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Um museu para imaginar o futuro: Entrevista com Luca Lo Pinto

Há quase um ano que o MACRO, o Museu de Arte Contemporânea de Roma, reabriu as suas portas, depois de tempos muito atormentados. Sob a nova direção de Luca Lo Pinto, com o projeto geral denominado Museu para a imaginação antecipada a instituição reencontrou credibilidade e o apoio do mundo da arte italiano. Além disso, apesar do período difícil, a capital da Itália tem reagido muito melhor que outras cidades do país no que diz respeito à cultura. Perguntámos a Lo Pinto quais foram as passagens-chaves desta inédita cena romana, e quais as suas ideias relativamente à identidade futura dos museus.

 

Matteo Bergamini – Não obstante o “coronacene”, o polvo, ou seja, a imagem-guia do MACRO, continua a mover os seus tentáculos: pode contar-nos como foi o seu primeiro ano como diretor, nestes tempos tão complicados?

Luca Lo Pinto – Não foi com certeza o começo que eu tinha imaginado quando, dois meses antes da chegada da pandemia, ocupei a posição. Posteriormente, reconheço que o nosso polvo, com a sua identidade tentacular, ajudou-nos a prosseguir ao nos conseguirmos adaptar   rapidamente a uma mudança tão significativa. Deixando de lado a metáfora, a ideia inicial era experimentar um modelo alternativo de museu, seguindo uma pista de índole editorial: repensar o MACRO e os seus espaços como se fosse uma revista viva, com uma grelha prefixada, na qual se hospedassem conteúdos heterogéneos, capazes de refletir a complexidade do presente. Isto permitiu-nos reagir com velocidade, descobrindo novos formatos coerentes com o primeiro projeto. Nós nunca parámos. Em julho do ano passado tivemos a exposição inaugural, imaginada como um editorial, e agora estão em curso – esperando poder reabrir o mais rapidamente possível ao público – as oito exposições com as quais inauguramos simultaneamente as diversas rubricas do museu. Cada uma será atualizada de maneira independente, seguindo o próprio ritmo, para chegar antes do verão a um palimpsesto de oito novas mostras. Além disso, realizámos a mostra individual de Lawrence Weiner, “Traces”, no céu do litoral de Roma, a primeira exposição em Itália de Phanos Kyriacou e ainda duas publicações.

MB – Pode contar-nos como nasceu a ideia de desenvolver o seu Museu para a imaginação antecipada como uma revista?

LLP – A ideia da revista nasceu ao observar a arquitetura do museu, que tem uma configuração complexa: de um lado, temos espaços de arqueologia industrial, da ex-cervejaria Peroni, e de outro temos a nova ala, projetada por Odile Decq. Eu quis criar um percurso orgânico e ao mesmo tempo articulado, tendo uma estrutura que permitisse incluir linguagens diferentes, redesenhando-a constantemente. Tornou-se natural pensar numa revista tridimensional, articulada numa série de rubricas correspondentes às diversas salas do museu, por onde o visitante possa deambular livremente.

MB – Roma é, entre as cidades italianas, aquela que parece ter respondido melhor no campo da  cultura na época da pandemia, também graças ao novo percurso do MACRO. O que é que está a funcionar?

LLP – Roma teve uma capacidade de reação por alguns caminhos inesperados, e precisamente sobre a cultura contemporânea. Penso também noutros lugares que pertencem à Azienda Speciale Palaexpo, como o Palácio das Exposições, o Matadouro [Mattatoio] e a Quadriennale. Mesmo com todas as dificuldades existentes, criou-se uma energia muito boa que, tanto quanto possível, teve também a capacidade de atrair espectadores do exterior.

MB – O que seria preciso agora, à política italiana, para ajudar o setor da arte?

LLP – Em primeiro lugar, espero que os museus possam reabrir, assim como os cinemas, teatros e outros lugares culturais. Acho que é possível fazê-lo em segurança, considerando que no MACRO usamos medidas que permitem a entrada de 50 pessoas a cada hora para uma área total de 10 mil metros quadros. Feito este prólogo, o meu anseio é que seja reconhecido o papel social dos museus, e não somente o cultural, ainda mais agora, num momento difícil e de confusão.  Um museu gratuito, como o nosso, pode ser, para os jovens – por exemplo –, uma referência preciosa, um espaço livre onde cultivar a própria imaginação.

MB – Antes da sua reabertura oficial, em julho do ano passado, o MACRO tinha vindo a desenvolver uma programação virtual, que ainda o acompanha. Como imagina o museu do futuro?

LLP – Temos pensado no digital como um espaço expositivo que não seja somente uma transposição do que é o espaço físico para o virtual. Pensamos num espaço paralelo, com formatos digitais para a web e as redes sociais. Porém, o digital não é a única dimensão com a qual experimentamos possibilidades alternativas: no verão passado, foi realizada,como já disse, a exposição de Lawrence Weiner durante  dez dias no céu, através de uma série de banners de avião, sobrevoando a costa entre as cidades de Ladispoli e Anzio – um projeto sobre o qual apresentaremos um documentário, em breve. Por estes dias, estamos a inaugurar uma mostra em realidade aumentada de Darren Bader, que apenas se ativa numa dimensão física, através de uma série de manifestações difundidas na cidade. Acredito que o museu do futuro deverá continuar a experimentar, a procurar modalidades para sair para o espaço urbano e angariar novos públicos.

Matteo Bergamini é jornalista e crítico de arte. Atualmente é Diretor Responsável da revista italiana exibart.com e colaborador para o semanário D La Repubblica. Além de jornalista, fez a edição e a curadoria de vários livros, entre os quais Un Musée après, do fotógrafo Luca Gilli, Vanilla Edizioni, 2018; Francesca Alinovi (com Veronica Santi), pela editora Postmedia books, 2019; Prisa Mata. Diario Marocchino, editado por Sartoria Editoriale, 2020. O último livro publicado foi L'involuzione del pensiero libero, 2021, também por Postmedia books. Foi curador das exposições Marcella Vanzo. To wake up the living, to wake up the dead, na Fundação Berengo, Veneza, 2019; Luca Gilli, Di-stanze, Museo Diocesano, Milão, 2018; Aldo Runfola, Galeria Michela Rizzo, Veneza, 2018, e co-curador da primeira edição de BienNoLo, a bienal das periferias, 2019, em Milão. Professor convidado em várias Academias das Belas Artes e cursos especializados. Vive e trabalha em Milão, Itália.

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