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TERAS TERRA – Lito Kattou & Petros Moris na Galeria Duarte Sequeira

TERAS TERRA de Lito Kattou & Petros Moris é um diálogo entre as práticas artísticas distintas, mas convergentes desta dupla de artistas visuais residentes em Atenas. Num discurso não-linear pelas suas figuras híbridas, texturas, cores e formas, que nos permite refletir sobre a ligação intrínseca entre humano e natureza, o corpo e a linguagem e o tempo e a memória, a exposição está patente na Galeria Duarte Sequeira em Braga, até dia 17 de outubro de 2020.

Gilles Deleuze, em Francis Bacon: A Lógica da Sensação refere que “para lá do organismo, mas também como limite do corpo vivido, há aquilo a que Artaud descobriu e nomeou: o corpo sem órgãos. ‘O corpo é o corpo. Ele é único. E não tem necessidade de órgãos. O corpo não é um organismo. Os organismos são inimigos do corpo.’ O corpo sem órgãos (…). É um corpo intenso, intensivo.” Deleuze, ao introduzir o conceito de “corpo sem órgãos” através de Antonin Artaud para caracterizar a pintura de Francis Bacon, fá-lo para evidenciar que os corpos são presenças temporárias e provisórias, que não são determinados pela matéria, mas pelo tempo e que em última análise são energia.

Ao longo do percurso expositivo de TERAS TERRA, Lito Kattou apresenta uma série de figuras híbridas e tridimensionais de alumínio, combinando formas humanas com formas mecânicas e naturais, conferindo-lhes textura, movimento e vitalidade, através da sua curvatura, visibilidade com que as colora exaustivamente e pormenores de flores com que as ornamenta, como em Carrier (2020), Dreamer (2020) ou Walker (2020). As esculturas de Litou, à semelhança das pinturas de Francis Bacon, materializam-se pelo meio da variação de texturas e de cores. Ou seja, à luz de Deleuze, são “corpos sem órgãos”, que não necessitam de organismo e onde as sensações deixam de ser representativas, pois tornaram-se reais e vivas. Em conjunto com as obras de Petros Moris estes conceitos tornam-se mais significativos. O artista, ao lado das obras de Lito, mostra-nos uma série de paisagens geológicas, que representam ambientes materiais e tecnológicos, acentuados pelo mármore com que esculpe estruturas simétricas, que no fundo são rostos, máscaras ou até mesmo fantasmas, como Membrane (Metamorphosis I), 2020; paisagens abstratas de várias cores, que se destacam pelas nervuras dos materiais, assim como pelo conjunto de palavras embutidos na matéria geológica, como DEEPSPEED (2020); e desenhos a aguarela que nos relembra detalhes de paisagens rochosas, como Arrow Moment II (2020). Raul Brandão em Húmus escreve: “O homem por dentro é desconforme. É ele e todos os mortos. É uma sombra desmedida; encerra em si a vastidão do Universo. E com isto teve de atender a máscara. Para poder viver teve de se transformar e de esquecer a figura real por a figura de todos os dias. Agora todos somos fantasmas – todos somos afinal só fantasmas e o que construímos já não cabe entre as quatro paredes da matéria…” Justamente, esta exposição relembra-nos que somos corpo e natureza, fantasmas que se mascaram para encarar o mundo, energia e vitalidade, com um poder transformador da realidade onde vivemos.

TERAS TERRA leva-nos por um caminho livre, que nos incita a observar cada detalhe das figuras e paisagens criadas por Lito Kattou & Petros Moris, num jogo de escalas e perspetivas, do mais geral ao pormenor, ou vice-versa, em consonância com a altitude, a amplitude e a luminosidade da Galeria Duarte Sequeira. Em suma, e ainda segundo Gilles Deleuze em Imagem-Tempo: Cinema 2, “o corpo já não é o obstáculo que separa o pensamento de si mesmo, o que este tem de superar para conseguir pensar. É pelo contrário aquilo em que mergulha ou tem de mergulhar para atingir o impensado, ou seja, a vida. Não é que o corpo pense, mas, obstinado, teimoso como é, força a pensar, e força a pensar o que esquiva ao pensamento, a vida.” As obras de Lito Kattou & Petros Moris são, assim, duas forças convergentes, são o tempo esculpido em vários materiais, que nos revelam figuras, paisagens e corpos em simbiose com a natureza.

Ana Martins (Porto, 1990) é investigadora doutoranda do i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, na qualidade de bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2022.12105.BD). Frequenta o Doutoramento em Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tendo concluído o Mestrado em Estudos de Arte – Estudos Museológicos e Curadoriais pela mesma instituição. Licenciada em Cinema pela ESTC do IPL e em Gestão do Património pela ESE do IPP. Foi investigadora no Projeto CHIC – Cooperative Holistic view on Internet Content apoiando na integração de filmes de artista no Plano Nacional de Cinema e na criação de conteúdos para o Catálogo Online de Filmes e Vídeos de Artistas Portugueses da FBAUP. Atualmente, desenvolve o seu projeto de investigação: Arte Cinemática: Instalação e Imagens em Movimento em Portugal (1990-2010), procedendo ao trabalho iniciado em O Cinema Exposto – Entre a Galeria e o Museu: Exposições de Realizadores Portugueses (2001-2020), propondo contribuir para o estudo da instalação com imagens em movimento em Portugal, perspetivando a transferência e incorporação específica de elementos estruturais do cinema nas artes visuais.

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