Entrevista a Ana Paula Amendoeira — Diretora Regional de Cultura do Alentejo
Francisco Correia entrevistou Ana Paula Amendoeira, Diretora Regional de Cultura do Alentejo, a respeito do trabalho que está a ser desenvolvido por esta entidade no sentido de afirmar a dimensão cultural da mais vasta região do país.
Francisco Correia – Quando falamos do Alentejo, falamos de uma região bastante extensa, que inclui geografias muito diferentes. Quais são os pontos centrais da missão da Direção Regional de Cultura do Alentejo e como é que esta se desenvolve numa área tão vasta e provavelmente tão heterogénea?
Ana Paula Amendoeira – Sim, de facto, o Alentejo é a maior região do país, representa um terço do território nacional. Mas, ao mesmo tempo, é a região menos densamente povoada, com apenas 500.000 habitantes. Portanto, num país com cerca de 10 milhões de habitantes, trata-se de uma assimetria tão grande que torna a nossa ação ainda mais particular. Trabalhamos num território com uma identidade cultural e homogeneidade geográfica mais fortes. Ninguém tem dúvidas sobre os limites da região alentejana. Contudo, temos um problema demográfico – grave – que se reflete naturalmente na própria atividade cultural, no património, etc., porque o nosso tecido cultural é também ele muito frágil. É frágil no país inteiro, mas no Alentejo é agravado por estas razões. Portanto, a Direção Regional de Cultura do Alentejo tem competências próprias atribuídas por lei na área do Património e Salvaguarda, bem como na do Ordenamento e Planeamento do Território. Temos responsabilidade nos licenciamentos de zonas classificadas e de proteção patrimonial e no apoio aos museus e às atividades culturais não-profissionais. Este é o panorama daquilo que são as nossas competências por lei. Mas depois temos muitas outras que advêm do facto de operarmos num território em que acabamos por ter uma grande proximidade com as pessoas, com os agentes culturais, com os municípios, as juntas de freguesia e as associações. Daí que a nossa ação se estenda muito para além das nossas competências legais e acabemos por fazer muito mais por via da necessidade do território e da nossa proximidade com o mesmo. Ao longo destes anos enquanto diretora da Direção Regional de Cultura do Alentejo, o meu papel tem sido o de coordenar a equipa de modo a prestar o maior apoio possível. Esse é o nosso foco principal: estarmos virados para o exterior e respondermos positivamente àquilo que são as necessidades locais, numa perspetiva de ajuda e colaboração. Muitas vezes essas questões até se sobrepõem a outras competências legais que temos, porque as necessidades do território na área da cultura são muito grandes. Tentamos desempenhar a nossa tarefa o melhor possível, com muitas dificuldades e poucos meios.
FC – Atendendo às fragilidades que enumerou, qual é o papel que a Direção Regional de Cultura do Alentejo procura desempenhar na acessibilidade à cultura, englobando os museus, o património e a preservação da cultura regional?
APA – A nossa ação é múltipla. Temos monumentos e museus pelos quais somos responsáveis pela tutela, mas existem muitos outros equipamentos culturais que ajudamos apesar de não fazerem parte da nossa tutela, que são municipais, associações, fundações, misericórdias, enfim… Apoiamos – quer tecnicamente, quer financeiramente – muitos projetos que têm como objetivo o acesso democrático e universal das pessoas às várias formas de cultura e aos equipamentos culturais. Não poderei elencar todos os tipos de apoio que damos, mas, por exemplo, ajudamos na organização de workshops na área da música, do teatro ou das artes performativas, pois existem vários projetos que felizmente se estão a interessar e implantar no Alentejo. E esses projetos também são muito bem-vindos porque, no fundo, contribuem para que a massa crítica da região aumente e se desenvolva. O melhor que podemos fazer é misturar visões diferentes, porque o resultado é sempre mais rico. Neste sentido, estão a desenvolver-se projetos como o Futurama, dirigido pelo John Romão; a instalarem-se outros novos, como o Córtex Frontal, em Arraiolos; ou a Mala Voadora, em Santiago do Cacém. Também temos as nossas próprias estruturas artísticas, que estão cá há muitos anos e têm feito um trabalho extraordinário, sobretudo na área do teatro. Mas existem também muitas outras estruturas amadoras que tentamos apoiar. Por exemplo, a banda filarmónica – na área da música – é importantíssima para a região e está com dificuldades enormes. Trata-se de um movimento de raiz, muito local, ligado aos municípios e representa uma tradição do ensino universal da música. As bandas de música e as bandas filarmónicas são responsáveis pelo ensino da música para todos os que queiram aprender, de forma gratuita, em aldeias e concelhos onde muitas vezes não há mais nada. As filarmónicas locais são, portanto, outros projetos de grande importância e coesão social.
FC – Nos últimos anos, ao nível das artes plásticas, também algumas coleções se têm estabelecido no Alentejo. Há hoje uma importante coleção de arte contemporânea portuguesa em Elvas, que traz muitos artistas e outros agentes culturais à região, ou ainda o Centro de Arte Quetzal. Trata-se, penso eu, de um movimento saudável: são pessoas que vêm de fora e que valorizam também o desenvolvimento da região do Alentejo.
APA – Sim, são projetos que têm vindo a instalar-se na região. Mas é também importante frisar que não podemos pensar que o Alentejo é uma região que está aqui parada e à espera de ser descoberta pelas pessoas ou pelos projetos urbanos vindos de fora. Não me parece que esta visão interesse a nenhuma região. Daí que o discurso não deva ser o de criar uma dicotomia entre cultura e estruturas populares, estagnadas, pobres e miseráveis, sem escala e sem massa crítica, à espera de serem descobertas por estruturas, grupos ou artistas que vêm de fora numa perspetiva romântica de descobrir uma região congelada no tempo. Estando nós no século XXI, e embora eu saiba que essas visões existem, não as reproduzo nem as replico, e não me parece que seja até ético fazê-lo. Eu valorizo muitíssimo a cultura que é herdada e produzida na região. Sou alentejana, mas podia não ser. E eu penso que o interesse de pessoas, estruturas e grupos que vêm de fora para a região só pode ser importante se for caldeado em total equidade com aquilo que já existe, e não numa perspetiva de ocupação ou superioridade intelectual. Os desafios com que nos deparamos não são compatíveis com esse tipo de paternalismo ou de infantilização da chamada «cultura popular». A Direção Regional de Cultura do Alentejo, sendo uma entidade social, tem a obrigação de procurar contribuir para que essas visões se esbatam o mais possível e, portanto, tratar todos da mesma maneira, para que a nossa região seja melhor e para que seja melhor viver aqui. Não acredito que devamos trabalhar sectorialmente. O que é importante é que seja bom viver no Alentejo. E para que as pessoas considerem o Alentejo uma região que tem condições e qualidade de vida é preciso que nós pensemos que a qualidade de vida não tem que ver apenas com níveis de riqueza e com uma visão mercantil da vida. Precisamos mesmo de contribuir para mudar essa visão, é o que nos pode salvar. E a arte nem sempre contribui para tal. É sabido que a arte contemporânea, quando encarada apenas numa perspetiva mercantil, tem tido alguns resultados que não são os mais compatíveis com modelos avançados e holísticos de vida. «Contemporâneo» não deve ser um adjetivo que automaticamente qualifica positivamente os movimentos culturais, mas às vezes «caímos» nessa onda. Por vezes, parece ser uma espécie de palavra mágica automaticamente definidora de uma arte avançada dos territórios e das sociedades. Eu não considero isso. Eu acho que a arte é contemporânea no sentido em que é feita no nosso tempo e só assim a considero contemporânea. Não me parece que seja uma questão de estilo. Temos de considerar todos os artistas que trabalham no nosso tempo, isso sim é contemporâneo. E para responder à sua questão: sim, temos muitos projetos no âmbito da chamada arte contemporânea, mas que considero terem a mesma importância de outros projetos artísticos existentes no Alentejo. O Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE) é o único museu de arte contemporânea que temos no sul do país e passou a acolher a Coleção António Cachola. A sua existência tem sido alavancadora da importância crescente dos projetos artísticos da região do Alentejo. Temos ainda uma outra estrutura que tem sido importante na promoção, divulgação e acesso à arte e aos projetos artísticos, que é a Fundação Eugénio de Almeida, em Évora. Temos estabelecido uma grande parceria com ambas. Integrámos inclusive um projeto de descentralização dentro da nossa região quando o MACE fez dez anos, através de um programa itinerante da Coleção António Cachola com exposições em Almodôvar, ou Sines, de modo a levar esta coleção para outros pontos da região mais afastados do Alto Alentejo. Gostaria de referir ainda a Coleção Marin.Gaspar, de Ana Marin e Jorge Gaspar, que está sediada no Alvito, e a associação que formaram e que tem tido um programa importante de discussão, residências artísticas, exposições, e também o acervo da coleção, que é uma das mais importantes coleções de arte de artistas portugueses dos anos 80. Depois, temos outros projetos como a Musibéria, em Serpa, que é um projeto na área de estudos de gravação musical, com excelentes condições técnicas. Estamos de momento a organizar o programa transfronteiriço que temos com a Andaluzia e o Algarve, uma rede das chamadas «indústrias culturais e criativas». Eu não concordo muito com o termo. Ainda tento resistir, mas nós temos o nosso pensamento completamente colonizado pela economia. O que é muito mau, porque existe um léxico próprio da cultura e estamos a deixar de o utilizar.