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Stop Painting: Quando a pintura se rebelou contra si mesma

Como encenar o mar utilizando apenas algumas gotas de água? Este parece o desafio do artista suíço Peter Fischli, que foi convidado pela Fondazione Prada, em Veneza, para comissariar Stop Painting, uma mostra coletiva que pretende representar a história da pintura que se rebelou contra si mesma nos últimos 150 anos, procurando sempre uma nova identidade.

Concebida pelo artista a partir de conexões que parecem jogos de azar ou ousadias, Stop Painting defende a ideia de como a pintura – que no último século foi várias vezes declarada morta, sumida, ultrapassada – está ainda viva e cheia de energia, seja qual for a sua forma.

Fischli identifica cinco momentos de rutura em que a pintura resolveu quebrar-se a si mesma. São episódios radicais resultantes de invenções tecnológicas ou de mudanças sociais: a descoberta da fotografia em 1839, por Daguerre; o uso do readymade e da colagem, já há cem anos; a crise da ideia de «autoria», após 1968; a desconfiança relativamente à pintura, vista como «género de arte feito à medida das salas burguesas»; e, enfim, a incapacidade de criar novas vanguardas, que veio nos anos 1980 e feriu a pintura de morte, antes de mais.

Mas apesar dos momentos difíceis, a pintura ainda nos acompanha nas nossas evoluções: transforma-se em declaração ou em protesto (Jörg Immendorf, Wo Stehts du mit deiner Kunst, kollege?, 1973), torna-se monocromática (Monika Baer, In reserve, 2018), engole objetos (Rosemarie Trockel, Untitled, 1991), deixa a área do quadro para expandir-se no espaço (David Hammons, Untitled, 2008), perde a sua aura, abandona escovas para usar pigmentos industriais sobre superfícies gigantes ou tapetes feitos a partir de trapos usados para pintar, meticulosamente costurados (Jean-Frédéric Schnyder, Hudel, 1983-2004).

E ainda: do óleo ao plástico queimado (Alberto Burri, Plastica, 1962), a pintura brinca com os ícones dos antigos mestres (Alan Jaquet, Le déjeuner sur l’herbe, 1964) e também com tecidos camuflados, que são utilizados pelo seu intrínseco valor estético (Alighiero Boetti, Mimetico, 1967). Estes constituem apenas alguns exemplos do que se pode ver, pois a mostra, na sede da Prada em Ca’ Corner della Regina, inclui um total de 110 obras de mais de 80 artistas, divididas por 10 salas temáticas.

Porém, não se trata de uma exposição «completa» ou «enciclopédica»: é impossível encontrar todos os pintores, grupos, duplas, que fizeram da luta com a pintura a arte deles. Para quem considera Stop Painting semelhante a um conto incompleto, apesar de tudo, é preciso lembrar que se trata de uma mostra comissariada por um artista; ele mesmo, Peter Fischli, escolheu os objetos-quadros como se estivesse a imaginar uma coleção sua. O tipo de pintura quebrada que o inspirou.

De facto, o pensamento de Fischli que norteou a organização da exposição não está distante da poética que o acompanha há muitos anos – mais ainda agora que ficou só, depois do falecimento do seu parceiro David Weiss, em 2012. O artista segue uma linha expositiva que não é cronológica, mas sim dividida por temas, unindo pontos poéticos e mentais de uma muito particular história da arte.

Qual a conclusão a que se chega depois de completar o percurso da mostra? Num certo sentido, é semelhante ao pensamento do artista italiano Gino De Dominicis, que se referiu à pintura como o meio simultaneamente mais antigo e contemporâneo. E que nunca terminará: sempre teremos necessidade de desenhar, de verter ideias num papel, de formalizar projetos de um modo visual.

Assim, Stop Painting é um retrato da pintura aventurosa, que escolhe juntar-se à vida como material do nosso presente, seja ele antigo ou recente!

 

Stop Painting está patente na Fondazione Prada, em Veneza, até 21 de novembro.

Matteo Bergamini é jornalista e crítico de arte. Atualmente é Diretor Responsável da revista italiana exibart.com e colaborador para o semanário D La Repubblica. Além de jornalista, fez a edição e a curadoria de vários livros, entre os quais Un Musée après, do fotógrafo Luca Gilli, Vanilla Edizioni, 2018; Francesca Alinovi (com Veronica Santi), pela editora Postmedia books, 2019; Prisa Mata. Diario Marocchino, editado por Sartoria Editoriale, 2020. O último livro publicado foi L'involuzione del pensiero libero, 2021, também por Postmedia books. Foi curador das exposições Marcella Vanzo. To wake up the living, to wake up the dead, na Fundação Berengo, Veneza, 2019; Luca Gilli, Di-stanze, Museo Diocesano, Milão, 2018; Aldo Runfola, Galeria Michela Rizzo, Veneza, 2018, e co-curador da primeira edição de BienNoLo, a bienal das periferias, 2019, em Milão. Professor convidado em várias Academias das Belas Artes e cursos especializados. Vive e trabalha em Milão, Itália.

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