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Music for the Weekend #013 — It Takes Two to Tango: Dynamic Duos

du·e·to |ê|
substantivo masculino
1. Composição executada por duas vozes ou dois instrumentos.
2. [Informal]  Diálogo acalorado entre dois.

Se uma coisa é boa porque não duas? Não é propriamente essa a lógica por trás das escolhas predominantemente anglo-saxónicas desta semana mas temos de admitir que dois é sempre melhor que um. Daí esta minha decisão de abordar alguns dos grandes duetos com que cresci. Na maioria são quase todos do cancioneiro pop e r’n’b com algumas exceções que irão apimentar o cozinhado a 40 ingredientes. Uma seleção que considero excelente já que o catalogo de duetos é pleno de piroseiras que se continuam a ouvir incessantemente por todo o lado. E assim pude passar ao lado da junção de Freddie Mercury com Montserrat Caballé (fantástica admito mas acho-a um pouco xunga) de várias xaropadas do Kenny Rogers ou o “hino nacional” do grunge Hunger Strike que é um dueto xumbergado de Chris Cornell com Eddie Vedder (todos com x no adjetivo, go figure)

It takes two to tango. Expressão idiomática que sugere ocorrências em que mais do que uma pessoa tem de estar envolvida e coordenada para num esforço enfrentar vicissitudes inerentes a essa situação. A origem da frase está na canção Takes Two to Tango, escrita e composta em 1952 por Al Hoffman e Dick Manning e tornada conhecida por Pearl Bailey, uma atriz americana que 6 anos após a sua estreia na Broadway chegou ao top ten da Billboard com esta canção (https://www.youtube.com/watch?v=lDd1S1TJdhY). Vale a pena ver esta aparição no programa de Nat King Cole nem que seja para ver que os americanos podem mesmo achar que o Tango vem de Espanha e não da Argentina mas também para ouvir miss Bailey a cantar o original já que não o tenho. A versão que aqui deixo contrapõe Betty Carter a Ray Charles e serve assim de segway para um outro grande hit de Mr. Ray, Hit the Road Jack, que apesar de nunca ser creditado como tanto é um dueto com a vocalista das The Raelettes, Margie Hendricks.

Passo pela música clássica, neste caso por Gioachino Antonio Rossini que era verdadeiro ninja do re-edit, nas suas composições plagiarizava livremente as suas próprias obras, o que de qualquer forma era prática comum entre os compositores de ópera dessa época quando sujeitos à pressão dos prazos. No entanto é bem provável que o trecho “Duetto buffo di due gatti”, aqui apresentado nos miados de Kiri Te Kanawa e Norma Burrows não tenha sido escrito pelo italiano mas sim “composto” por G. Berthold, pseudônimo do britânico Robert Lucas Pearsall, que em 1825 decidiu aglomerar pedaços de composições de Rossini e criar esta purrfect overdose de Whiskas saquetas.

Passo por duetos que não são de voz, como quando Herbie Hancock e Chick Corea andavam a tocar juntos e passo também revista a certos programas de rádio e televisão onde certas parcerias foram celebradas sem deixar contracto. De rádio como o The Doris Day Show transmitido entre Março de 1952 e Maio de 1953, enquanto de televisão uso registos de dois: This is Tom Jones um programa da ATV com 65 episódios e que passou na televisão britânica entre 1969 e 1971, num deles deu-se este encontro entre ele e Janis Joplin que é um assombro e Live on The Cher Show, que vem de uma linha de programas televisivos na CBS que Cher foi tendo desde 1971. Chegou a ser o programa a receber mais fan mail que a cadeia televisiva tinha tido até à data. Deste trago um dueto que a ex-mrs. Bono faz com Tina “as melhores pernas do showbiz” Turner, a cantarem Shame, Shame, Shame, êxito disco-sound de Shirley Goodman de quem apresento imediatamente antes o grande Let The Good Times Roll estreado vinte anos antes quando fazia parte da dupla Shirley & Lee. Dou só um pulo ao Japanese Sandman das Andrew Sisters, que foram de longe o conjunto vocal mais popular do século passado. A contralto LaVerne Sophie, a soprano Maxene Angelyn e a mezzo-soprano Patricia Marie eram três filhas do casamento do imigrante grego Peter Andreus com a norueguesa-americana Olga Sollie. As irmãs gravaram cerca de 600 canções que venderam quase 100 milhões de cópias. No total tiveram 113 músicas nas charts americanas das quais 46 chegaram pelo menos ao top 10, ou seja mais do que Elvis ou os Beatles. Parece assim que se calhar até é possível dançar o tango em ménage à trois

E este numero 3 fica-me aqui a fazer espécie porque há três canções que me metem uma certa pena de não terem entrado nesta escolha e que são todas longas demais pelos cânones do que deve ser um hit digno dos lugares cimeiros de uma tabela de vendas: Donna Summer com Barbra Streisand em No More Tears (Enough Is Enough) (11’44”), Peter Gabriel com Kate Bush em Don’t Give Up (6’07”) e os Righteous Brothers em You’ve Lost That Lovin’ Feelin’ (3’30”). A primeira foi em 1979 o 4º top 1 de ambas as cantoras, que nunca o cantaram ao vivo juntas. O segundo esteve para ser inicialmente um dueto com Dolly Parton mas quando esta declinou o convite de Gabriel para contracenar numa história que detalha a emocional descida em espiral de um homem que tem ao seu lado uma mulher que o consola encorajando-o a seguir em frente o antigo vocalista dos Genesis decidiu chamar Bush. A terceira, escrita por Phil Spector com Barry Mann e Cynthia Weill, dois grandes “artesãos” do Brill Building, pode não parecer muito longa pelos padrões de hoje (a versão que os Human League gravaram no seu primeiro album Reproduction de 1979 tem o triplo do tamanho) mas em 1964 era mais comprida do que os usuais sucessos pop da rádio AM. Mas o interplay vocal de Bill Medley nas partes graves com Bobby Hatfield nas altas junto com o já famoso wall of sound do autor e esta canção provou no numero 1 de vendas que existia outra pop nas trincheiras da guerra contra a “invasão britânica”.

A caminho da reta final passo por uma zona que poderia designar por “duetos improváveis”. Começo com Is It All Over My Face dos Loose Joints que tem uma versão masculina (a preferida de Arthur Russel) e outra feminina trazida pela mão de Larry Levan com uma pequena ajuda de Francois Kevorkian. Pois o bostoniano Kon decidiu recentemente fazer o inevitável, um excelente Duet Mix. Passo depois para outro mashup, do mestre Mark Vidler que assina com o alter ego de Go Home Productions, Mick ‘N’ Carly faz exatamente o está escrito na embalagem, mistura o Some Girls dos Rolling Stones com You’re so Vain de Carly Simon. Verdade seja dita este não é propriamente um dueto improvável, Jagger está nos backing vocals dessa canção de Simon e supostamente terão gravado o dueto Fragile que se perdeu, que pelos vistos já foi encontrado e no qual se calhar ninguém está interessado… O que vem logo de seguida é mesmo improvável e espero que toda a gente conheça isto porque é brilhante. Medo-Dueto (Im)Possivel Com Amalia Rodrigues é um ponto final como poucos outros. Última faixa no disco de 2013 Amália por Júlio Resende não tem lugar aqui para descrições (esta é uma boca para o Gimba que acha que a semana passada eu escrevi pouco). Ouçam.

Acabo em beleza com um double scoop de Some Velvet Morning, canção escrita em 1967 pelo cowboy psicadélico Lee Hazlewood para o álbum Moving with Nancy, banda sonora de um programa televisivo que a filha de Sinatra tinha na altura (será que nesses tempos toda a gente tinha direito a fazer programas de televisão?). Esta canção tem uma característica muito particular: o ritmo das partes cantadas por Lee está em 4/4 enquanto que os momentos reservados a Nancy são ternários. A fonte de inspiração lírica é na mitologia grega mais concretamente em Phaedra, realeza cretense, mulher de Teseu e meia-irmã do Minotauro. Em 2003 o The Daily Telegraph considerou-a como “uma das músicas mais estranhas, drásticas e sexualmente obscuras já escritas – ambiciosa, bonita e inesquecível”. Nesse mesmo ano os Primal Scream convidaram Kate Moss para a revisitarem mas pessoalmente acho muito pobre essa versão. Esta canção tem tantas adaptações que podia muito bem ter optado pela versão do Rowland S. Howard com a Lydia Lunch ou a dos Vanilla Fudge mas nenhuma traz verdadeiramente nada de novo à composição original. Se tivesse usado a versão instrumental gravada por Gábor Szabó no seu álbum Bacchanal de 1968 estaria pelo menos no caminho certo mas acabei mesmo por incluir a versão do autor. Mas depois lembrei-me que no seu canto do cisne, Lee tinha revisitado mais uma vez este tema. Em Cake or Death, o seu último disco datado de 2006, Lee decide deixar a sua neta, chamada Phaedra, cantar uma estrofe e por isso e logo a seguir ao original deixo aqui o resultado desse diálogo (acalorado entre dois familiares) para assim encerrar esta M4we.

Este fim de semana pensem em formas de dançarem agarradinhos nestes tempos de distanciamento social.

#staysafe #musicfortheweekend

Ella Fitzgerald – Dream a Little Dream of Me (feat. Louis Armstrong)
Minnie Riperton – Take a Little Trip (duet with Stevie Wonder)
Roberta Flack & Donny Hathaway – Where Is The Love
Edith Piaf avec Théo Sarapo – A Quoi Ça Sert L’Amour?
Tom Waits and Crystal Gayle – This One’s From The Heart
David Byrne & St. Vincent – Who
Marvin Gaye & Tammi Terrell – Ain’t No Mountain High Enough (Ben Human Remix)
Queen with David Bowie – Under Pressure
Frank and Nancy Sinatra – Somethin’ Stupid
Chick Corea And Herbie Hancock – Ostinato
Kiri Te Kanawa & Norma Burrows – Duetto buffo di due gatti
Michael Jackson – The Girl Is Mine ft. Paul McCartney
Sammy Davis Jr. & Dean Martin – Sam’s Song
António Calvário & Madalena Iglésias – É tão bom amar
Inez & Charlie Foxx ‎– Mockingbird
Sonny & Cher – I Got You Babe
Youssou N’Dour – 7 Seconds ft. Neneh Cherry
Hall & Oates – Alone Too Long
The Andrew Sisters – Japanese Sandman
Kandace Springs – Angel Eyes (feat. Norah Jones)
Duo Ouro Negro – Tala on n’bundo
Womack & Womack – Teardrops (Extended Remix)
Shirley & Lee ‎– Let The Good Times Roll
Cher & Tina Turner – Shame, Shame, Shame
John Mellencamp and Me’Shell Ndegeocello – Wild Night
Elton John – Don’t Go Breaking My Heart (with Kiki Dee)
Serge Gainsbourg et Brigitte Bardot – Bonnie & Clyde (Herbert’s Fred & Ginger Mix)
Whitney Houston & George Michael – If I Told You That
Ray Charles & Betty Carter – Takes Two to Tango
Ray Charles with Margie Hendricks and The Raelettes – Hit The Road Jack
Otis Redding & Carla Thomas – Tramp
Tom Jones & Janis Joplin – Raise Your Hand
Doris Day – Life Will Be Peaches & Cream with Tony Martin
Louis Prima & Keely Smith – That Old Black Magic
Mickey & Sylvia ‎– Love Is Strange
Loose Joints – Is It All Over My Face (Kon’s Duet Mix)
Go Home Productions – Mick ‘N’ Carly
Júlio Resende – Medo-Dueto (Im)Possível com Amália Rodrigues
Nancy Sinatra & Lee Hazlewood – Some Velvet Morning
Phaedra & Grandpa Lee Hazlewood – Some Velvet Morning

Amor, paixão, alegria. E outros estados da alma induzidos por sexo, drogas e rock 'n' roll. Dandy, bon vivant e outros anglicismos que não são para aqui chamados. Pai babado, apaixonado inveterado por tudo o que seja de "agora" mas numa profunda mas recatada admiração por tudo o que "já foi". Europeu com raízes asiáticas numa sôfrega vontade de ter, ser e ver todo o mundo. Music was my first love / and it will be my last

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