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Lugar do tempo presente e da vida sonhada: Lieu de Vie, de Zé Ardisson

A mais recente exposição inaugurada no Lado B da Balcony Contemporary Art Gallery, do artista Zé Ardisson, formaliza o desejo crítico do atual panorama global, acentuando aspetos sociopolíticos, e simultaneamente evidenciando experiências e memórias pessoais. Esta mostra tem como premissa a seguinte questão: “Afinal, qual será o lugar de vida?”, presente no texto de Carolina Trigueiros que acompanha as peças expostas. Utilizando o título Lieu de Vie (que se pode traduzir por “lugar de vida”), uma fórmula interpretativa das peças instaladas que é apresentada como meio de especular o que será o futuro através de constatações mensuráveis do espaço enquanto lugar próximo de esperança e refúgio.

Ao basear os seus gestos artísticos na repetição, o artista traça um mapa labiríntico, presente em cada ponto, linha e malha. Cada movimento necessário para prender as braçadeiras de plástico, entrelaçar os alfinetes e coser os tecidos, apresenta no seu conjunto uma cadência iminente. As propriedades rítmicas, não só do material, mas da imagem de uma corrente que liga todos os pontos do percurso da exposição, acompanhando-a com o mote escrito que soa quase inconscientemente,Sem Medo, Sem Medo, Sem Medo, como um batimento cardíaco que pulsa no ouvido.

A cadência mantém-se não só no lugar do tempo presente, mas também no lugar de vida sonhado, um palimpsesto que intercala memórias, experiências e sonhos, materializados nos objetos expostos. Estes são como vestígios de um acontecimento ou recordação de algum lugar. Demonstram o seu uso prévio, com o desgaste e remendo do tecido ou as manchas de gordura. Sacos-cama cortados (Roots), pendurados (United Like the Fingers of the Hand) ou feitos de uma rede de alfinetes (Fisherman Sleeping Bag) exploram três possibilidades diferentes de um início de uma história, deixando o desenrolar da narrativa à imaginação de cada um. O artista, contudo, apela através da palavra escrita, Acordai, Acordai, Acordai, à consciencialização individual da necessidade de “repensar o nosso lugar no mundo”. Ordem que também se encontra subentendida na casa de Mama’s Boy, delineada por zippers que evocam o seu gesto de abrir e fechar, desfazer e refazer, segundo as coordenadas evidentes na exposição.

O uso de objetos domésticos, e a constante presença de um ideal de “lugar de vida”, tornam evidente o simbolismo do seu uso, crítica que expande a premissa inicial, refletindo profundamente sobre os tempos atuais. Nos materiais utilizados, revê-se uma dicotomia entre objetos que garantem conforto, como o saco-cama, sobrepostos de construções que salientam a ideia do incómodo opressivo, como os alfinetes e a corrente de braçadeiras de plástico, impedindo o seu uso normal. Nesta reavaliação do lieu de vie global, Zé Ardisson comenta as “tipologias do habitar” que se desvanecem entre a hostilidade e a precariedade contemporânea.

A exposição Lieu de Vie, de Zé Ardisson, pode ser visitada até ao dia 20 de janeiro de 2021 no Lado B da Balcony Contemporary Art Gallery.

Licenciada em Artes e Humanidades (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018), é programadora cultural e curadora independente de arte contemporânea. Em paralelo com a frequência do Mestrado em Fine Arts Curating (Goldsmiths, University of London), dedica-se à investigação de espaços expositivos não convencionais e metodologias curatoriais alternativas. (retrato por Hugo Cubo, 2020)

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