Entrevista com o coletivo de Spectrum Awareness, um projeto recentemente apresentado no Teatro do Bairro Alto
Spectrum Awareness é uma instalação híbrida que aglomera artes visuais, música e performance. É um espaço suspenso que toma forma a partir da arquitetura de um ecossistema sensorial. Um dispositivo cénico onde o público e os artistas estão completamente imersos e em comunhão: partilham ambos a mesma experiência sensível. O espaço criado nesta peça procura assemelhar-se a uma experiência ritualística conduzida pela pulsação de densas camadas de textura e melodia, expostas por voz, sintetizadores e percussão. Os pilares deste projeto são Inês Carincur, João Pedro Fonseca e João Valinho. Para o espetáculo de 26 de junho no Teatro do Bairro Alto, convidaram Angélica Salvi e Joana Guerra.
Rodrigo Fonseca – Este espetáculo conceptualmente alimenta-se do quê? Quem assiste experiencia um imaginário bastante onírico: dicotomia tecnologia-ser humano, luz, cor, fumo, som, espectro…
João Pedro Fonseca – Há um certo descontrole na ação das luzes. Isto deve-se aquilo que procuro, não quero ter o domínio total das coisas. As luzes acabam por influenciar muito a música. Se a luz começa a ficar demasiado acelerada, existe a vontade de querer acelerar também, de querer acompanhar este processo atmosférico. É uma questão semi-controlada, é híbrida. Vou-te falar tecnicamente: tenho uma linha de códigos que faz com que a luz seja lenta e tenho uma outra linha mais rápida, mais evasiva. Só tenho acesso a estes dois padrões, de resto, é uma alternância constante, nunca sei onde é que a luz vai atingir. Referiste o espectro, acho que não cabemos nesta forma individual. De início, tudo isto era uma questão onírica… Com se fosse uma cena romântica de levitação, além do corpo, um mundo ao qual não temos acesso. Um conjunto de sensibilidades transporta-nos para um outro lugar, um lugar de aleatoriedade ou dúvida que não sabemos bem o que é. De início, trabalhámos muito pela repetição. Trabalhámos as vozes oníricas, as questões do João Valinho com o metal, que se relacionam com a religiosidade, com o oculto e com formas de invocar uma memória ancestral. Tive uma perceção em conjunto com a Joana durante a residência da associação cultural Osso: o campo etéreo está já montado. O ser por si só já existe, aquilo que existe depois é uma tentativa de linguagem entre nós e essa coisa, esse ente. Pode ser avassalador ou apaziguador. É um processo de linguagem que está a acontecer, uma comunicação com esta coisa abstrata que temos em comum. A espiral das luzes invoca este simbolismo, a procura pela essência que conseguimos partilhar entre nós, a partir das nossas virtudes. Como artista muito individual, tenho que controlar a minha individualidade de modo a partilhar o espaço, tem que haver respeito e controle dos ímpetos de querer agarrar logo uma situação. Esta agitação e inquietação resulta numa entropia, num caos que não conseguimos controlar. Há aqui uma tentativa de compreensão que às vezes é conseguida, outras vezes não.
RF – Tentar canalizar o caos, portanto.
JPF – Sim, estamos escravos deste dispositivo, não nos conseguimos retirar ou mover. O som é espacial, atravessa, coloca-nos num estado de transe. A limitação de não nos podermos mover torna tudo isto muito interessante, não consegues ir mais além… Nada tem que ver com ascensão, é uma outra coisa, é uma suspensão na qual envolvemos o público, um diálogo que existe numa zona de fronteira muito ténue. Não nos movemos como estrelas de rock and roll. A qualidade estática é um estado, também é uma performatividade. Trata-se de um estado de regresso a ti mesmo, ao eu, ao âmago. O estado parado é bastante performativo porque realça questões internas que estão a ser resolvidas. Esta peça procura estimular a contemplação como prática de entendimento do presente deste presente.
RF – Incluíram uma harpa e um violoncelo. Porquê?
João Valinho – Em primeiro lugar, pela vontade de convidar pessoas com quem quiséssemos tocar. Em segundo, pela procura de instrumentos de corda. A Angélica e a Joana são músicas que estão muito à vontade a improvisar e é isso que fazemos em Spectrum Awareness. Além disso, são bastante sensíveis às ideias do projeto, às ideias que o João Pedro já referiu.
RF – Na residência do Osso, continuaram a trabalhar dinâmicas de improvisação ou fecharam alguma partitura para o espetáculo?
JV – Estamos muito sensíveis às ideias do projeto, portanto do ponto de vista das práticas de improvisação, é já uma espécie de prática mais focada, mais condensada. Já existe uma série de ideias associadas, ao contrário de uma prática de improvisação livre, onde começas do zero. Aqui temos que aderir e ter este diálogo, esta tentativa de articulação com o dispositivo, com o seu universo e a sua verticalidade.
RF – Ao longo da ação, o entendimento sobre este dispositivo torna-se diferente?
Joana Guerra – O entendimento está lá sempre, a nossa experiência no Osso foi completamente diferente porque não tínhamos este dispositivo. Partindo do conceito e com o poder da imaginação, começámos a visualizar esta pirâmide, portanto a esse nível não houve uma mudança muito drástica daquilo que fizemos no Osso e aqui. É muito interessante porque vejo este quinteto como sexteto: há um ser performativo que nos completa, que nos cospe. Senti-me cuspida, por vezes puxada, aquilo mexe connosco e nós também mexemos com ele.
Inês Carincur – Engraçado, eu sinto muitas vezes que somos um só.