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Entrevista com João Pimenta Gomes, autor da capa do mês da Umbigo

A Galeria da Embaixada de Portugal em Berlim inaugurou, no passado dia 16 de setembro, a nova exposição a título individual de João Pimenta Gomes, denominada Clouds. Artista plástico, músico, performer, assume-se, principalmente, como a primeira designação, afirmando que todo o seu interesse pessoal gravita em torno de trabalhos expostos num contexto diferente ao de uma prática enquanto músico e produtor. Falámos com ele sobre Clouds, a sua formação e uma consequente linguagem estética.

Miguel Pinto – Queria começar por perguntar-te pela tua formação. Frequentaste o curso de Som e Produção Musical na Restart e, nesse sentido, fizeste trabalhos enquanto produtor e músico, mas também, neste contexto, enquanto artista sonoro, e até multimédia. Existe para ti alguma fronteira entre esse papel de músico/produtor em relação ao artista sonoro? Ou fazem parte do mesmo universo, alimentam-se mutuamente?

João Pimenta Gomes – Para mim é uma distinção muito óbvia e uma linha que eu nunca cruzo, que é como produtor musical, eu estou como um prestador de serviços. É uma ideia muito de operário. Estou ali a fazer uma coisa, o disco é de um artista e eu estou ali a tentar fazer o disco o melhor que eu consiga para ajudar o artista. O disco nunca é meu, é claro que tenho uma intenção estética, por isso é que sou escolhido para produzir os discos, mas não é um objeto artístico meu. É um objeto artístico do artista e isto é uma distinção que eu faço desde sempre como produtor e também como músico. Eu toquei muitos anos numa banda com um artista, o Tiago Bettencourt, e era assim também. Ou seja, na banda, a música é a música do Tiago, e eu fico feliz se conseguir ser um operário nisso. No campo das artes plásticas, eu estou a trabalhar coisas onde o centro são as minhas preocupações artísticas, mas estão sempre ligadas a questões musicais, nunca são coisas do campo da pintura, do campo da fotografia, são coisas muito centradas na música. Mas aí o centro da ação sou eu, e esse princípio faz toda a diferença. No entanto, é do meu trabalho como produtor e do meu trabalho como músico contratado que vem praticamente tudo. Quando estou a trabalhar como produtor, uma questão de mistura, captação ou uma questão musical pode despertar uma peça que depois eu vá fazer mais à frente, menos ou mais conscientemente, ou como músico a tocar ao vivo no contexto de uma banda de rock, a nossa relação do corpo com o instrumento musical, essa ideia toda já muito ancestral, vem tudo daí, dessa parte da profissão extra às artes plásticas.

MP – Na minha perceção, algo que acho que cruza muito bem esses dois universos no teu trabalho é a importância que dás ao ritmo nas tuas composições. Estou-me a lembrar, por exemplo, da exposição que fizeste no ano passado na Appleton Box, as Micro Ressonâncias. Qual é o papel que o ritmo tem no teu trabalho, porque é que é um elemento tão fulcral?

JPG – Tudo o que eu faço à volta dessas ideias rítmicas, podiam ser transportadas para ideias melódicas, uma ideia melódica também tem pressuposta uma rítmica, mas na verdade gosto muito de usar a ideia de bateria porque, para já, consigo mexer com uma questão muito básica da música que eu ouço, que me interessa: música pop, dos Beatles, música muito derivada do ritmo da bateria, do baterista como líder de banda. Não é assim em todas as músicas, mas nesta música é o baterista como líder de banda que me interessa muito, e a questão do tempo ser uma coisa que por norma é muito estável e steady, nestas minhas peças eu estico essa ideia de tempo e de elasticidade, até que ponto é que nós como ouvintes estamos a perceber o tempo dessa maneira ou estamos a ser induzidos num outro. E essa ideia elástica da peça interessa-me muito no trabalho, está muito presente em mim. Também me é muito importante usar instrumentos específicos: ser fiel à bateria, seja ela bateria ou sons de percussão. Na verdade, eu consigo fazer sons de bateria de qualquer coisa, até conseguia fazer sons de bateria desta conversa, mas sou bastante fiel a isso, e então o uso dessa parte rítmica é importante por causa da elasticidade que eu consigo dar a uma peça, à tua perceção dessa peça.

MP – Neste contexto da tua nova exposição, Clouds, o título, à primeira vista, parece remeter para uma componente mais etérea, algo mais ambiente. Eu queria perceber de que forma é que esta ideia de ritmo entrou aqui ou não. Foi uma espécie de corte ou continuidade com os teus a projetos anteriores?

JPG – Não, acho que não é um corte. É sempre uma continuação de ideias. Aqui, o centro da exposição são os vídeos que filmei em Nova York em 2019, posso contar a história assim muito resumidamente: a minha mulher, que é a Carminho, ia fazer uma tournée nos Estados Unidos e fomos para Nova York, mas na altura tivemos que ficar fechados sete dias no hotel, porque a Carminho estava grávida, teve um descolamento de placenta na viagem para lá e como tal não podia sair da cama a não ser para cantar. Depois estávamos a começar a ficar entediados, comecei a olhar para o teto e vi aqueles fumos que apareciam, e com a câmara pequenina que eu tinha de mão, comecei a fazer vários planos que saíssem do local, ou seja quando vês um e vês outro, não percebes se estão na mesma janela, alguns nem percebes que são Nova York, e trouxe aquilo sem intenção nenhuma para o atelier. E quando comecei a trabalhar no outro dia, comecei a pensar que aquelas nuvens podiam ser partituras muito abstratas, não partituras musicais como nós estamos habituados a conhecer, do género: eu dou-te uma partitura e tu consegues ler que música é que é, e consegues tocá-la, se fores bom a ler e a tocar ao mesmo tempo. Mas consegues umas partituras modulações, ou seja, a música está toda pré-composta na exposição, é tudo uma composição muito pormenorizada que eu fiz durante bastante tempo para parecer um bocado random, mas as modulações são todas dadas pelos movimentos da nuvem. Eu fiz um género de um mapa: se a nuvem vai para a direita, cria uma voltagem mais alta, se vai para a esquerda cria uma voltagem mais baixa, se é uma baforada é uma voltagem curta, se é uma longa, um longo fumo… os sintetizadores modulares com que eu trabalho nas minhas exposições comunicam todos por voltagens, e a partir daí eu consigo ter o sistema todo minado com essa partitura. Em relação aos ritmos, não acho que seja uma partida para outra coisa, eu continuo a usar imensos samples, imensas baterias, a peça é toda pautada por baterias que vão aparecendo aqui e ali, embora tenha mais sons. O que eu comecei a fazer, que não fiz nas outras peças, foi a pensar como é que gostava que aparecessem as coisas, como é que elas se juntam, e então fazia música como normalmente se faz – baseada numa harmonia, numa melodia. É quase uma colagem, mas não é bem porque há coisas que não casam musicalmente e é preciso fazer adaptações, mas, nesse sentido, continua a ser uma peça rítmica. Embora tenha havido partes ambientais, o título até sugere isso, eu acho que é mais pela maneira como tu, enquanto espectador, estás na sala e te consegues movimentar, porque são cinco colunas e cinco vozes independentes, é como se fossem cinco elementos de banda, e tu te conseguisses aproximar do baixista, do baterista ou do cantor quando quisesses, e ao aproximares-te do baixista, afastas-te do baterista, por exemplo. Essa ideia de espaço e de ambiente interessava-me muito explorar e, por isso, Clouds vem mais da maneira como tu te movimentas no espaço, do que como eu fiz a música. E claro que há uma ligação direta aos vídeos, e a um módulo específico. Há assim umas ligações um bocado geeks que eu posso ir dizendo: Clouds também é um termo muito usado no granular que é um tipo de sampling, que divide um som em muitas fatias pequeninas e depois distribui. E esse aglomerado, nos sistemas modelares, chama-se Clouds. Então havia assim uma série de referências a esse Clouds e sempre esta ideia de espaço, de relação. Porque para mim a questão musical do CD e do concerto está muito bem resolvida: a questão do stereo, tu pões uns fones, ouves um CD e na mistura nós conseguimos criar espaços, criar distâncias, e no concerto é a mesma coisa. Tu não vais ao concerto para andar atrás das colunas e atrás dos músicos, tu estás a ver outra coisa. E eu sempre achei que isso estava bem resolvido. O que eu acho que há mais para explorar é a nossa relação física com as colunas, com os próprios instrumentos e é aí que parte do meu trabalho atua no espaço, na tua relação com aqueles speakers gigantes que eu ponho, com eles tocarem baixinho quanto tu tens uma relação corporal quase igual, porque alguns são quase do teu tamanho; com eu fazer uma peça que tem meia hora, mas tu poderes ficar um minuto e desbloqueares a peça dentro de ti, quereres voltar ou não… quando ouves um CD, tu sabes que já ouviste aquela música, reconheces aquela música ao ouvir outra vez, mas será que reconheces se eu puser um som muito específico, numa determinada altura, sentes que fizeste o ciclo, ou não? São nessas ideias circulares à volta dessa peça, tanto físicas como da música, quando estás a ouvir uma coisa all over again, que está o trabalho e, nesse sentido, a Clouds continua a mesma ideia que tinha na Appleton, a peça também circulava a determinada altura, por isso acho que é uma continuação até muito próxima do mesmo trabalho.

MP – É curioso o que estás a dizer: dizes que este trabalho não é propriamente um trabalho de ambiente, mas a forma como o estás a descrever, estava a lembrar-me muito de algumas composições do Brian Eno, na forma como ele trabalha o tempo. Até esta ideia do Clouds, no contexto da música experimental e da música ambiente, eu diria, não sei se concordas comigo, que é quase um cânone, talvez. Não é um tema diretamente explorado, mas é sugerido nas composições. Na Press Release, colocaste uma citação do Sun Ra, e a obra dele, apesar de ser mais jazz, também joga com uma ideia de cosmologia, o que me parece um pouco relacionado com este Clouds. Já me explicaste mais ou menos…

JPG – Não, mas posso explicar, acho que sim. Claro que uma peça como o Music for Airports do Brian Eno está a trabalhar não só o tempo, a nossa perceção musical, mas também o que ele dizia sobre isso: tu perceberes uma música, e ela ser tão boa se tu a perceberes como se tu a ignorares. Mas a música tem sempre esta relação de tempo, quer tu lhe dês mais ou menos ênfase nisso, e no espaço também. Mas quando tu estás, como o Sun Ra estava, preso a um palco, a relação é totalmente diferente. Ou seja, claro que eu estou nas minhas peças, e depois de pôr tanta mão naquilo, é difícil dizer que não estou lá. Mas é totalmente diferente, isso acontece, por exemplo, quando eu faço uma performance. Eu fiz uma performance aqui no mesmo espaço da galeria e fiquei, não bem no centro, mas encostado a uma coluna, um bocadinho atrás, e o que se cria é um género de um palco, há um género de uma divisão muito grande entre o público e o performer. Nunca ninguém veio ver o que eu estava a fazer, perto de mim. Não tem mal, mas são anos e anos de separação, no palco não se mexe nas coisas, se não houver um palco se calhar até mexo aqui nos instrumentos. E eu acho que se quebra isso quando se sai do palco, por exemplo, num espaço de galeria ou num espaço mais aberto onde não está lá ninguém, onde tu podes estar sozinho com a peça, é mesmo isso, a tua relação de ouvinte com o instrumento. Eu vejo cada uma daquelas instalações, cada uma daquelas peças, como um instrumento musical na mesma medida em que o Hendrix via a guitarra dele. Quando eu digo instrumento, digo o sintetizador que está lá, o vídeo que está lá e a coluna: aquilo é tudo um instrumento, é como se fosse só uma guitarra. E muito desta ideia de instrumento vem dessa relação que eu tenho, e que é uma relação muito importante na música, do músico com o seu instrumento, de aprender a tocar um instrumento, de usar horas para tocá-lo, de criar uma relação íntima com ele, mas tu vais ver um concerto e o espaço não te é dado, seja o sítio mais pequeno do mundo, como eu toquei nesta galeria, seja no NOS Alive. Há uma barreira que tu não acedes ali, e eu acho que essa barreira pode ser cortada, totalmente, e isso vê-se quando não há uma performance, as pessoas aproximam-se dos instrumentos, e acho que quando não estou a ver as pessoas até mexem nos instrumentos. Não é para mexer, mas eu acho que mexem e nunca ninguém mexeria na guitarra, no amplificador duma pessoa que esteja a tocar num concerto. Logo aí, claro que estamos a trabalhar cânones, claro que andas a trabalhar coisas que são ancestrais na música: tempo, harmonia, melodia, mas também estamos a trabalhar as coisas que não eram capazes, por dificuldade técnica de fazer até agora. Há 60 anos não tínhamos a possibilidade, sem ser por uma gravação, de ter uma peça de meia-hora a tocar. E aqui não é uma gravação, as coisas acontecem naquele momento. Não que isso seja mais importante do que qualquer outra coisa, mas é o que é.

MP – Neste caso, para além do som que trabalhaste aqui, também já falaste da performance e da imagem. Como foi o processo criativo por detrás disto? Como se articularam as ideias?

JPG – O meu trabalho diário de atelier é muito simples, é muito focado em técnica, ou seja, eu estou todos os dias a trabalhar com sintetizadores no meu estúdio, a trabalhar sobre questões técnicas. Pode ser algo muito direcionado para o funcionamento do sintetizador ou coisas muito mais abstratas de técnicas harmónicas, escalas, tempos, ritmos… por exemplo: porque é que um beat de jungle funciona desta maneira? Como é que eu o faço soar de outra maneira? Se eu quiser fazer um beat jungle clássico, como é que eu faço isso? Como é que consigo levá-lo para uma peça minha? Faço isto sem nunca a pensar que vou fazer uma peça com isso, mas vou trabalhar todos os dias sobre ideias musicais ou ouvir discos. Eu tenho um género de um regime de discos que ouço, são todos mais ou menos localizados numa questão que eu esteja interessado naquele momento e ao ouvi-los fico a pensar sobre eles e a procurar – Como é que estes discos foram gravados equipamentos, estúdios, etc… como é que foram feitos? Que questões musicais é que trazem? Os músicos preocupam-se com isso ou não? Eu nunca tinha ouvido falar de uma escala específica ou um de um time específico, como é que eu a aprendo? – é tudo direcionado para a música, é muito simples, como eu espero que um músico trabalhe. É muito à volta do exercício, da técnica. A técnica é a coisa mais importante para mim, a questão poética ou filosófica das peças, se vier vem depois. No dia-a-dia não estou preso a essas coisas, estou a ler livros sobre música, ou a ver filmes, mas é tudo direcionado à música, e ouvir discos é a parte mais importante. Ouço discos desde os dez anos, três discos por dia, sempre. Esta é a parte que eu faço desde a adolescência, ouço um disco e escrevo quem é o produtor, quem são os músicos, onde foi gravado, em que estúdio, quem é o técnico de mistura, técnico de adaptação e masterização, e depois tento encontrar com que microfone foi gravado, como é que foi gravado. Quando eu era adolescente punha os discos por produtores, não por bandas e começava a cruzar – “ah então o Rick Rubin quando produziu o disco do Tom Petty tinha estes músicos e enquanto gravou o disco do Johnny Cash também chamou os músicos do Tom Petty e é o mesmo técnico e foi gravado no mesmo estúdio”. Estas coisas sempre me intrigaram, porque é que isto acontece, o que é que ele viu naqueles músicos. Eu nunca tive respostas para isso, porque eu nunca falei com ele na minha vida, nem é importante, o que é importante é o que é que leva uma pessoa a escolher dessa maneira, e claro que o que o leva a escolher são sempre as circunstâncias mais naturais, mas essa fantasia à volta do porquê: Porquê esta escala? Porquê este ritmo? Porquê esta marca de bateria e não outra? São estas as coisas que eu trabalho todos os dias, esse é o meu processo criativo à volta das ideias.

MP – É o interesse pelo som. O que é que há para lá do som? E, nesse sentido, a própria performance que realizaste também foi direcionada ao som, não tanto na dinâmica habitual da performance, voltada para o corpo, mas mais numa espécie de um concerto, não é?

JPG – Sim, é uma peça que eu estou a trabalhar há uns tempos, já tinha uns meses. Eu estava a estudar uma escala do Harry Partch, e tinha uma escala inteira gravada com o som de piano meio manhoso, e eu pedi depois à Carminho se ela podia cantar todas as notas com diferentes articulações e ela, heroicamente, conseguiu cantar, porque as notas são todas muito aproximadas, e dividiu aquilo. Eu fiquei com o instrumento da voz da Carminho em one shots para poder fazer uma nova peça, e ando a trabalhar há bastante tempo sobre essa peça, as técnicas básicas de melodia, de harmonia e de ritmo. A performance foi uma parte dessa peça com umas novas vozes que eu tenho gravado e uma mistura das duas coisas, e sim, nesse sentido era um concerto, eu tocava a peça e no final levantava-me, punha o sintetizador no chão, ativava o Clouds, a instalação, retirava cabos que estavam ligados às colunas do sintetizador que eu tinha acabado de tocar, saía e a peça estava ativada. É um género de confronto entre uma questão de palco, e mal eu saio, mal tiro os meus cabos do meu sintetizador que estavam ligados diretamente às colunas da instalação, as pessoas começaram logo a ver e quebrou-se logo o palco, deixou de haver performance, passou só a haver uma instalação, uma peça que as pessoas podem ver, que gostam, tiram fotografias, afastam-se. E nesse sentido foi interessante ver como é que estas duas realidades, que, para mim, são tão próximas – a performance, a relação com instrumentos e a peça que está ali montada – como é que elas se enquadram, como é que eles se juntam, ou quando é estão separadas.

MP – Uma outra dinâmica que me parece relevante no teu trabalho é uma procura por uma espécie de organicidade. Não só na forma como jogas com essa música concreta que habita o espaço, o tempo e a sua relação muito física com as pessoas, mas também no caso de outros trabalhos que já fizeste onde usas, por exemplo, feedback natural ligado a plantas. A música é, de algum modo, uma tentativa de compreensão do que te rodeia?

JPG – O meu mundo é bastante reduzido, como já sabes, eu vivo direcionado para fazer música, para pensar em música todos os dias. Viver com um músico incrível, é uma pessoa que me inspira todos os dias, também, a ter essa atitude, portanto a minha vida é muito à volta disso. Nesse sentido, as peças vêm muito dos meus interesses pessoais, eu não estou à procura, no mundo, de coisas para o meu trabalho, o meu trabalho é muito focado dentro dos meus discos e dos músicos que me estão a interessar naquele momento, dos sintetizadores que estou a estudar, de uma bateria que descobri, de uma frase que o Sun Ra disse, mas eu não encontro estas coisas, elas estão dentro deste mundo que eu ando todos os dias e onde não tem assim grande repercussão o que vem lá de fora ou cá de dentro e, nesse sentido, por exemplo, a planta é fácil, era a planta do meu atelier. Quando compus a Micro Ressonâncias que estava na Appleton, eu compus a peça toda ritmicamente, aquilo está tudo programado, tudo escrito, podia escrever uma partitura daquilo, batia sempre tudo certo, mas ao mesmo tempo quando estava no atelier a criar as modelações e estava a mexer com as mãos no sintetizador, para quando queria dar um passo atrás e sair da peça, arranjei este mecanismo de poder pôr a planta, que funciona como ser vivo, tal como qualquer coisa orgânica funcionaria, e ela criou as modulações que eu podia criar com as mãos. Tem a ver com essas coisas, acho que tem só a ver com os discos que estou a ouvir, com as entrevistas de músicos que estou a ler.

MP – É mais um processo de descoberta, de tentar perceber o que resulta?

JPG – Sim, eu acredito muito no processo experimental das coisas. Não me interessa nada descobrir uma coisa que eu já sei. Já sei fazer sons, já sei fazer músicas, se eu quiser fazer uma música que bata certo, que tu ouves e até reconheces, eu consigo fazer, mas essas coisas não são nada interessantes para mim. O interessante para mim é o que eu não consigo fazer, o que eu não sei fazer e misturar: e se eu misturar um beat Black Sabbath com outra coisa qualquer, com uma ideia rítmica muito mais rápida ou muito mais lenta? Voltamos sempre à mesma coisa, nunca sai disso. Nunca estou a ler Deleuze ou Foucault à procura de coisas para o meu trabalho. Se alguém fizer essas relações, tudo bem, mas no meu trabalho não estou a ler essas coisas, estou agora a ler um livro sobre o Anthony Braxton, sobre como é que ele faz a música dele. É só isso, não estou nunca à procura de ir buscar ao mundo lá fora, eu ando aqui neste mundo, nesta ideia de música e discos e sintetizadores.

Clouds está em exposição na Galeria da Embaixada de Portugal em Berlim até ao dia 29 de outubro.

Miguel Pinto (Lisboa, 2000) frequentou a licenciatura em História da Arte pela NOVA/FCSH, através da qual veio a realizar um estágio no Museu Nacional do Azulejo. Participou no projeto de investigação VESTE – Vestir a corte: traje, género e identidade(s), alojado pelo Centro de Humanidades da mesma instituição. Criou e gere o projeto a Parte da Arte, que pretende divulgar e investigar o panorama artístico em Portugal através de vídeo-ensaios explicativos.

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