Um oásis ao entardecer, no MAAT
A exposição Um oásis ao entardecer, no MAAT, em Lisboa, conta com a curadoria de Inês Grosso e Rosa Lleó e está patente até 18 de fevereiro de 2021. A exposição é uma mostra comemorativa dos vinte anos dos prêmios da Fundação EDP e também, como as curadoras afirmam, uma resposta à atual conjuntura que vivemos em 2020.
O título Um oásis ao entardecer alude ao espaço fértil em um deserto. Um lugar de refúgio paradisíaco delimitado, rodeado por um ambiente inóspito. O ano de 2020, impactado pela pandemia, apresentou diversos desafios em escala global. O setor cultural precisou se reinventar e lidar com as incertezas do futuro. A proposta curatorial desta exposição invoca a ideia da arte como território de liberdade e resistência, um oásis em meio ao caos.
Celebrar os vinte anos do Prêmio Novos Artistas e do Grande Prêmio Fundação EDP Arte apresenta também o desafio de reunir disparidades conceptuais e visuais dos vinte artistas vencedores. No lugar de uma retrospetiva cronológica, o que é oferecido é uma “narrativa aberta, não linear e fragmentada”. Em uma sequência de espaços fluidos e contínuos, obras de artistas de diferentes gerações e estilos coabitam na possibilidade de “engendrar deambulações e errâncias poéticas, disrupções e contaminações mutuas” – como escrevem as curadoras.
Ocupando a totalidade do piso térreo do edifício do MAAT, a exposição é dividida em cinco zonas fluidas. Na primeira zona (transgressão, geometria, enigma, ação e corpo), encontramos os trabalhos de João Maria Gusmão e Pedro Paiva, Carlos Bunga, Álvaro Lapa, Artur Barrio e João Leonardo. Os filmes enigmáticos de Gusmão e Paiva produzidos em 16mm e 35mm no Instituto Inhotim, no Brasil, dialogam com instalações documentais das ações performadas por Artur Barrio no período ditatorial, também no Brasil. Na parede curva ao lado, é instalada uma intervenção de Carlos Bunga, um desenho expandido de uma linha dividindo o espaço. A instalação site-specific conversa com as pinturas de Álvaro Lapa. Entre a abstração e a figuração, as pinturas selecionadas expõem a complexidade da linguagem do pintor português. A obra exposta de João Leonardo gerou controvérsia no ano de 2004, na 6ª edição do Prêmio Novos Artistas. Trata-se de uma performance para câmara, onde vemos o artista a beber um copo de cerveja e a sua própria urina.
A segunda zona (linha, silhueta, sombra, transparência) conta com as obras de Diana Policarpo, Ana Santos, Ana Jotta, André Romão e Lourdes Castro. Nesta seção, encontramos principalmente obras escultóricas e instalações multimédia. A obra inédita de Diana Policarpo expõe a sua pesquisa sobre as relações entre parasita e hospedeiro a partir de imagens abstratas e composições sonoras extraídas de dados visuais e biossensores. Os trabalhos apresentados de Ana Santos são esculturas tubulares utilizando materiais industriais. Duas obras de Ana Jotta estão expostas. Esperança, uma pequena peça escultórica composta por objetos do cotidiano, luzes vermelhas e um letreiro com o título da obra, e uma pintura sem título de 2008, uma estrela formada por escadas em diferentes cores. André Romão e Lourdes Castro apresentam uma instalação que ocupa um amplo espaço nesta zona. Trata-se de obras de Romão, algumas novas e outras antigas, em diálogo com trabalhos dos anos 60 de Lourdes Castro. O título A Sombra da Raposa alude a literatura oriental em que as raposas representam criaturas espirituais.
O terceiro espaço (desejo, natureza, design, arquitetura, matéria) expõe obras de Claire de Santa Coloma, Vasco Araújo, Mário Cesariny e Leonor Antunes. As esculturas em madeira de Claire de Santa Coloma estão instaladas de forma a serem utilizadas como um assento de descanso. A obra de Leonor Antunes, entre a escultura e a funcionalidade do mobiliário, consiste em uma espécie de um arranjo de uma planta em um tubo de aço polido. Se pensavas que te livravas de mim…, uma nova obra de Vasco Araújo produzida para a exposição, apresenta elementos pictóricos e gráficos, recortes de imagens e frases retiradas de poemas de Mário Cesariny. Pinturas que evocam o mar e a figura do marinheiro de Cesariny estão expostas próximas ao trabalho de Araújo, criando um diálogo entre as duas gerações.
A quarta zona (melancolia, espectralidade, perpetuidade, abismo) apresenta trabalhos de Eduardo Batarda, Mariana Silva, Jorge Molder, Vasco Araújo e Gabriel Abrantes. As pinturas de Eduardo Batarda dos 80 e 90, predominante em tons negros, exploram um jogo de ocultação e revelação a partir do processo de pintura em camadas utilizada pelo artista. O trabalho de Mariana Silva é exposto em uma estrutura como uma caixa preta, onde assistimos a um vídeo documental produzido em 2020 sobre o uso de espécies animais para pesquisas genéticas. A exposição inclui duas séries fotográficas de Jorge Molder, Uma Taxidermia de Papel e Malgré Lui. As duas séries se relacionam com o novo filme de Mariana Silva, a primeira obra lida com o tema de catalogação e inventariação de espécies extintas por parte dos museus de História Natural e Ciência. A segunda obra revela o rosto do artista em uma sequência de imagens deformes e enigmáticas, trazendo uma relação entre “vida e morte, presença e ausência, efemeridade e eternidade”. Mais uma obra de Vasco Araújo está presente na exposição, neste caso uma obra sonora que ressoa por toda a área expositiva. Repeat After Me consiste em uma escultura sonora em metal e madeira. Uma voz masculina repete frases imperativas como a do título. Gabriel Abrantes propôs para a exposição um livro infantil ilustrado em aquarelas. A narrativa divertida expõe temas contemporâneos em uma linguagem acessível para todos.
A última zona da exposição (humor, abstração, lazer, feminismo, artesanato), conta com as obras de Priscila Fernandes, Joana Vasconcelos e Lourdes Castro. Never Touch the Ground, um filme de Priscila Fernandes concebido especialmente para a exposição, faz parte de uma investigação da artista sobre a relação entre lazer e trabalho. Joana Vasconcelos apresenta duas obras, uma instalação de 2004 – Volupta, uma torre composta por elementos de crochê, azulejos e cerâmica – e um filme de 2008. Em um movimento circular, o filme documenta o trabalho de tricô e crochê de mulheres de diferentes gerações e culturas, em monumentos famosos do país. Por fim, a última sala da exposição expõe uma obra de Lourdes Castro produzida em 1972. Trata-se de uma coleção de registros de sombras de cerca de cem espécies botânicas, captadas diretamente ao sol sobre papel.
A exposição Um oásis ao entardecer, em comemoração dos vinte anos dos prêmios da Fundação EDP, reúne diferentes gerações de artistas portugueses, criando um grande panorama da estética contemporânea nas artes visuais.
A autora escreve em português do Brasil.