelhada, estendida sobre a galeria. Interrogamo-nos se se trata de uma exposição para ver ou, antes, para ouvir e sentir?

A exposição não impõe um trajeto. Cada percurso é dado ao visitante como se se tratasse de uma experiência única. Não há lugar para uma deslocação linear. Eliminando uma experiência unidirecional, impondo uma hierarquia, e permitindo, como uma obra aberta, diferentes caminhos e interpretações. Muxima induz, também, a uma experiência do natural, que, tal como numa floresta, se fazem trajetos irregulares, que incitam à descoberta.

O trabalho de Edson Chagas já se presentifica deste modo. Em obras anteriores, o artista revela o seu espírito do bom caminhante, de flâneur, de observador das coisas mundanas e do quotidiano. O artista é também fotógrafo. A disciplina de fotografia, na sua prática, aproxima-se da atitude curiosa do flâneur, como é apresentado em Baudelaire. Um «observador apaixonado», um «amante da vida», da vida transitória, fugaz, «circunstancial». Que se compara ao artista «errante, filosófico […] por vezes poeta», um «homem do mundo, ou das multidões».

A série fotográfica Muxima: feels like earth, smells like heaven, de Edson Chagas, apareceu num momento em que se vivenciava o confinamento obrigatório. O artista decidiu organizar os seus arquivos fotográficos, e foi quando se deparou com um conjunto de imagens realizadas numa viagem que fez, há dez anos, na vila de Muxima, próxima de Luanda.

Susan Sontag, certa vez, nos seus ensaios sobre fotografia, falava da reabilitação de velhas fotografias, e da procura de novos contextos. Edson Chagas parece ter resgatado este pensamento de Sontag, que conclui: «Uma fotografia é apenas um fragmento, e com o passar do tempo as suas amarras desprendem-se. Vai à deriva num passado difuso e abstrato, aberta a qualquer tipo de leitura».

Muxima, exposição com curadoria de Inês Valle, está patente na .insofar até 29 de outubro (apenas com marcação prévia).

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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