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Heading Against the Wall – Entrevista a André Godinho

André Godinho é realizador de cinema e trabalha há mais de dez anos com a companhia de teatro Cão Solteiro. Falámos sobre Heading Against the Wall, o mais recente espetáculo da colaboração Cão Solteiro & André Godinho, que estreou a 13 de novembro no Lux Frágil. A versão em streaming esteve disponível durante o fim de semana seguinte.

 

Rodrigo Fonseca – Numa entrevista, dizes que o teatro tem a possibilidade da imprevisibilidade, ao passo que no cinema a composição e a linguagem são mais mediadas. Diria que essa imprevisibilidade vem da efemeridade das artes performativas, porque é um tipo de ação que está mais perto do vazio, de um todo. Mas o cinema consegue mais facilmente colocar-nos no lugar de algo universal, verídico, real. Tu e o Cão procuram colocar a imprevisibilidade e a efemeridade das artes performativas no cinema?

André Godinho – Sim, acho que sim. Nos nossos espetáculos, tentamos pensar simultaneamente o cinema e o teatro num só objeto. Parte da ideia de construir um espetáculo que possa ser um bocadinho das duas coisas e, nesse sentido, há sempre um questionamento: Como é que o teatro lida com a realidade? O que é real e o que é ficção? Como é que o cinema lida com o que é real? Estas questões foram algo que voltámos a trabalhar neste espetáculo.

Em cena, estão três atores respondendo a uma série de perguntas. As perguntas não se ouvem, mas as respostas sim. As respostas são improvisações a partir de coisas que lhes aconteceram, ou coisas absolutamente inventadas. Nós nunca sabemos o que é real nem o que é ficcional, as perguntas são sorteadas durante o espetáculo. Os atores não sabem a que pergunta vão responder, o que significa que todo o espetáculo é desenhado numa base imprevisível. Não sabem ao que vão responder, e vão respondendo coisas, coisas que têm que ver com memórias sem ninguém saber muito bem se são reais ou ficção. Este espetáculo nasce durante a quarentena, num momento em que não sabíamos o futuro dos teatros. Começámos a pensar se poderíamos fazer um espetáculo em streaming e, a certa altura, percebemos que estes voltariam a abrir. Porém, mantivemos a ideia do streaming e construímos dois objetos: um espetáculo ao vivo e um espetáculo online – que não é o espetáculo ao vivo filmado, é uma versão diferente.

RF – Porque é que a impossibilidade é o lugar primeiro para o vosso processo de criação? Esta impossibilidade vem da dúvida/questão ou do plano da fantasia?

AG – Eu acho que o Cão Solteiro tem sempre um trabalho de questionamento sobre o que é o teatro. Ao trabalhar com o Cão, questões como “Se o espetáculo não tiver texto, continua a ser teatro? Se não tiver atores, continua a ser teatro?” começaram a povoar o meu pensamento. O Cão tem sempre o questionamento do que é o teatro, e basicamente só é teatro porque o Cão Solteiro é uma companhia de teatro!

RF – Na sinopse de Heading Against the Wall, lê-se que “talvez seja imprudente aceitar que a proximidade nos garanta qualquer tipo de intimidade.” Se a proximidade não nos garante qualquer tipo de intimidade, o que é que nos garante algum tipo de intimidade?

AG – Acho que isso vem diretamente do facto de termos começado a desenhar o espetáculo durante a quarentena. De repente, as pessoas estavam todas isoladas nas suas casas, cada um no seu mundo e a comunicar assim, como estamos nós neste momento (risos), através do Zoom! Mas há uma coisa que o Zoom traz… Nós vemos uma pessoa sempre neste plano médio, plano aproximado, estamos perto da pessoa, há uma espécie de intimidade. Começámos a ver alguns espetáculos em streaming, apareceram várias coisas através do Zoom. Contudo, é uma intimidade construída: tu só mostras o que queres mostrar. Este foi o ponto de partida. A maneira como os atores respondem às perguntas parece totalmente livre e próxima, mas é completamente construída, estando sempre em jogo a ficção e o real.

RF – Ouvi uns áudios do Heading Against the Wall. São um conjunto de narrativas especulativas, por vezes delirantes, mas ao mesmo tempo com um carácter documental, biográfico e científico.

AG – Exato. A parte do texto mais científica foi a Mariana Sá Nogueira que encontrou. Selecionou as partes que são utilizadas na peça, e que tinham que ver com o figurino. Os atores estão o tempo todo a mudar de t-shirt, como se o ato de mudar de roupa fosse uma espécie de experiência científica. A forma como surgiram as outras respostas (as outras partes do texto) vinha de uma série de perguntas. Os atores iam respondendo e nós íamos inventando regras. O texto nunca está fixo, está e esteve sempre em construção.

RF – Como vês o horizonte da cultura e da produção artística? Estamos todos com menos dinheiro na carteira, e não se avizinham melhorias. Como é que achas que vamos sair disto?

AG – Pois, olha, não sei (risos)! Acho que as coisas mudam muito e, se calhar, vamos ter que repensar a maneira como se fazem os espetáculos. Temos que nos ir adaptando. Ou seja, a única coisa que não vale a pena é continuar a fazer as coisas como se o mundo não estivesse a mudar! E acho que isso é uma coisa que o Cão tem muito presente. Os espetáculos não são políticos no seu conteúdo, mas são políticos… No seu conteúdo (risos). Não falam sobre política, mas são absolutamente políticos. É uma companhia que está sempre muito atenta ao que está a acontecer neste momento. Quando começámos a discutir estas ideias durante a quarentena, pensámos: não queremos fazer um espetáculo sobre a pandemia! Mas há uma série de questões que, pelo facto de pensarmos as dinâmicas da comunicação virtual, se relacionam com a pandemia. Apesar do espetáculo nunca mencionar a pandemia, ela está presente.

RF – Foi o contexto onde foi produzida.

AG – Claro. Este espetáculo, quando se começou a formar, tinha um ponto de partida muito diferente. O título Heading Against the Wall parte da ideia inicial de fazer um espetáculo sobre a censura, devido ao filme La Tête Contre les Murs, de Georges Franju. Vi uma cópia censurada deste filme e comecei a pensar na ideia de censura. Deixámos tudo de fora, mas o título Heading Against the Wall ficou. É um título que, para mim, tem duas leituras: 1) o estar constantemente “a bater com a cabeça nas paredes”; 2) a ideia de que a parede “não me vai parar”, vou contra a parede para parti-la! Posso partir a cabeça, mas parto também a parede! Passa um pouco por aí, tentar continuar a partir as paredes.

Rodrigo Fonseca (1995, Sintra). Estudou na António Arroio, é licenciado em História da Arte e mestre em Artes Cénicas pela FCSH/UNL. Foi cofundador da editora CusCus Discus e do festival Dia Aberto às Artes. Além da Revista Umbigo, faz crítica musical na plataforma Rimas e Batidas. É técnico de som especializado em concertos e espectáculos e artista residente da associação cultural DARC.

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