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Vai tudo ficar bem: Sanatorium, de Pedro Reyes, no maat

O maat (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), em Belém, é uma das instituições museológicas em Portugal que mais tem apostado em artistas internacionais fora dos circuitos habituais que o país tende a frequentar, e num diálogo igualmente fecundo e consistente com questões ambientais ou sociológicas da atualidade. O trabalho do mexicano Pedro Reyes não é exceção; considerando-se a si próprio escultor, a sua obra, porém, abrange em grande escala a instalação, ao mesmo tempo que indaga sobre questões sociais, ativistas (ganhou o Prémio da Paz do Luxemburgo em 2021) e psicológicas, não descartando uma certa teatralidade. Sanatorium, patente até 11 de outubro, é certamente uma obra emblemática do seu percurso, e chegou ao seu decénio com esta apresentação no maat, depois de ter passado pela Documenta 13, em Kassel, na Whitechapel Gallery, em Londres, e na OCA, em São Paulo, entre outras, ao longo dos anos.

É uma obra destinada ao grande público, que relativamente pouco sentido fará sem a sua presença e participação. Numa conjuntura severamente afetada pela pandemia, em tempos de afastamento e clausura, isso empresta-lhe uma outra dimensão, pois trata-se, nas palavras do próprio artista, de uma “clínica”, não devendo ser experienciada “como uma exposição de arte”. Pode ser um caso de ótimo timing em péssimas circunstâncias, mas passados dez anos, qual é o efeito que a obra tem em nós? Alguma coisa mudou?

O Annex do maat está organizado em diferentes ambientes, cada um com uma espécie de terapia elaborada pelo artista – não propriamente científica, apesar de ir beber a determinadas tendências da psicanálise (e filosofia) contemporânea. As experiências são concebidas como placebos, acrescentando doses de religiosidade e até de xamanismo (o que faz mais sentido tendo em conta as suas raízes na América Central, apesar de certamente ocidentalizadas). Funcionários em batas orientam-nos e depois acompanham-nos pelo espaço à medida que escolhemos até três das terapias para ativar com a nossa presença. Prestamos homenagens às pessoas de quem mais gostamos; escrevemos segredos anonimamente, para os depois partilhar, também anonimamente; passamos pela catarse de confrontar a simulação de uma pessoa (ou situação/objeto) escolhida por nós – e então talvez perdoar e purgar. Usamos os nossos corpos para entender melhor a nossa dor (a interessante “Mudras”). São processos de questionamento a nós próprios, mas o objetivo parece ser sempre o de conduzir à nossa validação, não à compreensão da podridão do mundo – o que seria bem mais ao estilo de muita da arte contemporânea de hoje. Depois, os assistentes fazem-nos perguntas sobre a experiência: se foi benéfica, se teve o resultado esperado. Se a “cobaia” tivesse uma reação menos previsível, não sei se os funcionários estariam à altura de responder, mas não deixa de ser uma questão interessante: se nós, como sociedade moderna, já estamos equipados com as ferramentas necessárias para nos analisarmos a nós mesmos e absolvermo-nos de qualquer sentimento de culpa. A obra destinar-se-á também a pessoas de extrema direita e a ditadores? A resposta será, claro que sim! E provavelmente deveriam mesmo ser os primeiros a fazer a experiência. Mas somos todos assim tão igualmente vitimizados?

Foi Aristóteles quem disse: “a arte é a catarse da alma” (obrigado à excelente orientadora da exposição, Adriane Kampff, por esta lembrança). Sanatorium é um interessante recreio para adultos. Uma exposição de arte certamente não é, e pode ser que lhe falte a transcendência da melhor arte. Temos a sorte de a ter entre nós num momento sem precedentes na vida de muitas pessoas – pelo menos as que vivem num país do “primeiro mundo”. Pode ser que a transcendência aconteça dentro de nós, longe dos holofotes e longe da balbúrdia do mundo da arte. Esperamos que sim.

Sanatorium está patente no maat, em Lisboa, até 11 de outubro.

Colin Ginks (n. 1968) é inglês, vive em Lisboa e desde os finais dos anos 80 que se dedica às artes visuais em Portugal. É criador multidisciplinar: artista plástico, escritor, jornalista e tradutor. Teve a sua primeira individual em 2001 na discoteca Frágil e a partir desse momento teve várias exposições individuais e coletivas, por cá e internacionalmente. Foi selecionado para uma residência artística KuBa KulturBahnhof, Alemanha, em 2019, e outra em Atenas, em 2021. Em inglês publicou um romance em 2000 e vários contos. É curador do novo dossiê sobre a Arte Queer da Umbigo. Colaborou como ator e co-escritor nas peças de teatro da encenadora Isabel Mões, A Minha Europa (2017) e Self Portrait, como é que a gente luta? (2022).

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