Resposta Aberta: Yates Norton
Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.
Yates Norton é curador e investigador. Trabalha atualmente no Rupert, Vilnius, onde é responsável pela curadoria dos programas públicos, tendo trabalhado de perto com programas de residência e educação alternativa. As exposições por si comissariadas ou cocuradas, na Rupert e noutros locais, incluem Undersong: Lina Lapelytė e Indrė Šerpytytė, (2018) a primeira apresentação das artistas na Letónia (em parceria com a Kim?, Riga); a exposição coletiva Entangled Tales (2018); Jonas Mekas: Let me dream Utopias (2019); Prospect Revenge (2019), a primeira exposição individual britânica de Robertas Narkus na David Dale Gallery, em Glasgow e Living Ornament (2020). Cantou também para Sun and Sea (2019) de Rugilė Barzdžiukaitė, Vaiva Grainytė e Lina Lapelytė (2019). Mais recentemente, tem trabalhado com questões relacionadas com cuidados de saúde e interdependência, particularmente a partir das perspetivas dos direitos das pessoas com deficiência, os quais explorou em diferentes formatos, incluindo uma conversa com David Ruebain na Serpentine Gallery, Londres (2019) e no ICA, Londres (2018), como parte do programa In Formation III.
Josseline Black – Qual é agora a sua utopia?
Yates Norton – Lembro-me de algo que Jonas Mekas pensou sobre as utopias: que as verdadeiras utopias estão enraizadas nos pequenos e delicados detalhes das nossas vidas, como um tufo de relva ou um pedaço de merda de coelho (para usar um dos seus detalhes). E que a utopia é ser capaz de sonhar com estes detalhes e ter a atenção necessária de os notar. Gosto da ideia de sonhar e esperar por coisas que, de outra forma, são mundos onde o que já temos é reconfigurado repetidamente em situações e cenários que permitem um florescimento mútuo. Este processo constante de reconfiguração é importante, em vez de tentarmos reintegrar algo novo ou inovador. Já há tanto à nossa volta que só precisamos de cultivar a atenção e o cuidado necessários para reparar e viver com esses elementos.
JB – Qual é a sua posição sobre a relação entre a catástrofe e a solidariedade?
YN – Devemos estar sempre atentos às formas reativas de solidariedade, onde decidimos que podemos apoiar apenas alguém em crise. Se pensarmos na solidariedade como súbita e periódica, é pouco provável que a longo prazo estejamos totalmente comprometidos com as pessoas ou ambientes que se encontram em crise ou dificuldade. E a verdadeira solidariedade exige apoio e compromisso. Por vezes, a catástrofe pode chocar-nos e levar-nos a agir, ou a ficarmos conscientes e atentos. Mas a solidariedade deve ser sustentada.
JB – Qual é a sua abordagem à colaboração neste momento?
YN – Talvez me sinta mais atraído por esta questão, pois está relacionada com o que tenho pensado muito recentemente. Reflete-se nos programas por mim curados e que são guiados por questões e práticas de cuidados de saúde e interdependência. Fundamentalmente, penso que o trabalho e a vida são colaborativos. Envolvem sempre formas de apoio e assistência mútua. Nunca podemos dizer que trabalhamos de forma independente num qualquer sentido radical; existimos sempre em relações de interdependência. Por esta razão, antes de mais, pensaria na colaboração por via dessas interdependências. É útil, pois permite-nos considerar a colaboração num sentido alargado, e não uma atividade isolada ou um projeto periódico. Permite-nos também, em primeiro lugar, pensar em todas as pessoas e coisas que nos permitem fazer funcionar, as infraestruturas de apoio e manutenção que nos possibilitam continuar. A questão é como colocar a atenção sobre estas relações de interdependência e abordar os potenciais desequilíbrios de poder aí existentes. Este vírus aliviou várias interdependências e mostrou-nos como as lógicas de concorrência e individualismo são mitos impactantes, que negaram o facto básico de sermos inextricavelmente vulneráveis, onde nos afetamos mutuamente. Como o meu amigo David Ruebain sublinhou, nunca poderemos ser indivíduos isolados. Se o meu sucesso se basear apenas no fracasso de outra pessoa, nunca poderemos alcançar o florescimento mútuo que referi na resposta acima. Este período e as perspetivas, atos e trabalho de atividades em questões relacionadas com deficiência e ó movimento BLM em particular mostraram como esta ideologia individualista e competitiva está claramente errada.
JB – De que forma a utilização da tecnologia e do mundo virtual está a fazer evoluir o paradigma do seu trabalho?
YN – Muitas pessoas doentes e deficientes têm vindo a utilizar a tecnologia de formas só agora recuperadas por várias instituições culturais. De certa maneira, é pena que tenha sido necessária uma pandemia para perceber como a tecnologia e a virtualidade podem ser utilizadas como formas de participação e inclusão alargadas. Contudo, obviamente, a própria tecnologia também está repleta de exclusões. No meu trabalho, temos tentado usar a tecnologia para trabalhar remotamente, à medida cuidávamos dos outros durante a pandemia. Permite também trazer pessoas para os nossos programas de uma forma que talvez não fosse possível sem ela.