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Maiden Voyage, na MONITOR Lisbon

Entre o espaço e o tempo, o sistema referencial da obra de arte altera-se, transformando-se num conjunto de rotas cambiantes onde o ponto de partida é a paisagem desconhecida. Contudo, é este o momento de charneira que forma o fundo sobre o qual os processos artísticos se desvelam.

As viagens são diversas e o princípio do percurso torna-se topografia cruzada pelas mãos de Mattia Tosti, curador da exposição Maiden Voyage. O que nos devolvem as pistas sobre as primeiras obras de Alexandre Singh, Guido van der Werve, Laurent Montaron, Nathaniel Mellors e Ursula Mayer?

Imergimos inicialmente em Readings (2005), de Laurent Montaron. O passado e o presságio desdobram-se em leituras cartomantes onde a nossa voz interior escrutina as mensagens do oráculo. Entre o texto e a imagem, um observatório astronómico abre-se subtilmente para o céu. O astrofísico observa o passado estelar e reflete sobre o futuro cosmológico, sobre aquilo que vê e o que nos convoca a ver. O artista convida-nos a refletir sobre a astrologia e a astronomia. Em que momento temporal se separaram? Ou será que esta separação é acima de tudo uma construção simbólica onde o próprio ser humano, por oposição, imiscui razão e mito, cosmologia e cosmogonia?

Mantendo o fio condutor existencial, Guido van der Werve apresenta-nos Suicide no 8945 till 8948 (2001). O jovem artista explora a performatividade de um gesto cíclico suicida, onde o ato é consumado, mas o corpo permanece vivo, como se paradoxalmente a violência da ação se dissipasse perante a sua repetição. Contudo, o corpo que teima em não morrer é o performer filmado, uma evocação que se torna imagem e nos confronta com a própria morte. O paradoxo e o sentido crítico social prosseguem com MAGOOHANSOC (2005), de Nathaniel Mellors, onde uma personagem caricatural incorpora uma estética britânica neoliberal enquanto profere um discurso aparentemente político e, no entanto, absurdo e irónico.

Na segunda sala da galeria, Ursula Mayer apresenta-nos Interiors (2006), uma casa onde duas mulheres percorrem os espaços de intimidade sem nunca se encontrarem fisicamente. Remetendo para a história da arquitetura modernista, na qual o domínio masculino se impõe, ambas fixam o seu olhar numa escultura cinética da artista Barbara Hepworth.

Uma última obra, The Mark of the Third Stripe (2007), de Alexandre Singh, é projetada na parede da galeria. Um conjunto de símbolos e padrões abstratos gerados por computador acompanha as vozes que narram a história re-imaginada do fundador da Adidas, onde num mundo distópico modernista a empresa impera e subjuga física e espiritualmente a população. A história narrada aprofunda-se através da escrita, de um livro que complementa o projeto.

Na exposição Maiden Voyage, há o prazer da inversão da linha do horizonte. Pois, neste exercício que o curador nos propõe, ao invés de caminharmos para a frente à procura das obras que virão, imergimos para trás, no sentido da descoberta do cerne que deu origem ao corpo de trabalho destes artistas.

Nota final: A complementar a exposição, Mattia Tosti convidou cinco escritores/curadores para refletirem sobre as obras apresentadas em Maiden Voyage: Cristina Sanchez-Kozyreva sobre a obra Readings, de Laurent Montaron; João Silvério sobre Suicide no 8945 till 8948, de Guido van der Werve; José Pardal Pina sobre a obra MAGOOHANSOC, de Nathaniel Mellors; Ana Cachola sobre Interiors, de Ursula Mayer; Luís Silva sobre The Mark of the Third Stripe, de Alexandre Singh. Os textos são disponibilizados no espaço da galeria e constituem um corpo de trabalho fundamental para o aprofundamento da obra dos artistas.

Maiden Voyage, na MONITOR Lisbon, em Lisboa, até 28 de maio de 2021.

Margarida Alves (Lisboa, 1983). Artista, doutoranda em Belas Artes (FBAUL). Investigadora bolseira pela Universidade de Lisboa. Licenciada em Escultura (FBAUL, 2012), mestre em Arte e Ciência do Vidro (FCTUNL & FBAUL, 2015), licenciada em Engenharia Civil (FCTUNL, 2005). É artista residente no colectivo Atelier Concorde. Colabora com artistas nacionais e estrangeiros. A sua obra tem um carácter interdisciplinar e incide sobre temas associados à origem, alteridade, construções históricas, científicas e filosóficas da realidade.

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