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Laurent Montaron, na Galeria Monitor

Laurent Montaron (n.1972, Verlneaul-sur-Avre, França) apresenta na Galeria Monitor, em Lisboa a sua primeira exposição individual em Portugal, patente até ao dia 7 de novembro de 2020.

O primeiro parágrafo do texto de sala da exposição de Montaron, termina com as palavras: “observar e compreender o mundo.” Como nós compreendemos o mundo é ao mesmo tempo uma questão extremamente complexa que atravessa diferentes disciplinas de estudo, mas também habitual e acessível, pois é da ordem da experiência cotidiana de todos. E talvez por ser intuitiva, desconsideramos que a nossa compreensão é moldada pela tecnologia disponível no tempo em que vivemos. Escrevo esse texto através de um dispositivo que conecta pequenas estruturas de plástico a uma tela iluminada. Cada gesto que produzo é traduzido digitalmente, tornando possível a leitura desmaterializada das minhas palavras. Há menos de 150 anos atrás, um texto como esse seria escrito exclusivamente a partir de tinta e papel. A experiência da escrita é completamente diferente. Por ser tão comum e usual, a tecnologia que me permite escrever da forma que escrevo não me surpreende e ainda, não a questiono. O trabalho de Laurent investiga questões ao redor dessa problemática na modernidade a partir da história da tecnologia e a evolução dos diferentes sistemas de crenças e superstições.

A exposição é sutil. Várias camadas de significado das sete obras se entrelaçam para criarem um diálogo e uma proposição para os visitantes. A primeira sala aparenta ser um convite. A obra Lavarsi le mani – uma instalação composta por uma bacia, um jarro, um sabonete em uma saboneteira e uma toalha em xadrez, no topo de caixas de madeira, é inspirada na pedagogia de Maria Montessori, na qual as crianças são obrigadas a lavar as mãos antes de entrar na sala de aula. Do lado oposto da sala vemos uma fotografia de uma criança a observar um feixe de luz dentro de um cofre. As duas obras em composição, a rotina de limpeza e o olhar infantil, convocam uma certa pureza do observador, talvez a possibilidade de reativar o olhar inocente da experiência perante o mundo exterior, e colocar em suspensão “a visão normativa do mundo imposta pela ciência e pela técnica.”

Na segunda sala da galeria, deparamos com quatro obras em diferentes medias. Crystal Radio, é composta por uma antiga televisão reproduzindo um vídeo em loop.  Vemos no filme as mãos do artista a manusear um recetor de rádio em tentativa de alcançar um sinal. O texto de sala esclarece que o rádio em questão é um dos tipos mais básicos de dispositivo, do primórdio dessa tecnologia, composto pelo mineral galena. Hoje esse metal é utilizado em baterias de computadores, mas já foi considerado como mágico nos processos alquímicos. O filme do artista traz para o presente compreensões distintas acerca de um mesmo material, e sobrepõe dois momentos históricos colocando em contato ciência e alquimia.

A peça Grounded, é constituída por uma espada de esgrima conectada à eletricidade e ao solo e está instalada verticalmente na parede à direita de Crystal Radio. Este trabalho coloca em jogo uma conceção da ciência – o aterramento da engenharia elétrica – e a prática terapêutica de diferentes modalidades que se referem à conexão do homem à terra como um exercício de aterramento energético.

Caixas de madeira, como na primeira sala da galeria, encontram-se no centro servindo de suporte para uma peça. Neste caso é parte constitutiva da obra Shofars, um molde de cera de chifres. O título e o molde em si, se referem a um dos instrumentos de sopro mais antigos e sagrado na tradição judaica. O shofar era usado em ocasiões solenes para relembrar os judeus de seus serviços religiosos, como um despertar das coisas terrenas.

A peça intitulada Live, é um gravador antigo da Sony instalado perto da janela de vidro da sala, podendo ser visto do lado de fora da galeria. O dispositivo grava constantemente os sons da exposição, sobrepondo o registro da experiência em um continuo loop.

Os trabalhos Crystal Radio, Shofars e Live tratam de tecnologias relacionadas ao som e a comunicação, e em composição criam uma constelação de referências cruzadas entre ciência e superstição. Em diferentes momentos históricos, o shofar, o rádio e o gravador serviram como dispositivos de transmissão de informação e cada um à sua maneira representaram uma forma de conexão em sociedade.

Como um todo, o projeto expositivo do artista francês busca alcançar o lugar paradoxal que qualquer tipo de saber se encontra:  afirmar o novo olhando para o passado.

*A autora escreve em português do Brasil.

Maíra Botelho (1991, Brasil) tem uma formação multidisciplinar dentro dos campos da comunicação visual, artes plásticas, filosofia e performance. Atuou profissionalmente como designer gráfica no Brasil após se licenciar na PUC-MG, tendo ainda estudado Artes Plásticas na Escola Guignard - UEMG e na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Recentemente concluiu uma Pós-Graduação em Estética - Filosofia na Nova Universidade de Lisboa.

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