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Mal-me-quer, de Rita Ferreira

Mal-me-quer é a mais recente exposição de pinturas de Rita Ferreira, que toma lugar na 3+1 Arte Contemporânea e que pode ser visitada até ao dia 30 de janeiro de 2021.

As pinturas são imensas. Não tanto em quantidade como em dimensão. Com uma média de quase 3 metros de altura por 2 e pouco de largura, estas pinturas que, por meio de uma estrutura de ferro, se mantêm suspensas no ar, ocupam o espaço vertical e horizontal da galeria de forma imponente e quase monumental, formando algo que se assemelha a umas longas cortinas. A exposição está formalmente dividida por três núcleos, cada um contendo (e dispondo) um diferente número de pinturas, perfazendo um total de onze obras.

No rés-do-chão da galeria estão dois desses núcleos. Um com seis pinturas e outro com três. Ainda que todas as pinturas estejam suspensas, as suas posições vão variando. Umas estão no verso de outras, outras foram colocadas de costas voltadas e por fim umas últimas apresentadas frente a frente. Considerando a dimensão e disposição das pinturas formam-se algo como uma espécie de breves corredores aos quais somos, na ambição de ver cada uma das pinturas, obrigados a percorrer. Fica de imediato a sensação de que por mais voltas que se dê nunca conseguimos ver tudo na sua plenitude. Talvez sem contar com as pinturas que estão nos extremos destes núcleos, pois entre estes há um certo espaço que permite recuar e, com distância, observar. De resto, sobra-nos o desafio físico de pelos corredores tentar captar cada pintura no seu todo. Tarefa essa que, pela dimensão das obras e pela reduzida distância entre elas, cria uma certa sensação de vertigem.

No piso inferior a disposição é outra, a suspensão e centralidade mantêm-se, mas aqui o núcleo apresenta somente duas pinturas, relativamente mais pequenas, que por sua vez estão no verso uma da outra. Sente-se o branco das paredes, há um espaço de circunstância e é possível, sem os esforços do piso anterior, ver integralmente e de uma só vez as pinturas. Já sem a tão forte componente física que se experimentou anteriormente, aqui trata-se de um momento (informalmente) mais contemplativo (e respirável), que nos permite aproximar e recuar consoante o que a pintura nos exija.

As pinturas, de gestos largos e irremediáveis, estão num limbo de verossimilhança – um constante balouçar entre o figurativo e o abstrato. Ainda que se reconheça elementos que possamos associar à paisagem ou até uma certa tendência para coisas da ordem do natural ou orgânico, o tratamento pictórico das coisas a serem representadas dá azo a um estado de abstração iminente.

Todo o conjunto de pinturas que formam Mal-me-quer representa uma diligência por um universo de formas e as suas potencialidades, que, por seu lado, explora tanto o espaço positivo como negativo através da repetição e de um processo de acumulação e subtração, de pintura para pintura.

Pensando melhor, e ainda que até agora me tenha referido a estas pinturas enquanto pinturas, a verdade é que as compreendo enquanto desenhos. E isto porque o que está neles presente é um trabalho que se ocupa mais de corpos e formas do que outra coisa. Que tem que ver com uma (ou várias) dimensão física, com velocidades, com força, impressão, gesto e, em última análise, performatividade – tanto nos processos como na representação e na forma de desenhar (mesmo o suporte das pinturas nunca é um único pedaço de papel, mas sim um sem número de folhas coladas entre elas). Nem mesmo a cor, predominante neste grupo de trabalhos, serve como instrumento de pintura, uma vez que não se preocupa em produzir aparências – nuances, velaturas ou profundidades. Servindo antes como “mero” utensílio de distinção entre dois ou mais planos que, ainda que cúmplices, raramente se fundem.

O que podemos compreender em Mal-me-quer é um constante vai-e-vem entre o macro e o micro, numa procura pela estrutura e esqueleto, mesmo que de forma abreviada ou sintetizada, das coisas. Talvez seja isso mesmo, a procura pela mais eficiente abreviatura – o condensar de uma coisa no menor número de gestos possíveis. Só fica o que aparenta ser essencial; e aí repete-se, uma e outra vez, dando origem a uma e a outra “pintura”. Cada pintura é o que ficou por resolver da anterior – cada pintura será resolve na que está por vir.

Rui Gueifão (Almada, 1993), vive e trabalha em Lisboa. Licenciado em Artes Plásticas na ESAD.CR e mestrando em Filosofia-Estética na FCSH – Universidade Nova de Lisboa. Já colaborou com diferentes instituições e espaços dedicados à arte contemporânea, como o Museu Fundação Coleção Berardo, Caroline Pàges Gallery e Galeria Baginski. Tem vindo, desde 2018, a produzir diferentes tipos de textos, já tendo contribuído para publicações e textos de exposições. Desenvolve e expõe o seu trabalho artístico desde 2015.

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