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Galeria das Salgadeiras: 18 anos

A Galeria das Salgadeiras comemora 18 anos, imersa numa atividade que se tem vindo a distinguir, ao longo de muitos anos, por uma dedicação e esforço em torno da arte contemporânea.

Com direção de Ana Matos, desde a sua fundação em 2003 até aos dias de hoje, a atividade da galeria tem-se desenvolvido na dinamização e expansão de eventos que traduzam a expressão de “géneros artísticos diversos”, bem como na articulação com outras áreas criativas como literatura e poesia.

Já no manifesto fundador da galeria, há quase 20 anos, Ana Matos defendia uma simbiose entre várias formas de arte, e aspirava a projetos que fossem inovadores, e trouxessem alegria à galeria, bem como uma pitada de sal, à vida das pessoas.

O programa atual da galeria assenta, muitas das suas motivações, nas ideias de Zygmunt Bauman, e nos seus Liquid Times:  Living in na Age of Uncertainty.

A Galeria das Salgadeiras, espaço que deve o seu nome à rua onde se encontra sediada, pretende também estender e prolongar a sua atividade além-fronteiras, procurando estabelecer contactos e parcerias com instituições culturais, nomeadamente feiras, em território nacional e internacional, como em Miami ou cidades de Espanha.

Além de um programa que procura não perder de vista uma atuação focada na ideia de uma arte que “deve ser vista como um bem público”, Ana Matos tem promovido alguns projetos como o “Galerista por um dia”, que consiste no convite a pessoas de áreas diversas, para criarem, no espaço da galeria, um “discurso expositivo”, com base no próprio acervo da Galeria, ou em obras de artistas por ela representados. Entre as colaborações no projeto Galerista por um dia, as Salgadeiras contam já com a participação de Barbara Coutinho, Gonçalo M. Tavares, Rodrigo Leão, José Pacheco, Paulo David, este último distinguido, em 2012, com a medalha Alvar Aalto, entre outros.

Os 18 anos da Galeria das Salgadeiras são comemorados com o lançamento do novo site, uma publicação com obras e biografias de artistas, um texto da própria fundadora da Galeria, e uma exposição, Rising, de Rui Soares Costa.

 

Carla Carbone – Desde o manifesto de 2003, o que de positivo realmente mudou na galeria?

Ana Matos – Em 18 anos muito mudou no contexto da Arte Contemporânea, temos mais galerias, as galerias têm a sua identidade própria e muito bem definida, há um maior enraizamento dos hábitos culturais o que, felizmente, contribui que os públicos sejam mais conhecedores, exigentes e críticos. Recordo-me, quando abri a galeria, muitas foram as vezes em que as pessoas perguntavam se a visita era gratuita. Isso denota que frequentar uma galeria de arte não fazia parte dos hábitos culturais, e hoje em dia isso já não acontece. Há um enorme amadurecimento dos públicos e há uma consciência da importância e da relevância que a Arte representa nas nossas vidas.

Ainda temos, agentes culturais, artistas, públicos, imprensa, instituições públicas e privadas, Estado, ainda temos, dizia, um longo caminho a percorrer, mas fazendo um balanço destes últimos 20 anos, o que se conseguiu fazer é um bom prenúncio que podemos fazer ainda mais e melhor.

Esse manifesto que escrevi na abertura da galeria contém em si mesmo um sonho, uma conceção que reflete um posicionamento perante a Arte e a Cultura e que assenta nessa ideia de a “Arte ser um bem público”. Com este Norte apontado, fomos ajustando e afinando o nosso programa e estratégia, perscrutando o nosso entorno seja numa perspetiva social, política, formal ou artística.

CC – A par das exposições que organiza existe uma forte necessidade de divulgação de outros eventos e galerias. Qual a principal motivação? 

AM – Está tudo relacionado com o trabalho no território onde me encontro e que corresponde ao que considero o “meu metro quadrado” de responsabilidade com a comunidade. Enquanto galerista sou um agente ativo de divulgação da nossa cultura e da nossa arte, e essa tarefa pode expandir-se a outros lugares e circunstâncias para além do espaço físico (e virtual) da galeria. Ao longo destes anos, esta motivação levou-nos a diversas geografias como Espanha, Roménia, República Checa, Sérvia ou Grécia, com propostas curatoriais e artísticas em instituições privadas e públicas, com festivais ou outras galerias. E também me impulsionou para, num determinado momento, criar um projeto de cariz associativo, sem fins lucrativos, que tem como objetivo a promoção e divulgação de atividades artísticas e culturais, captação e sensibilização de públicos e produção cultural e artística. Assim nasceu Isto não é um Cachimbo, um projeto cofundado por mim e por Cláudio Garrudo, que congrega um conjunto de pessoas de diferentes áreas, como a ciência, a arquitetura, o design, as artes visuais. Durante 10 anos organizámos o “Bairro das Artes”, a rentrée cultural da Sétima Colina de Lisboa, desde o Rato ao Cais do Sodré, passando pelo Príncipe Real, Bairro Alto e Chiado, nesse triângulo artístico, icónico da nossa cidade, entre o Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, o Atelier-Museu Júlio Pomar e o MNAC—Museu do Chiado. Uma década em que foram apresentadas cerca de 300 propostas de centenas de artistas, com milhares de visitantes que puderam usufruir desta rentrée cultural, de forma gratuita e inclusiva, recetiva a diversas expressões artísticas, explorando outros caminhos, trazendo cada vez mais públicos. Desde 2016 a Associação publica anualmente o MAPA DAS ARTES, o mapa de Arte Contemporânea de Lisboa, com todos os espaços de Arte Contemporânea da cidade (galerias, museus e fundações, e outros espaços), em versão bilingue (Português e Inglês), em formato papel (com impressão anual) e disponível online. Este ano, a Associação irá apresentar o seu primeiro projeto fora de Lisboa. Trata-se do PIPA — Programa da Imagem e da Palavra da Azinhaga, um projeto cultural na aldeia da Azinhaga, Concelho da Golegã, que visa desenvolver um conjunto de iniciativas tendo por base as artes visuais e a palavra.

Todos estes projetos, sejam centrados na galeria (dentro e fora de portas), sejam os associativos, têm, para mim, uma matriz e um objetivo comuns: contribuir para que a Arte seja cada vez mais um bem público.

CC – Mantém-se a vontade de divulgar, de chegar a arte a todos? Aos mais desfavorecidos, e não somente ao público de elite?

AM – É isto que me move, que todos os dias me leva a abrir a porta da galeria com a mesma emoção e dedicação do primeiro dia. Há como que uma expectativa, um enlevo, uma surpresa do que cada dia nos reserva, quem nos irá visitar, que reflexões surgirão em diálogo com as propostas que apresentamos. Tento que a visita à galeria seja entendida e sentida como uma experiência para os nossos públicos, múltiplos que são, com diferentes níveis de conhecimento, exigência e sentido crítico. Cada obra conta uma história, mas essa história só consegue ser ouvida pelo visitante, espectador, e é sempre uma história distinta. Na abordagem que temos com os nossos públicos tentamos ir dando “pistas” que ajudem a conhecer melhor o artista, contextualizando a sua prática artística, acrescentando camadas de leitura e de interpretação da obra. E essa abordagem é transversal, inclusiva e gregária.

CC – As Salgadeiras já se fizeram representar em feiras nacionais e internacionais, pretendem ampliar essa participação?

AM – De igual modo entendemos a participação nas feiras como uma experiência que pretendemos proporcionar aos visitantes. Nesse sentido, estendemos a abordagem da galeria para o espaço da feira apresentando sempre uma proposta curatorial que convoque à reflexão, ao pensamento. É um momento muito enriquecedor porque temos a possibilidade de sair do nosso território, indo ao encontro de outros públicos, outras formas de diálogo, outras culturas. De uma forma geral, os artistas também estão presentes na feira e isso permite um contacto direto entre públicos e a comunidade artística que é muito interessante e de grande partilha de conhecimento e de sensibilidades. Há uma energia e uma disponibilidade mental para conhecer, para desfrutar e isso torna a participação em feiras num momento muito intenso e exigente.

CC – No âmbito da formação, além do site, que já é um aparelho de divulgação e formação, pretendem estender o vosso projeto a residências e workshops? 

AM – Temos tido sempre a preocupação de fazer visitas à exposição acompanhadas pelos artistas com quem trabalhamos seja em representação (Augusto Brázio, Cláudio Garrudo, Eva Díez, Inês d’Orey, João Dias, Marta Ubach, Rui Horta Pereira, Rui Soares Costa) ou em colaboração (Carlos Alexandre Rodrigues, Daniela Krtsch, Guilherme Parente, Paula Almozara), numa conversa informal e fluída, que, mais uma vez, permite essa partilha de conhecimento e de sensibilidades. Paralelamente costumamos receber turmas de diversas universidades com quem conversamos sobre o funcionamento de uma galeria, os mercados, o colecionismo, a imprensa, bem como o processo de criar uma exposição, as diferentes fases e agentes envolvidos, a relação entre o galerista e o artista.

Este ano vamos retomar o nosso Programa Educativo com atividades dirigidas ao público infantojuvenil que se enquadrem no âmbito da exposição que esteja a decorrer.

CC – Porque é que, a um dado momento, sentiram necessidade em hibridizar as disciplinas e em estender a vossa atuação a outros domínios artísticos, como a poesia, por exemplo.

AM – Esse momento surgiu de forma muito natural e subtil. Foi “chegando”… creio que só me apercebi quando ele já tinha acontecido. Ainda que já tivessem existido algumas manifestações nesse sentido, a primeira epifania surgiu na mudança do novo espaço da galeria, em 2014 quando apresentámos uma exposição coletiva em torno da “Mensagem” do Fernando Pessoa. Foi aí que me fui apercebendo que de há muito que me interessava convocar para as artes visuais outros territórios pensamento e da sensibilidade, como a Literatura e Poesia, a Política, a Filosofia ou a Ciência, naquilo que costumo denominar de “contaminação positiva”. Por outro lado, desde o início que me interessou refletir sobre as fronteiras das diversas disciplinas artísticas, dos seus dogmas e formalismos, e de como estas categorias se podem fundir em torno dessa ideia do “expanded field” de Rosalind Krauss.

Interessa-nos, no fundo, explorar como distintas expressões, formalidades e suportes podem influenciar a prática artística contemporânea, tendo uma perspetiva transversal num tempo que é líquido.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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