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Resposta Aberta: Delia Jürgens

Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.

Delia Jürgens é uma artista dedicada à pintura e à instalação que reside entre Hanover, Berlim e Los Angeles. A sua obra aborda a ambiguidade da vida no mundo atual, moldada pela economia global e pelas redes digitais. Estabelece uma ligação entre a realidade da paisagem e aquela imaginada pelo seu criador, concentrando-se em questões concretas que determinam a nossa existência. Jürgens quer aumentar a sideração do espectador através de composições ou cenários capazes de gerar imagens poeticamente tranquilizantes. Investiga a dinâmica da paisagem e a omnipresente permanência de um “mundo corporativo” sob o espetro da teoria pós-colonial.

Delia Jürgens concluiu o seu MFA em Belas-Artes na Braunschweig University of Art em 2014, onde estudou com a artista germano-americana e professora de pintura Frances Scholz, tendo obtido um BFA em Cenografia na Hannover University of Applied Sciences and Arts. O seu trabalho já marcou presença em exposições coletivas e individuais no Guangdong Museum of Art (China), no Sprengel Museum Hannover (Alemanha), no ZKM | Center for Art and Media Karlsruhe (Alemanha), no Kestner Gesellschaft Hannover (Alemanha), no Heidelberger Kunstverein (Alemanha), no Kunstverein Hannover (Alemanha), na Garden Gallery Los Angeles (Estados Unidos), no _Tim Nolas Vienna (Áustria) e no Kunstverein Langenhagen (Alemanha), entre outros. Recebeu bolsas da Künstlerhaus Meinersen (2015), da MWK Lower Saxony (2016) e da Stiftung Kunstfonds (2019), sendo-lhe atribuído o Sprengel Price for Visual Arts, pela Niedersächsische Sparkassenstiftung e pelo Sprengel Museum, no ano de 2018.

Delia Jürgens é a fundadora do coletivo artístico DIS-PLAY, que expõe a fusão de perspetivas virtuais versus perspetivas físicas, avançando além da representação física numa junção de diferentes estados de realidade. Cada aparência virtual ocorre fisicamente num local diferente consoante as culturas, os países e os fusos horários e reúne um amplo leque de artistas e outras pessoas com o objetivo de abordar e repensar o real. O coletivo DIS-PLAY defende que as possibilidades abertas pela internet no que diz respeito à auto-organização e à partilha de informação são minadas por estruturas económicas de poder muitas vezes escondidas, meditando em torno de ideias de coletividade e união.

 

Josseline BlackAo refletires sobre este recente período de isolamento forçado, como articulas a tua resposta no discurso público? Qual é o teu papel nesta mais ampla conversa?

Delia Jürgens – No início da pandemia, e durante o primeiro confinamento, estive em Los Angeles. Foi uma experiência bastante diferente da que tive na Alemanha, onde estou agora. Isolei-me durante 5 meses, não me envolvi socialmente, encomendei coisas maioritariamente online e trabalhei sozinha no estúdio. Aqui é diferente. Parece tudo quase normal, a diferença é que todos usam máscara no espaço público. É possível ver exposições, conhecer pessoas e ter uma troca artística.

A minha perspetiva e abordagem à prática artística inclina-se sempre que estou nos Estados Unidos, mas ainda mais desde a pandemia. Lá sinto sempre uma responsabilidade muito maior em abordar temas mais relacionados com a política e a sociedade. Como artista, julgo que o meu papel é questionar determinados processos de formação, como estes criam valor e como a identidade está a ser moldada hoje em dia. Creio que o Instagram tem a capacidade de alcançar pessoas de origens muito diferentes e levá-las a reformular a sua perspetiva.

JB – A tua prática artística mudou com o isolamento? Como é que a tua capacidade prática para produzir trabalho foi afetada pela pandemia?

DJ – O meu trabalho mudou no ano passado. Costumava trabalhar diretamente no e com o espaço de exposição. Criei enormes pinturas site-specific sob a dinâmica e a arquitetura reais do espaço para o qual era convidada a expor o meu trabalho. Denominei esse conjunto de trabalhos de Fragmented Landscapes. Desde há um ano e pouco, o meu interesse é maior por pinturas mais pequenas, que possam ser autónomas (do espaço em que são expostas, do orçamento e de outras dinâmicas externas). Penso que o confinamento e o ter trabalhado a partir de casa acrescentou uma interessante perspetiva íntima ao meu trabalho. Em Los Angeles, a situação era diferente, pois tinha um jardim e um estúdio no quintal da casa. Na Alemanha, trabalho no meu apartamento. Começamos a utilizar a nossa paisagem interior e o nosso próprio olhar, em vez de partir duma perspetiva comum pré-moldada do ponto de vista económico. Esta situação pode ter um potencial mais enriquecedor que permita refletir sobre a sociedade, a realidade e a verdade, em comparação com um processo de trabalho economicamente organizado.

JB – Qual é a tua abordagem à colaboração neste momento?

DJ – Sempre tive interesse em colaborações. Acredito no poder da visualidade e sempre achei que trabalhar com alguém ou com um grupo de pessoas de forma visual abre muitas perspetivas. Esse tipo de comunicação parece-me muito direto e quase inocente.

Durante o confinamento de março, comecei a trabalhar em estreita colaboração com a minha amiga artista Carlotta Drinkewitz. Utilizámos o Instagram como estúdio e criámos pinturas em conjunto através de live streams. O nosso material era o solo dos nossos locais – o meu alpendre em Los Angeles e uma zona de campo pública em Brunswick, onde reside a Carlotta – juntamente com tecidos. Continuámos a trabalhar digitalmente nessas pinturas e estamos agora – pois encontrámo-nos fisicamente no mesmo local – a transpor as pinturas digitais para uma materialização física.

Paralelamente, fundei há alguns anos um coletivo artístico chamado DIS-PLAY, que está a fazer uma série de diários durante toda a pandemia. Refletimos sobre o tempo em relação às diferentes circunstâncias e sobre o que isso significa para os artistas e para a criação artística.

JB – Como definirias o momento presente, metafisicamente/literalmente/simbolicamente?

DJ – Compará-lo-ia ao deserto. Ou ao deserto enquanto sinónimo de oceano. Uma interrupção nas dinâmicas e nos processos transformadores que possibilita efetiva e literalmente uma reflexão. É como o olho de um furacão. Temos de ter cuidado em relação aos estratos onde nos colocamos.

JB – Identificas potencial para um apoio renovado à produção cultural, apesar das macro e das microeconomias estarem atualmente em rápida reestruturação?

DJ – Sim. Vivo entre Los Angeles, Berlim e Hanover há quase 5 anos e estou muito habituada a contactar digitalmente amigos e curadores. Quando o confinamento e a sua enorme mudança para o espaço digital aconteceram, senti-me subitamente em casa. Desde o confinamento, especialmente na Alemanha, têm surgido oportunidades de financiamento do governo com o objetivo de deslocar a produção cultural para o espaço digital. Na América, este fomento é mais privado e organizado. Não tenho a certeza se o apoio é suficiente. Será interessante observar se o dinheiro reverterá para as microeconomias, que poderão ter uma abordagem e uma experiência mais independentes e eficientes em relação às macroeconomias, cujo interesse poderá ser principalmente o de sustentar as instituições já conhecidas.

JB – E.M. Cioran escreve: “perante as grandes perplexidades, tentemos viver como a história foi feita e reagir como um monstro tomado pela serenidade.” Como responderias a esta proposta?

DJ – Acho que me identifico com ela.

JB – Como é que este período está a influenciar a tua perceção da alteridade no geral?

DJ – Julgo que o movimento BLM mostra claramente a resposta geral a isso. Talvez compreendamos que não divergimos muito uns dos outros – todos podemos ser afetados pelo vírus e sentir praticamente a mesma ansiedade ou vulnerabilidade. Para mim, isto mostra a indiferenciação dos humanos, mas infelizmente os efeitos económicos produzirão enormes disparidades económicas e muitas pessoas acabarão por sofrer.

JB – Qual é a tua posição a respeito da relação entre a catástrofe e a solidariedade?

DJ – Não acredito realmente em nenhuma delas. Por norma, sou bastante equilibrada e vou lidando com as coisas à medida que elas acontecem, em vez de tentar adivinhar o desfecho. Em relação aos efeitos do SARS-CoV-2 sobre a catástrofe e a solidariedade, a verdadeira catástrofe é o comportamento humano perante o planeta e muitas outras espécies. Acredito verdadeiramente que todos devem começar a pensar em reduzir os seus próprios benefícios, bem como os estilos de vida e os espaços que ocupam, atendendo à forma como essa ocupação tem uma cadeia invisível de efeitos para os outros.

JB – Qual é agora a tua utopia?

DJ – A minha utopia é bastante sonhadora. Quero acreditar nos efeitos positivos de tudo isto. Lembro-me de como Los Angeles era diferente após 2 ou 3 semanas de confinamento. Normalmente, há o ruído do trânsito e uma neblina poluente. Não conhecemos verdadeiramente os nossos vizinhos, pois estão todos nas suas casas, nos seus carros, em espaços interiores como ginásios, etc. Após e durante o confinamento, os pássaros, anteriormente inaudíveis, chilreavam e regressavam aos seus habitats. O ar estava mais límpido e os raios de sol não se escondiam atrás da neblina. As pessoas estavam nas ruas a passear ou a fazer exercício e a contactar mais entre si, embora com distanciamento social. A minha utopia é um reinício, onde os efeitos do fracasso económico sejam positivos para o planeta e para as outras espécies. Mas sei que é uma utopia.

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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