“O mundo é a curva infinita que toca (…)”
Inserida no Ciclo Museu das Obsessões, com curadoria de Ana Anacleto, No More Racing in Circles – Just Pacing within Lines of a Rectangle, do artista Tris Vonna-Michell, é uma exposição que ocupa todo o espaço do CAV, numa clara intenção de suplantar o corpo do espectador a um sem-número de referências que inevitavelmente o transportam de ponto em ponto, fazendo-o integrar uma constelação maior imposta pelo artista no espaço expositivo, como aliás refere a curadora na folha de sala.
Há uma exploração extremamente aprofundada da ideia de imagem e da ideia de linguagem, e de como estas se confundem e nos alteram as capacidades percetivas. Se por um lado, há representações imagéticas (fotografias, vídeos, filmes) e sonoras que nos levam para uma certa narrativa por encerrar, há nessas imagens também um suporte diferente que nos quererá comunicar algo: Tris Vonna-Michell explora diferentes suportes para dar a ver a imagem, da projeção de diapositivos ao ecrã LCD. Há uma clara leitura possível da componente matérica que apoia um conjunto de imagens e sons que surgem do acaso, da capacidade de olhar o mundo com a desatenção necessária, num aparente chegar a lado nenhum. Poderá, efetivamente, ser isso, mas remontando ao título da exposição sabemos que há uma vontade do artista em que dobremos esse percurso, facilmente circular, como num retângulo. Que talvez saibamos demarcar a nossa deambulação, no espaço expositivo como na vida. A dobra como a quebra de um infinito incauto, não como rejeição do passado, mas como coragem perpendicular – o retângulo deve surgir depois do círculo, e o círculo depois do retângulo – chegamos ao fim e a vida deve ficar quase como uma forma geométrica sem nome – talvez seja a isto que nos convida Giordano Bruno com a ideia de que os movimentos “explicar-implicar-complicar formam a tríade da dobra”[1], como referido na obra intitulada A dobra: Leibniz e o barroco de Gilles Deleuze. Interiorizando algumas das ideias nela presentes, ser-me-á possível afirmar que esta exposição se trata de uma soma infinita de pontos de vista transformadores do mundo, criando novos espaços tão legítimos quanto a vida de quem os vê e que por isso os cria. Perante a perceção redutora que temos da realidade, apropriemo-nos destas interseções de acontecimentos para a criação de um real.
Ainda no CAV, mas no espaço da Project Room, encontramos A Temperança e o Louco, de Catarina de Oliveira, também inserida no Ciclo Museu das Obsessões e também com a curadoria de Ana Anacleto.
Numa clara intenção alegórica, Catarina de Oliveira explora uma série de referências do quotidiano, numa intenção sistémica de procura de um campo de referências amplo assente nas questões da sustentabilidade, do surf e do yoga, por exemplo.
Vemos assim duas obras na parede que remetem para uma possível definição de cada uma das palavras que dão título a esta exposição, e duas grandes pinturas suspensas desde o teto que utilizam justamente os títulos A Temperança e O Louco, num gesto de convocar “apenas o conjunto de características simbólicas atribuídas a cada uma das cartas [do Tarot] em questão.”[2] Na primeira há uma ideia natural de reflexo, de equilíbrio, na segunda, há uma ideia de reinício, de zero, de ovo – ideias obviamente associadas à carta de Tarot e que tão bem nos servem para concluir esta reflexão, também ela holística no sentido de procurar aqui entender algo na sua totalidade. O ovo e o zero: corpos circulares que, à sombra da filosofia de Deleuze, se tornam geradores de mundo.
No More Racing in Circles – Just Pacing within Lines of a Rectangle, de Tris Vonna-Michell, e A Temperança e o Louco, de Catarina de Oliveira, estão patentes no CAV até dia 4 de julho.
[1] Deleuze, Gilles. (1991). A dobra: Leibniz e o barroco. Campinas, SP: Papirus. p. 42
[2] Excerto da folha de sala da exposição