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Espaços Independentes de Divulgação de Arte Contemporânea no Porto e na Atualidade

Recentemente têm surgido vários espaços alternativos de divulgação de arte contemporânea no Porto, paralelamente aos museus, centros de arte e galerias comerciais. Muitos destes locais são geridos por grupos de artistas emergentes e caracterizam-se pela interdisciplinaridade, produção, exibição e intercâmbio cultural, mas também pela informalidade, sentido de comunidade e dinamização da vida artística e cultural da cidade, potenciando outras narrativas face às instituídas.

A história e reflexão teórica acerca desta temática não é recente, inclusive a revisão da literatura é prolífica. Sandra Vieira Jürgens, crítica, historiadora de arte e curadora, em Instalações Provisórias (2016) esclarece que na década de 1990, em Portugal, surge uma geração que se destacou pela criação de vários espaços independentes, pelo meio da intervenção de artistas-curadores e de práticas artísticas e curadoriais experimentais. No Porto houve uma disseminação deste tipo de estruturas, como o W.C. Container (1999-2001), PêSSEGOpráSEMANA (2000-2007), Salão Olímpico (2003-2006), ou Uma Certa Falta de Coerência (2008). Jürgens reflete: “a história dos projetos e dos espaços alternativos não chegou ao fim. A sua realidade decretou desaparecimentos mas promoveu transformações, foi frágil, mas resistiu… Apesar da duração breve, é assinalável ainda a sua cíclica renovação, constituindo cada uma destas iniciativas um contributo fundamental para o aparecimento de outros espaços.” [1] Efetivamente, vão surgindo novos espaços alternativos distintos dos anteriores, embora com os mesmos desígnios, como a experimentação, a produção e a divulgação de práticas artísticas, paralelamente ao sistema comercial e institucional. Após a visita e a observação in loco de vários locais artísticos independentes no Porto, consideramos fundamental dar a conhecer e divulgar estes projetos. Entrevistámos alguns dos responsáveis, para compreender em que é que consistem, qual a sua programação e o seu contributo para a vida artística e cultural da cidade.

A Galeria Rua do Sol, surgida em 2013, está situada na Rua Duque de Loulé, no CCOP (Círculo Católico de Operários do Porto), onde o coletivo que dá o nome ao espaço expositivo: José Oliveira, Luísa Abreu, Gonçalo Araújo, Joana Ribeiro, Vítor Israel e Miguel Ângelo, também divide espaço de atelier. Criada com o propósito de garantir um espaço para exposições, conversas, ou projeções de filmes, de um modo sustentável, a Rua do Sol tem uma programação regular, em que há a vontade de apresentar não só a produção do grupo, mas também de artistas com os quais têm afinidades. Sem uma identidade curatorial definida, o que a distingue é a sua pluralidade, mutabilidade e durabilidade. A localização potencia o diálogo e a interação com a comunidade artística e local, através da concretização de eventos no CCOP. O coletivo destaca o seu programa de residências artísticas, com o apoio da CMP (Câmara Municipal do Porto), assim como nos confidencia um novo projeto editorial, com o objetivo de arquivar cada mês de programação, que ao fim de um ano se irá refletir num objeto de memória.

O De Liceiras 18 é um espaço experimental, independente e artist-run space onde todos os meses estão hospedados artistas internacionais de várias áreas e em diferentes fases das suas carreiras. Situado numa antiga casa na Travessa de Liceiras, forma uma comunidade artística temporária e dinâmica, em relação com a cidade. Fundado em 2014 por Maja Renn, é atualmente gerido por Xu Moru. O projeto define-se como um lugar seguro para experimentar e desenvolver novas ideias. Os residentes procuram estar em sintonia com os seus interesses, necessidades e desejos artísticos, servindo a comunidade como uma plataforma espontânea de colaboração, aprendizagem e partilha. Esta comunidade temporária de criativos é maioritariamente renovada mensalmente, com um Open Studio no final do mês, onde são apresentados os seus trabalhos e descobertas, abrindo as portas dos seus espaços para a comunidade num ambiente especial e acolhedor. Atualmente procuram financiamento e parcerias com entidades de todo o mundo.

A Okna – Espaço Cultural fundada em 2016 por um grupo informal e interdisciplinar, encontra-se atualmente na Rua Igreja de Cedofeita. É um espaço dedicado à programação artística, a projetos educativos e atividades de entretenimento, com o objetivo de criar e apresentar trabalhos colaborativos entre Portugal e os países de Leste Europeu. Inaugurou o seu espaço em 2018 e desde então tem tido uma programação regular. Tentam dar oportunidade a artistas emergentes, para experimentarem e partilharem ideias e processos curatoriais, de acordo com a temática de diálogo intercultural, partilhando o conceito de New East. O projeto que mais se destaca é o BEAST FILM FESTIVAL, que acontece todos os anos em vários cinemas do Porto. Neste momento estão a desenvolver um projeto de residências e a preparar um programa de visitas de estudo, com o apoio da CMP, que visa a vinda de curadores do leste europeu à cidade, promovendo o intercâmbio cultural. Querem se tornar numa espécie de embaixada da cultura do leste europeu em Portugal.

O Atelier Logicofobista situado na Rua Anselmo Braancamp, compreendido pelo Bazar Esquisito, pelo Museu Vivo do Tasco Tripeiro e por um espaço expositivo com programação regular, foi criado em 2017 por Ruca Bourbon e João Bragança. O nome do espaço é inspirado num movimento surrealista catalão, surgido nos anos 1930, ligado à política e à ação revolucionária. O Atelier conta com inaugurações bimensais de artistas com quem têm afinidades estéticas, emergentes, estabelecidos, ou outsiders. A visita ao Bazar, com objetos em segunda mão, assim como o ambiente de tasca tripeira do Museu Vivo, situado na cave, onde se realizam eventos com djs e culinária, tornam cada evento distinto dos demais. Ainda é importante referir a ligação do Atelier com a sua rua, que compreende inúmeros estúdios, como a Oficina Arara.

A Dentro, localizada na Rua do Almada e desenvolvida por Carlos Campos, Beatriz Bizarro e Maria João Ferreira, surgiu em 2017 e é um espaço de intervenção artística no interior de um atelier. Se inicialmente surgiu da necessidade de Carlos Campos exibir as suas fotografias, logo se tornou num local, onde vários jovens apresentam as suas práticas artísticas, encarando a galeria, como espaço de criação, usando o atelier e a multidisciplinariedade da equipa, de forma experimental, comunitária e dialogante. O facto de ser um espaço intimista é um dos factores que a distingue, pois facilita as relações entre o grupo, os artistas e o público. Durante a pandemia criaram o projeto Conter, uma série de exposições online, onde os artistas tiveram a oportunidade de intervir no espaço virtual da galeria, através de fotografias, ou vídeos, pelo meio de múltiplas práticas artísticas – um caminho alternativo que traçaram para prosseguirem o seu desígnio. Igualmente desejam apostar na oferta formativa e fomentar cultural e artisticamente a zona circundante. A Dentro tem a vantagem de se multiplicar e expandir de uma forma prática, informal e experimental.

O Ócio, enquanto espaço de produção e programação artística, presentemente na Rua Duque Terceira, abriu em 2019 e é constituído por João Soares, Nelson Duarte, Daniel Assunção, Maria Miguel Von Hafe, Raquel Peixoto, Hugo Oliveira, João Parra e Noémi Silva. Igualmente organizam eventos noutros espaços culturais, através da editora de música electrónica Mera. Caracteriza-se como uma família, tendo surgido da vontade de intervirem diretamente na vida cultural e artística do Porto. Depois de se mudarem para este local, decidiram abrir um espaço expositivo, convidando artistas com quem tem afinidades, assim como membros do Ócio. Dos eventos que programaram destacam o Mera Transmission, um festival de música livestream, o Perímetro: música avançada e autoedição, com a Lovers & Lollypops, ou a Festa da Bicicleta, com o Praça da Alegria. O que diferencia o Ócio é a ideia de família e a ligação à música. Estão a preparar novas colaborações e uma programação que consiste em exposições, concertos e performances, com o apoio da CMP. O Ócio é um projeto em mutação, com uma adaptabilidade constante, curiosidade e ânsia de fazer acontecer.

A Ocupa, instalada num antigo talho, na Rua do Bonfim, foi inaugurada por Alexandre Teixeira e Filipa Valente, em Abril de 2019. Inicialmente surgiu da vontade de expor a produção artística de Filipa, porém houve a oportunidade de ocuparem o espaço e de criarem este projeto. Sem uma linha curatorial definida, quando escolhem os artistas para apresentarem as suas práticas têm em consideração a sua relação e predisposição em trabalhar a partir de um talho desativado. A sua vantagem é o facto dos artistas puderem experimentar, independentemente da sua idade e do seu ponto na carreira, mas também a questão de ser um local exclusivamente expositivo e um espaço que ainda mantêm as suas características. É possível visitar as exposições que inauguram regularmente, assim como aguardar pelo intercâmbio com artistas e espaços independentes madrilenos, a ocupação de uma antiga estufa de pintura e o lançamento de uma publicação. Ainda têm realizado uma campanha de crowdfunding, para continuarem o seu projeto sustentavelmente.

O Lameiro situado na Rua de São Roque da Lameira é um espaço cultural livre e experimental destinado à exposição e à partilha de arte emergente, criado por João Melo em 2019, também coordenado por Diogo Martins. O objetivo foi criar uma estrutura, que acolhesse projetos de artistas emergentes, intersetando diferentes campos artísticos, incitando o convívio. O local, uma habitação, tem diversos espaços comuns e um jardim, que permite explorar múltiplas valências. Organizam um projeto de residências artísticas, o Residir, com o intuito de apoiar jovens artistas, a trabalhar em parceria com comunidades locais. A primeira edição vai acontecer no Bonfim e em Campanhã, com o apoio das freguesias e aos selecionados, através de uma open call, serão atribuídas bolsas de criação. Ainda vão ser inauguradas duas exposições, uma no Largo das Fontainhas e outra no antigo bairro de São Vicente e Paulo. O Lameiro distingue-se por proporcionar um diálogo intergeracional, o acesso da comunidade às artes e a revitalização cultural.

A Birra localizada na Rua Ferreira Cardoso é um espaço cultural em constante mutação. Formado por Celine Marie, Inês Lopes e Ana Gonçalves, em 2019, visa reunir uma comunidade de artistas de diferentes áreas, assim como incentivar a criação e a mostra. O projeto surgiu pela procura de um atelier, onde Celine e Ana pudessem trabalhar, após terminarem os seus estudos em teatro. Contudo, começaram a expandir para local de exibição e com a vinda de Inês, para estúdio de tatuagem. Na Birra existe inúmeras possibilidades, desde workshops de movimento, ou de serigrafia, fotografia e banda desenhada, lado a lado com exposições e inaugurações com concertos. No futuro desejam apostar em formação para crianças, desenvolver o lado mais comercial, um projeto green e a criação de uma galeria virtual. A Birra é um espaço independente que veio complementar a oferta dos seus semelhantes, para que mais jovens artistas pudessem divulgar o seu trabalho.

O Leste é um espaço para a prática artística, experimentação, programação e pensamento crítico, fundado em 2019 pela artista plástica e curadora Leonor Parda, que tem vindo a desenvolver uma programação, cujos objetivos são a concepção e a divulgação de práticas artísticas transdisciplinares, que abordem temas relevantes para a contemporaneidade. Situado no nº65 da Calçada da Póvoa e com pouco mais de um ano de programação regular, já conseguiu impor uma visão própria e uma linha curatorial singular dando voz e visibilidade a corpos e a pessoas com existências fora do discurso dominante, como mulheres, pessoas trans e não binárias, e outros corpos, existências e expressividades não conformes à norma e divulgando artistas de uma constelação de afinidades, assim como com práticas de teor poético-político. A Leste pretende contribuir para uma certa agitação e inconformismo em relação à vida cultural da cidade, tentando não se submeter à lógica de obrigatoriedade de produção e resistindo a ser absorvida pelo centro institucional. A Leste quer ser a brisa intempestiva que agita e movimenta as correntes de ar pela cidade.

Em última análise, os espaços independentes de divulgação de arte contemporânea do Porto, na atualidade, são um motor da vida artística e cultural da cidade. Especialmente desde 2010, têm surgido várias estruturas, criadas por jovens artistas, constituindo um novo fluxo de ideias, práticas e discursos, paralelamente ao sistema comercial e institucional. Realçando que vários projetos não foram aqui referidos e que valem a pena ser descobertos. Muitos destes locais, têm sido apoiados pela câmara e pelo estado, o que se por um lado lhes permite manter alguma sustentabilidade, visibilidade e legitimidade, por outro é essencial continuarem a sua postura alternativa, crítica e experimental, para que as suas missões prossigam a trazer algo de desafiante, disruptivo e refrescante à cidade.

 

[1] Jürgens, S. V. (2016). Instalações Provisórias: Independência, autonomia, alternativa e informalidade. Artistas e exposições em Portugal no século XX. Lisboa: Sistema Solar, CRL (Documenta). p.550.

Ana Martins (Porto, 1990) é investigadora doutoranda do i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, na qualidade de bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2022.12105.BD). Frequenta o Doutoramento em Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tendo concluído o Mestrado em Estudos de Arte – Estudos Museológicos e Curadoriais pela mesma instituição. Licenciada em Cinema pela ESTC do IPL e em Gestão do Património pela ESE do IPP. Foi investigadora no Projeto CHIC – Cooperative Holistic view on Internet Content apoiando na integração de filmes de artista no Plano Nacional de Cinema e na criação de conteúdos para o Catálogo Online de Filmes e Vídeos de Artistas Portugueses da FBAUP. Atualmente, desenvolve o seu projeto de investigação: Arte Cinemática: Instalação e Imagens em Movimento em Portugal (1990-2010), procedendo ao trabalho iniciado em O Cinema Exposto – Entre a Galeria e o Museu: Exposições de Realizadores Portugueses (2001-2020), propondo contribuir para o estudo da instalação com imagens em movimento em Portugal, perspetivando a transferência e incorporação específica de elementos estruturais do cinema nas artes visuais.

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