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Falso Sol, Falsos Olhos, de Elisa Pône

A Galeria Quadrum possui uma arquitetura particular. As duas grandes paredes paralelas são revertidas em vidro criando uma espécie de aquário em contato com o exterior. Elisa Pône, em Falso Sol, Falsos Olhos, propõe um trabalho original centrado nas qualidades físicas da galeria – “Uma oportunidade para os visitantes embarcarem em uma viagem que não se limita aos objetos em exposição, sendo antes guiada por uma experiência interativa multidimensional.” – como escreve a curadora Estelle Nabeyrat.

A “viagem” é conduzida pela obra Memory Flood. Por quinze minutos, sozinha e posicionada no meio da galeria, embarquei na jornada proposta pela artista. O espaço é preenchido pelo som dos altifalantes abrigados em esculturas de cerâmica em formato de conchas fixados em sete diferentes pilares. Sons de pássaros e do vento criam uma nova dimensão sensorial, que se conecta com a paisagem exterior. Através dos vidros observei a vida que se passava lá fora: crianças no balanço, casais a beberem café no Quiosque dos Coruchéus, a escultura próxima a biblioteca. Embalada pela obra sonora, a minha perceção do mundo exterior a minha volta obteve novos contornos. A relação porosa entre a vida interior – os pensamentos, os afetos – e a vida exterior experienciada pelos meus sentidos se fez evidente. As duas outras estruturas constituintes da mesma obra fortaleceram essa perceção. Uma escultura em gesso atravessa a galeria de ambos os lados alcançando o exterior, e um robô de luz varre o espaço em movimentos erráticos, atingindo também o espaço fora da galeria.

A obra Blurry Shades é constituída por uma série de intervenções com bombas de fumo nas janelas. Cria-se uma perturbação entre a paisagem exterior e interior, os limites entre dentro e fora são novamente esfumaçados pela a ação da artista. Questionando as condições da experiência humana na era do distanciamento social, uma das obras é concebida com o propósito de ser experienciada remotamente. Disponível online durante o período da exposição, o vídeo Como uma Luva exibe um perito em segurança a realizar uma avaliação do espaço da galeria, verificando os alarmes e detetores. Um fumo, emitido pelo sistema de segurança, preenche o espaço e o perito desaparece. Produzido em homenagem a Dulce D’Agro, fundadora da galeria, o discurso do perito enfatiza as qualidades físicas do espaço, “torna-se metáfora do valor acrescentado do espaço, onde ar e fumo se tornam noutra coisa”. Por fim, a artista desloca a obra Composição de Teresa Quirino usualmente localizada nas escadas defronte para a entrada da galeria para o espaço interior. Em uma ação atenta a história do espaço expositivo, Elisa oferece uma nova narrativa para a escultura.

Falso Sol, Falsos Olhos propõe ao visitante uma experiência de deslocamento multidimensional. O espaço da galeria se expande entre o virtual e a presença física, entre o interior e exterior, entre o passado e o presente.

A exposição está patente até o dia 31 de janeiro de 2021 nas Galerias Municipais | Galeria Quadrum em Lisboa.

 

A autora escreve em português do Brasil.

Maíra Botelho (1991, Brasil) tem uma formação multidisciplinar dentro dos campos da comunicação visual, artes plásticas, filosofia e performance. Atuou profissionalmente como designer gráfica no Brasil após se licenciar na PUC-MG, tendo ainda estudado Artes Plásticas na Escola Guignard - UEMG e na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Recentemente concluiu uma Pós-Graduação em Estética - Filosofia na Nova Universidade de Lisboa.

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