Entrevista a Clara Imbert: Por detrás da capa
A abertura da exposição coletiva na MONO Lisboa, da qual Clara Imbert participa, viu como tantas outras atividades culturais a sua abertura empurrada no tempo, sem data apontada no calendário para o retorno aos mapas da cena cultural. No entanto, no calendário está a capa da UMBIGO online de janeiro com protagonismo para a série Shadow Objects, de 2020. Clara Imbert é a artista por detrás da capa.
Licenciada em Belas-Artes na Central Saint Martins, foi em Lisboa que a artista francesa encontrou o seu estúdio, no espaço cultural AZAN. É aqui que desenvolve a sua prática e questiona as perceções de espaço e respetivas noções, que o reinterpreta através da curva e através da linha. Que dá forma e figura à perspetiva do ser que olha e observa o que do outro lado está. É uma linha ténue entre realidade e ilusão, que protagoniza através de fotografia, escultura e instalação. O seu atelier integra também o espaço que o rodeia de uma forma orgânica e natural – tem atelier num antigo armazém reconstruído, em que as linhas robustas e fortes dão casa a vários espaços de trabalho de artistas. É o material que usa nos seus trabalhos, o ferro e o aço, que melhor ligam Clara àquele espaço.
Usa a fotografia como base primordial do seu método artístico, que acaba por desconstruir e transformar para jogar com as ilusões do que está e do que não está, do visível e do invisível. A fotografia pode enfrentar vários processos para o trabalho criativo, culminando numa espacialidade inventada. O observador é então parte do processo, é a perspetiva deste que importa para o desembrulhar dos sentidos, que levam à descoberta do invisível nestas coordenadas espelhadas pelo processo de reinvenção do ato inicial.
Beatriz José – Usas a fotografia como base para o teu método artístico, que daí desenrola para outras formas, normalmente a escultura e instalação. Como descreves o teu ato artístico?
Clara Imbert – A arte de fotografar é a de capturar. É um movimento, uma dança entre o sujeito e a câmara. Quando tiro uma fotografia de uma escultura, este movimento repete-se circularmente, nele próprio, à volta do objeto inanimado. Diria que uso a fotografia como uma base, sim, mas também como o resultado de uma forma que foi construída e para retratar encontros efémeros. Não acredito que a fotografia sirva a escultura, mas que se complementam – um resulta no outro e vice-versa.
BJ – É também uma fotografia que apresentas na capa da UMBIGO online de janeiro, da série intitulada Shadow Objects, de 2020. Descreve-nos as tuas peças e o porquê de fazer sentido neste momento atual que vivemos – num jogo de sombras.
CI – Esta série Shadow Objects é um processo ongoing que comecei durante o primeiro confinamento. Quando este período se fez sentir como que uma pausa repentina, refletiu-se no meu trabalho. Um movimento que parece insignificante, de repente, carrega em si uma nova importância – é isto que carregam as sombras; apercebemo-nos que se movem, mas apenas com o tempo. O olhar muda com a lentidão, torna-se mais aguçado. Obviamente a fotografia é um jogo de luzes e sombras, e comporta esta dualidade. Com o objeto, parece mais um jogo de negativos e positivos, em relação ao espaço. A sombra renova o “outro” objeto, tornando visível as suas duas naturezas: concreta e imaginária. É uma série bastante instintiva, quase infantil, já que trata o toque, o olhar, o posicionamento do objeto e a sua resposta visual.
BJ – Trabalhas essencialmente instalações in situ, como From a Parallel Perspective, de 2019, e a tua participação no Festival Exquisito, em 2018. Dirias que é o encontro entre o objeto e o espectador o momento em que o jogo dos sentidos mais toma forma?
CI – É tudo em torno do sensível, do corpo e dos sentidos. Quando nos encontramos à frente de um objeto, respondemos perante ele, quer seja através de uma pausa, de um olhar, ou simplesmente o ato de o ignorar. Despoleta sempre qualquer coisa, quer queiramos quer não, e é esta manifestação que é sensorial. Com o meu trabalho, procuro recriar este momento em que algo tão natural como um olhar é trazido à atenção do observador. As linhas, as perspetivas ou as formas jogam com os nossos olhos – acredito que este encontro seja subtil e que o objeto possa ser calmo. Gosto desta calma, porque os sentidos não precisam de ser elevados para conterem neles poder.
BJ – O que nos podes contar sobre a exposição a acontecer, ainda sem data marcada, na MONO Lisboa? Fala-nos da peça que apresentas.
CI – A exposição de luz na MONO Lisboa junta artistas com práticas que versam sobre a luz e como pode tornar-se um objeto autónomo. O trabalho que escolhi apresentar é uma resposta a um som: os anéis de Úrano, gravado pela NASA. Quando investigava sobre a velocidade da luz, deparei-me com este som e fiquei completamente fascinada. Foi o momento em que decidi criar uma peça que implicasse esta ideia de uma rotação constante – como que um planeta. A instalação, inspirada em diferentes instrumentos astronómicos, atua como um dispositivo telescópico fragmentado e dispersa a luz quando gira.