Resposta Aberta: Mark Thomas Gibson
Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.
Mark Thomas Gibson (1980, Miami, FL) recebeu a sua formação base na The Cooper Union em 2002 e o MFA na Yale School of Art em 2013.
Gibson teve recentemente na M+B (Los Angeles, EUA) uma exposição individual de mais de 30 desenhos elaborados em 2020 intitulada Resting Space. Expôs também na Rosenwald-Wolf Gallery na University of the Arts, Filadélfia; na Fredericks & Freiser em Nova Iorque; e na Loyal em Estocolmo. Participou em mostras coletivas, como Life During Wartime e Woke!, no Contemporary Art Museum, University of South Florida, Tampa; Shifting Gaze: A Reconstruction of the Black and Hispanic Body in Contemporary Art, no Virginia Museum of Contemporary Art, Virginia Beach, VA; The Curator’s Eggs, na Paul Kasmin Gallery, Nova Iorque; e A Being in the World, no Salon 94, Nova Iorque, entre outras.
Em 2016, Gibson foi cocomissário da exposição itinerante Black Pulp! com William Villalongo na 32 Edgewood Gallery, na Yale School of Art. A exposição examinou as diversas perspetivas da identidade negra na cultura e história americanas, desde 1912 a 2016, e mereceu destaque crítico no The New York Times e na Art in America.
O artista lançou o seu primeiro livro, Some Mosters Loom Large, em 2016 com apoio da Foundation for Contemporary Arts. O livro foi recentemente reeditado numa segunda edição em parceria com o International Print Center, em Nova Iorque. O segundo livro de Gibson, Early Retirement, foi publicado em 2017 com edição Patrick Frey em Zurique e adquirido pelo Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque.
Mark Thomas Gibson é representado pela Fredericks and Freiser (Nova iorque, NY) pela M+B (Los Angeles, CA) e pela Loyal (Estocolmo, Suécia). É atualmente professor assistente de pintura na Tyler School of Art and Architecture, Temple University, e vive e trabalha em Filadélfia, PA.
JB – Podes falar-nos um pouco sobre a tua prática formal e o modo como deambula entre pintura e gravura? Há alturas em que o teu trabalho se assemelha a uma banda desenhada não sequencial. O que pensas dos romances gráficos, em termos estéticos e culturais?
MTG – O meu trabalho baseia-se sobretudo no desenho. Navego aquilo a que um objeto está ligado do ponto de vista social, tendo em conta que o modo de produção é muito importante para a maioria das pessoas. Comecei a fazer arte com o desenho e demorei muito tempo a baralhar as diferentes definições que tinha em mãos, a perceber o que para mim significa fazer arte. Senti-me sempre atraído por romances gráficos e bandas desenhadas. Além do seu género, os romances gráficos e as bandas desenhadas têm sido alimentados com subtextos políticos. Essa corrente do subtexto é o que me liga ao meio e de onde brota o meu próprio trabalho.
JB – Em 2016, foste responsável pela curadoria da exposição itinerante Black Pulp! na 32 Edgewood Gallery (Yale School of Yart). Podes dizer-nos como abordaste as complexidades da identidade negra na cultura americana de 1912-2016? Se viesses a comissariar uma segunda edição, Black Pulp! II (2016-2020), que polémicas emergentes nos últimos quatro anos destacarias?
MTG – William Villalongo (que foi o co-curador da exposição) e eu tivemos várias discussões ao longo de dois anos para gerar a Black Pulp!. Houve vários acontecimentos fortuitos nesses dois anos até a exposição chegar ao público. Um dos principais pontos que queríamos descrever e explorar era a ideia de apropriação negra na nossa identidade. Ou seja, houve uma corrida visual ao armamento pela identidade negra e, de muitas formas, pudemos fazer com que as imagens fossem munições nessa guerra. Para além da arte visual enquanto marco individual, a Black Pulp! explorou diferentes modos de se tornar dependente da colaboração coletiva. Acredito que algumas destas ações, como o filme, a música, a literatura e o ativismo, assumem uma nova forma quando a imagem visual é combinada nesse processo. Nalguns casos, examinámos atos artísticos ao serviço de uma causa, definindo uma estética. Por exemplo, Emory Douglas, Ministro da Cultura do Partido Black Panther, utilizou os seus conhecimentos de arte comercial e design gráfico para uso político. A Black Pulp! II está na gaveta, mas, se a beleza está nos olhos de quem a vê, é pena que esta não vá além da pele.
JB – A forma como nos educamos é essencial para a nossa participação no movimento Black Lives Matter. Como é que o teu trabalho aborda o vaivém entre a produção de conhecimento e o poder? Protestar é algo que tem muito peso no teu trabalho?
MTG – Não noto uma oscilação entre conhecimento e poder. A parte mais difícil é tentar estar aberto para que os meus pressupostos sejam questionados, por mais que possamos assumir que esses pressupostos têm por base conhecimentos anteriores. Não podemos usar o medo de errar para continuarmos na ignorância. O movimento BLM ofereceu mais uma vez aos EUA uma oportunidade para limpar as suas mãos. Não apenas aceitando a horrível história do país, mas, em vez disso, fazendo-nos perceber de que é preciso mudar. Os nossos velhos métodos estão assentes em modelos que criaram estes problemas. No mínimo, devemos estar dispostos a examinar modelos alternativos ou até mesmo a desmantelá-los por completo. O problema, para o nosso país, é que não sei se sabemos fazer esse trabalho. Não é a escolha natural – o que é evidente, tendo em conta o ponto onde nos encontramos.
JB – O teu trabalho é bastante gráfico, ousado e descritivo. Muitas vezes, parece uma crítica ao monstro da publicidade corporativa. Podes falar-nos de como utilizas legendas/texto no seu trabalho, ao serviço da mensagem global transmitida por cada peça?
MTG – Reflito sobre o que está disponível quando trabalhamos. Barbara Krueger marcou-me quando era mais jovem. Era uma pessoa que vinha da publicidade, consciente da eficácia das abordagens desse campo, levando a que as pessoas olhem e compreendam uma mensagem. Na forma clássica de ensinar arte – a velocidade da leitura –, esse lado publicitário é muitas vezes visto como algo de somenos. Mas diria que é o valor do conteúdo que está em questão, por oposição à legibilidade da mensagem.
JB – As tensões e atrocidades cometidas pela administração Trump foram produtivas para a criação artística, tanto para ti como para a tua comunidade?
MTG – Posso apenas falar por mim, mas não é fácil pensar diariamente sobre esse psicopata. O seu comportamento bizarro e cruel compromete-nos a todos, independentemente da nossa vocação ou estatuto. De alguma forma, sei que sou cúmplice. É um momento trágico não só para o nosso país, mas para o mundo.
JB – Como lidas com a brutalidade policial, enquanto cidadão e artista?
MTG – Lidar não é uma palavra que usaria para descrever a situação. Apoio o corte de fundos à polícia. Acredito que há algo de errado quando uma profissão se torna uma cultura e classe separadas. Vivem para proteger esse estatuto e símbolo, não para ajudar as pessoas. Como cidadão, apoio os candidatos que defendam a reforma e a mudança. Tento abordar esta questão no meu trabalho. Também me canso de ser definido pela crueldade dos outros.
JB – Poderias partilhar as tuas ideias sobre como organizar diferentes articulações entre as identidades das pessoas de cor na América? Como professor assistente de pintura na Universidade de Temple (Tyler School of Art and Architecture), és responsável por apresentar os estudantes aos processos criativos, mas como geres a sua consciência política?
MTG – Não sou um organizador. Quem faz esse trabalho é especial e não deve ser confundido com quem simplesmente aborda esta realidade. No caso dos meus alunos, lembro-lhes que são cidadãos dos Estados Unidos da América. Têm o dever de votar e participar nos assuntos deste país. A participação não pode e não deve ser mensurada ou julgada por um padrão objetivo. Devemos ser gentis, apoiar-nos e escutarmo-nos mutuamente, enquanto tentamos fazer uma mudança impercetível. É apenas a minha opinião enquanto indivíduo.