The eye is not satisfied with seeing: Jennifer Packer na Serpentine Gallery
«Sinto uma resistência ao uso da palavra “corpos” para descrever as figuras do meu trabalho. Existe uma diferença importante entre ter um corpo e ser um corpo. Os corpos podem ser quase qualquer coisa e muitas vezes estão sujeitos à objetificação irracional ou à perda da humanidade. Estou frequentemente a pensar sobre o significado dessa distinção enquanto trabalho.»[1]
A primeira exposição de Jenniffer Packer fora dos EUA, The eye is not satisfied with seeing, é um exemplo de como a pintura académica pode funcionar num mundo da arte pós-meio e pós-objeto. As pinturas de Jennifer Packer são feitas de memória, improvisação e velha observação e retratam arranjos de flores de naturezas-mortas, retratos de amigos e interiores caseiros moldados em torno do nosso tempo contemporâneo.
Técnicas de pintura já cansadas são forensicamente expostas por Jennifer Packer, que lhes dá uma nova vida. Anatomias renascentistas como em Lost in translation [Perdido na tradução] (2013), sfumatos e desenhos à mão livre em The mind is its own place [A mente é seu próprio lugar] (2020) são facilmente reconhecíveis e levam-nos de volta à era dourada da pintura. O que nos traz onde estamos agora são as finas pinceladas graciosamente desenhadas, pingos de tinta, linhas gravadas que revelam a tela crua e composições inesperadas. Estes dois momentos – passado e presente – são combinados com mestria e conferem às obras uma refrescante qualidade transhistórica. O nosso olhar, de facto, não fica satisfeito com ver e parte para uma reflexão sobre quem eram os pintores naquela época, quem são os pintores agora e de que forma eu, observador, sou diferente do observador de então.
A artista toma tudo o que retrata como corpos sensíveis: não hierarquizados, emocional e fisicamente carregados e dignos de luto. Reminiscentes de Fantin-Latour, as suas naturezas-mortas de arranjos de flores foram pensadas para aliviar o peso das vidas negras perdidas e das tragédias de violência mas, em vez disso, tornaram-se sobre a própria relação da artista com o luto. Jennifer Packer confessa: «A pintura nem sempre é boa no luto. Percebi que tudo o que eu estava a sentir tinha totalmente a ver comigo. Então, de certa forma, a pintura tornou-se a expressão de uma incapacidade de lidar com a perda.»[2] Say her name [Diz o nome dela] (2017) é, possivelmente, a pintura mais impactante da exposição e um exemplo maravilhoso destes bouquets. Sandra Bland era uma mulher afro-americana de 28 anos que foi encontrada enforcada numa cela de prisão no Texas e cuja morte foi injustamente considerada suicídio. Desolada com esta notícia, Jennifer Packer lamentou por um estranho como teria lamentado por um amigo próximo. Em sua memória, a artista decidiu pintar uma decoração funerária para um cortejo imaginário. Novamente, o nosso olhar não se contenta com ver. Torna-se um olhar magoado e zangado.
A exposição é acompanhada de uma experiência digital Bloomberg Connects, completamente gratuita e acessível para lá da exposição. Através desta, poderá ouvir-se uma excelente conversa entre o diretor da Serpentine Gallery, Hans Ulrich Obrist, e a artista em causa, Jenniffer Packer, bem como duas breves introduções pela curadora da exposição, Melissa Blanchflower, sobre o seu conceito e o seu display. A experiência digital inclui também imagens de alta qualidade e extensas descrições das obras.
The eye is not satisfied with seeing, de Jennifer Packer, está patente na Serpentine Gallery, em Londres, até 22 de agosto.
[1] Traduzido do original: «I feel a resistance to the use of the word “bodies” to describe the figures in my work. There’s an important difference between having a body and being a body. Bodies can be almost anything and are often subject to mindless objectification or a loss of humanity. I’m usually thinking about the significance of that distinction as I work.» Jennifer Packer, 2020, booklet da exposição.
[2] Traduzido do original: «Painting isn’t always good at grief. I realised that whatever I was feeling had entirely to do with me. So, in a way, this painting became an expression of an inability to deal with that loss.» Jennifer Packer, 2020, booklet da exposição.