Investigações de um peixe dourado, de Carlos Arteiro
Carlos Arteiro expõe a solo na NO.NO pela primeira vez, tendo já integrado outros projetos da galeria como as exposições coletivas Not an Island I e II. Desta vez, traz-nos Investigações de um peixe dourado, patente de 6 de março a 29 de maio, com texto de David Silva Revés.
A aposta para a reabertura no pós-confinamento da NO.NO apresenta-nos a história de um peixe que mudou de cor, deixou de ser preto e passou a apresentar uma tez dourada. O peixe encarna a transformação, a mutabilidade e a mudança presentes na vida, que o artista retrata em três instantes, em três esculturas.
A metamorfose do peixe, rara senão ela, acontece porque os genes do peixe definem quanto de cada camada sobressai – os peixes desta espécie nascem com quatro camadas que podem ou não tramitar ao longo da sua vida: uma camada iridescente, uma preta, outra amarela e uma última encarnada. É a natureza do peixe a mostrar as suas verdadeiras cores, no entanto, a audácia da renovação causa no artista um sentimento de chamada de atenção para as alterações inatas da vida. Nas palavras de David Silva Revés, “tendo visto o seu peixe a modificar-se, o Carlos entendeu (e)afetivamente essa verdade enigmática que, no fundo, é a vida a fazer-se: cambiante, metamórfica, transdutível – produtiva.” E assim, em tom de destino, também o artista deu quatro camadas aos seus peixes esculpidos: uma camada de estrutura de poliuretano, uma com fibra de vidro, outra de resina e uma última de tinta branca. Esta é uma técnica usada por Arteiro, que pôde também ser vista na Fundação de Serralves quando foi finalista do Prémio Novo Banco Revelação, em 2018.
A galeria subverteu-se ao habitat do peixe dourado e mergulhamos no aquário para encontrar no piso da entrada o primeiro peixe (Peixe dourado #1). Este está suspenso num momento e imprime no visitante a dualidade do espaço: um espaço expositivo e experimental. No piso inferior, habitam mais dois peixes ou, neste caso, duas impressões do mesmo peixe (Peixe dourado #2 e #3).
O mote para a exposição são as incumbências de um pequeno ser vivo e como este nos estampa rotinas, responsabilidades e, mais que tudo, reflete a realidade de cada um que a visita. O peixe que mudou de cor vive no atelier do artista em Vila do Conde e, por isso, ditou ao artista uma saída diária para tudo quanto um peixe obriga: comida e mudar a água. À primeira vista, um animal que dita poucos comprometimentos acaba por incutir uma ação rotineira necessária, sobretudo num momento confinado, que de outra forma o artista poderia esquivar-se da sua ida ao atelier, espaço onde inevitavelmente pensa, cria, trabalha. O peixe impôs-se, mas a verdade é que por lá ficou, como que obrigando o artista a deslocar-se ao atelier com a desculpa do peixe, e a certeza de que lá trabalharia nesse dia.
Se pensarmos que para lá do vidro do aquário, tanto para um lado, como para o outro, a composição química é contrária à do espaço que ocupamos, que a água é caracteristicamente refletora e purificadora, vemos no peixe a reflexão do que somos. O artista e o peixe estabelecem uma relação ora de aproximação e afastamento, ora de ator e de espectador. Mas quem observa quem? Quem é responsável por quem? O peixe que habita o estúdio de Carlos Arteiro e decretou rotina vigente de visita agendada é tanto o mote para a exposição individual do artista na NO.NO, como o inquilino principal do espaço expositivo.
O peixe é sinónimo da causalidade de ritmos diários: o ir e vir. É a materialização da vida e dos afazeres mundanos e rotineiros a que esta obriga. A mutação do peixe é também ela ilustração dos metamorfismos na vida. Para lá de um confinamento, a vida continuou, as estações mudaram e as escamas pigmentaram. Esta é a beleza da mostra expositiva, a certeza que no desconfinar existe a magia da renovação.
Investigações de um peixe dourado, de Carlos Arteiro, inaugura hoje na NO.NO.