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On Wildfire, David Claerbout na Galeria Pedro Cera

A cinza é uma substância etérea, que transmite intangibilidade, sendo claramente o material que evidencia a passagem do tempo corpóreo e do tempo elementar. David Claerbout trabalhou incansavelmente durante muitos anos para apreender as possibilidades de atraso e expedição temporais, e a sua prática artística ultrapassa o domínio da criação de conteúdos e imagens, rumo a um paradigma metafísico que desafia a forma como nos percecionamos em movimento e no espaço. Numa das suas obras anteriores, Boom (1996), convida-nos a entrar numa personalizada quimera com uma árvore, banhada pela luz do verão, com as folhas ligeiramente movidas pelo vento. É importante traçar a linha entre esta obra e a sua mais recente criação em vídeo Wildfire (meditation on fire) (2019-2020), pois, em vinte e quatro anos, no espaço de mais de duas décadas, ambas abordam o lado majestoso da esfera arbórea, mas de perspetivas diferentes. Em Boom, a árvore fica intacta, imune a danos, macia, recetiva. Já em Wildfire (meditation on fire), testemunhamos o drama de uma floresta engolida pelo fogo, afetada, devastada. Numa analogia entre os dois trabalhos, introduz-se um casamento temático central: o passivo é ativado e o ativo é complacente. Este jogo de forças marca a obra de Claerbout e fala de uma tensão maior que se tem mostrado relevante no cânone da videoarte desde meados dos anos 80.

Na exposição Wildfire na Galeria Pedro Cera, o artista questiona “a quantidade de energia necessária para simular uma “natureza morta” de fogo digital, altamente detalhada, que, como o artista mais tarde descobriu, muito provavelmente incendiaria o sistema informático…”. Aqui, o interesse reside na possibilidade de forçar a tecnologia a satisfazer a magnitude do natural, para que o observador não seja apenas desafiado a compreender a “realidade” do que está a ocorrer em 2 dimensões, mas também a considerar e a reconsiderar o papel do artista no fabrico ou no estímulo ao “desastre”. Antes de observamos o vídeo Wildfire (meditation on fire), somos convidados a rever uma série de oito desenhos a sumi-ê e lápis. Estes são também, por direito próprio, meditações. Monocromáticos, espectrais, sensíveis, os desenhos são como profecias, memórias da ação retratada dentro do vídeo-trabalho. Um é mantido em contemplação e pede para regressar à mesma imagem repetidamente, a fim de descerrar detalhes e ponderar uma escala que é a antítese da saturação, digital e consumista. Ao navegarmos na exposição, há um efeito emocional bumerangue, entre uma certa paz cultivada através da visualização destes desenhos, e o encontro com o vídeo que, na sua duração de 24 minutos, parece mais longo devido à sua importância e montagem.

Há uma margem mínima entre o utópico e o distópico, algo relacionado com a “verdade ótica”. Wildfire de David Claerbout conjura algo a partir da noção de William Faulkner de que “a memória acredita antes de saber que se lembra”. Ela acredita durante mais tempo do que relembra, indaga mais do que sabe”. Em última instância, nesta exposição somos arrastados para um espaço de admiração, com laivos de preocupação, e um desejo de cumprir uma promessa oculta à compreensão.

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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