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Três exposições para ver em Alvalade

O que é que a Balcony, a Appleton e a Fundação Leal Rios têm em comum para além de se situarem no bairro de Alvalade, conhecido por congregar uma vizinhança dedicada à cultura e à arte contemporâneas? À primeira vista, apenas se sublinham as recém-inauguradas exposições deste mês: na Balcony, Uma cobra naturalmente falsa – exposição com Evy Jokhova e Mané Pacheco, patente até 10 de julho; na Appleton, Pongo mi pie desnudo en el umbral – solo de Christian García Bello, patente até 22 de julho; não por último, a exposição de AnaMary Bilbao, J’avale la vague qui me noie le soleil de midi – para ver até 19 de setembro na Fundação Leal Rios. Se olharmos mais profundamente, vemos que todos estes espaços apostaram em mostras promissoras antes do verão romper.

Uma cobra naturalmente falsa: Evy Jokhova e Mané Pacheco na Balcony

Exposição-duo comissariada por Ana Cachola, aliando duas artistas – Evy Johkova e Mané Pacheco – que tanto trabalham a escultura e a instalação in loco, como se preocupam e refletem sobre questões da nossa relação com fatores sociais e políticos externos. Desta vez, as artistas procuram uma ligação do corpo à terra, ao espiritual e ao ancestral que nos guia, tendo a cobra como figura primordial – ambas estavam a trabalhar sobre este animal, tantas vezes considerado malévolo, quando foram convidadas a expor na Balcony.

Na exposição, não há um fio condutor, não há um princípio, um meio e um fim que contem uma história. Há sim um conjunto de elementos para cada um criar a sua narrativa em torno da personagem principal, que é a cobra, e desta forma «desconstruir a normatividade dos modos de ver», como impele a curadora.

As duas artistas desafiam-se mutuamente por usarem técnicas diferentes, embora haja uma simbiose natural: materiais reaproveitados e trabalhos manuais que se juntam para dar resposta a uma mesma abordagem e um mesmo tema. Evy traz-nos alguns tótemes já reconhecíveis no seu trabalho (exposição na Galeria Foco), como um lémure, uma doninha e uma pomba que pela cerâmica deu vida em residência no Sedimento Ceramics Studio. Evy diz-me que a exposição se foca no olhar para a natureza através do conhecimento, no poder e nas lutas, na dicotomia entre o certo e o errado, o bem e o mal, na ligação que as mulheres têm tido historicamente com a natureza, os conhecimentos que daí retiraram. A artista foca-se no lado doméstico da mulher.

O uso da cor e da luminosidade, contrastante com o negro de fundo nas obras de Mané Pacheco, afirmam no espaço um diálogo natural entre as duas artistas, assim como a leveza nos bordados e nas tecelagens de Evy Jokhova em relação à intensidade e à rigidez das cobras suspensas de Mané Pacheco.

A exposição contou com a colaboração da Galeria 3+1 Arte Contemporânea: uma união de esforços para um resultado sensorialmente brilhante.

Pongo mi pie desnudo en el umbral: Christian García Bello na Appleton

A primeira exposição individual de Christian García Bello em Portugal acontece na Appleton e é uma reflexão da exposição que aconteceu em setembro na Fundación DIDAC, em Santiago de Compostela, apesar de serem apresentadas variações e novidades. O título é um verso roubado de um poema galego que explica como entender e perspetivar uma história, servindo de base conceptual para entender também, nas palavras do artista, o percurso desta mostra. O verso é usado para pensar o percurso de uma mulher, bem como o nosso, ao longo de uma exposição que tantas vezes cruza a arquitetura, a paisagem e a espiritualidade.

Com curadoria de David Barro, esta mostra é composta por doze obras, entre escultura, instalação e trabalhos sobre papel, com a particularidade do uso de materiais tão distintos como azeite, cera de abelha, resina, conchas de bivalves, água salgada do mar e pedras, que nos ligam à ideia de paisagem e desse local para onde a exposição nos transporta. É a poesia dos materiais escolhidos que colmata a narrativa e nos conduz ao final da história.

Interessa também pensar este espaço da Appleton que, sendo um espaço para projetos distintos, tantas vezes nos traz histórias de transformação como a que agora podemos ver nesta exposição – de um artista que trabalha principalmente sobre e com formas de analisar e habitar o espaço.

J’avale la vague qui me noie le soleil de midi: AnaMary Bilbao na Fundação Leal Rios

Em maio, tive o prazer de visitar o acervo da Fundação Leal Rios e de saber que estaria para breve uma exposição da AnaMary Bilbao – essa exposição está agora de portas abertas.

AnaMary Bilbao abre-se ao visitante – e abre também o plano da imagem, que tão raramente acontece, trazendo o sujeito para primeiro plano. Com base no livro Le blue du ciel (Georges Bataille, 1935) e na música Almost Blue (Chet Baker, 1987), a artista apresenta várias formas de trabalhar a imagem, desde fotografia, vídeo e projeção. Especial menção para a obra Dirty, sete projeções de vídeo sobre papel vegetal e sete citações do livro usado como inspiração, que nos remetem para a metafísica do ser, do espaço e da memória, com final aberto para interpretações pessoais.

A artista trabalha a exposição das imagens presentes em negativos que vai encontrando. Por vezes, esconde-nos mais a imagem. Outras vezes, liberta um pouco o seu conteúdo – que é o que acontece nesta mostra: brinca com o aparecimento e o desaparecimento de manchas e sujeitos, mantendo sempre o típico fundo negro. Normalmente, estamos habituados a ver as obras mais «escondidas» e com menos presenças de pessoas e objetos. Por isso, este ressurgimento traz consigo também algo para pensar. Temos aqui a dicotomia entre o presente e o ausente, a luz e a escuridão, que permanecem sujeitos ativos e passivos nas obras de AnaMary Bilbao. Desta vez, não configuram a exceção.

Isto e «tantas outras coisas que estas obras escondem», como escreve Aurélien Le Genissel, que só «podemos abraçar na sua totalidade» ao visitar as exposições.

Uma cobra naturalmente falsa – na Balcony até 10 de julho. Pongo mi pie desnudo en el umbral – na Appleton até 22 de julho. J’avale la vague qui me noie le soleil de midi – na Fundação Leal Rios até 19 de setembro.

Concluiu a Licenciatura em Relações Internacionais com um minor em Ciências da Comunicação, na Universidade Nova de Lisboa, e o Mestrado em Mercados de Arte, no ISCTE. Tem vindo a colaborar com alguns projetos culturais como a AZAN, o ProjetoMAP e a REDE art agency. Assistiu à produção da exposição ProjetoMAP 2010-2020 Mapa ou Exposição, no Museu Coleção Berardo, e produziu a exposição I WILL TAKE THE RISK, na AZAN. Esteve envolvida na edição do livro ProjetoMAP Mapa de Artistas de Portugal e contribui para publicações como a GQ Portugal.

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