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Ophiussa Ex Machina, de Ricardo Barbeito

Ricardo Barbeito apresenta Ophiussa Ex Machina na Thirdbase até final de julho. O trabalho é o resultado imediato do tempo em que esteve nesta 5ªa temporada de residências artísticas, juntamente com Adriana Proganó. Mais do que uma exposição, pois poderiam ser várias, aquilo que vemos é um projeto com diversas ramificações intrincadas, fruto de vários meses de pesquisa e conceção, acerca do qual, dada a sua lógica vincadamente narrativa, o artista nos falou um pouco.

Ricardo Barbeito – O título Ophyusa ex-machina é inspirado numa expressão que vem da tragédia grega, Deus Ex Machina, que se refere a uma situação despropositada, que não tem sentido nenhum na realidade, mas que tem no enredo. Sendo sempre uma solução mirabolante, é capaz de fechar a história.

[No piso superior] A máquina de tabaco disponibiliza aos visitantes roteiros/itinerários retirados de um livro que fala sobre as calçadas da cidade de Lisboa. A primeira das três referências que este projeto tem é, portanto, um livro que se chama Empedrados artísticos de Lisboa, que faz um mapeamento dos desenhos e dos padrões, da estrutura e de como é feita a calçada de Lisboa. Apropriei-me desses itinerários e criei um objeto. Assim, para além de intervir com peças num espaço, acabo por sugerir novos percursos e novas formas de conhecer a cidade. Foram feitos 3 itinerários. Cada um tem uma imagem de uma pedra que recolhi e dois pontos de partida (um de partida e outro de chegada, sem nenhuma ordem), pelo meio os outros pontos desenham um percurso. Estes “kits de passeio”, como lhes chamo, vêm no formato de um maço de tabaco e podem ser comprados na máquina. Além disso, vêm com um kit de picotagem que pressupõe que quando chegamos aos sítios [assinalados no mapa], vamos abrindo buracos na folha, que depois poderão ser sobrepostos num outro mapa qualquer – no que poderá ser entendido como uma expansão metafórica do território, através de passeios por outros locais.

Outra das referências é um artigo dos anos 1920’s do Diário de Lisboa – que me conduziu depois ao livro – que se chama Pornografia, de Joaquim Manso, e que fala de uma cidade desenvergonhada, “que se sensualiza com tal ardor de febre que até parece que as pedras da calçada faíscam lume”.

A terceira referência diz respeito ao mito grego sobre a fundação da cidade de Lisboa e das suas sete colinas, que tem que ver com Ulisses. O mito diz que esta era uma terra habitada por serpentes (daí o nome Ophiussa, para os gregos) e era governada por uma rainha meio mulher, meio serpente, que não deixava ninguém se estabelecer. Ulisses durante a sua viagem terá passado por aqui; a rainha apaixonou-se, e ele convenceu-a a criar a cidade mais bela do mundo, a Ulisseia. Entretanto, Ulisses acaba por zarpar em segredo, dando um desgosto enorme à rainha, que levada pelo desespero e pela mágoa deixou um rasto de ira que terá dado origem às colinas da cidade.

Quando fiz os três trajetos por Lisboa, para além de ter captado imagens, recolhido pedras, e feito algumas frottages e moldes de pormenores da cidade (etc…), uma das coisas que reparei é que a calçada está sempre em mau estado, e, por isso, estão sempre pedras a soltarem-se. A partir daí, associei a desagregação da calçada com a consequência da energia deixada por essa figura mítica da rainha serpente. Claro que isto é uma metáfora, mas foi a partir daí que comecei a recolher pedras e a fazer moldes, que são a captação de partes de objetos, como a fonte, o bebedouro e o chafariz. É também uma questão ligada à memória destes lugares. Por sua vez, através dos moldes das pedras criei aglomerados, que formam estas “peles”. São construções fictícias em que usei alguns dos padrões do livro e dos desenhos que fui fazendo, e que integram esta exposição.

Por isso, a instalação [na Thirdbase] está dividia em 3 núcleos, a pele da calçada (que pode ser a pele da cidade); o desenho realista das pedras; e as esculturas de fita-cola de papel, que captam as formas de pormenores arquitetónicos. Depois, ainda a partir dos desenhos realistas da pedra, fiz estes desenhos que costumo chamar “desenhos ampliados” em que planifico a pedra no papel e com a fita-cola transfiro o desenho e as sujidades – como se fossem as impressões digitais das pedras – para outra folha.

Para ver até dia 31.07.2020 na Thirdbase, em Lisboa.

Francisco Correia (n. 1996) vive e trabalha em Lisboa. Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e concluiu a Pós-graduação em Curadoria de Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Tem escrito para e sobre exposições. Simultaneamente desenvolve o seu projeto artístico.

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