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Resposta Aberta: Ivan Šuletić

Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.

Ivan Šuletić (1982) é um artista visual, que reside e trabalha em Belgrado.

Concluiu o doutoramento em belas artes na Faculdade de Belas Artes (FFA) de Belgrado, em 2015, onde já havia obtido a licenciatura (2007). Concluiu também estudos de especialização no departamento de pintura (2009).

Šuletić apresenta os seus trabalhos em exposições individuais desde 2009: na Galeria de Arte do Centro Cultural de Belgrado, no Centro Juvenil de Belgrado, na Galeria Rima (Belgrado e Kragujevac), na Appleton Square em Lisboa, etc., e também em várias exposições coletivas no país e no estrangeiro. As suas obras podem ser encontradas em diferentes coleções públicas e privadas, tais como as do Museu da Cidade de Belgrado, da Coleção de Arte do Instituto Europeu de Patentes, da Coleção de Arte Wiener, da Fundação de Arte de Niš, etc.

Šuletić foi o vencedor do Prémio Fundação Vladimir Veličković na categoria Desenho Contemporâneo (2018), do Prémio “Likovna Jesen” na categoria Pintura (2016), e obteve o Segundo Prémio na categoria Pintura atribuído pela Fundação de Arte de Niš (2015).

Trabalha atualmente Faculdade de Arquitetura de Belgrado como professor assistente.

 

Josseline Black – Ao refletir sobre este recente período de isolamento forçado, como estás a articular a tua resposta no contexto do discurso público? Qual é o teu papel nesta conversa mais ampla?

Ivan Šuletić – Durante estes meses, tenho tentado distanciar-me da minha própria perspetiva. Acima de tudo por sentir que o que está a acontecer é muito maior do que qualquer um de nós individualmente. E não nos encontramos numa conversa, mas sim numa posição submissa, em que nos dizem o que fazer. Estes tempos exigem uma reação adequada da população, coletiva e individualmente. Eu, como artista, continuo a tentar encontrar uma forma de equilibrar o sentimento de um indivíduo que é confrontado com uma estrutura maior. Estou consciente de que é um paradoxo: o não estar numa conversa, mas tentar falar constantemente sobre o assunto.

E, afinal, parece que o fim está longe. As coisas aparentam estar apenas a começar.

JB – A tua prática artística mudou com o isolamento?

– Abri uma exposição individual na Galeria Rima, em Belgrado, a dia 3 de junho. Tive muito que fazer durante o isolamento. Sempre que pude, fui ao meu estúdio, e transportei alguns dos materiais para minha casa. Usei as horas noturnas para fazer algumas coisas na nossa mesa de jantar.

Durante o confinamento – julgo que muitas pessoas tiveram uma experiência semelhante –, recorda-se do silêncio nas ruas? Muitas vezes, senti que o trabalho nessas horas era colocado à frente de um vazio gigantesco. E, obviamente, uma questão estava sempre presente: qual o significado do trabalho, quando do outro lado está um silêncio tão grande?

Na [série] Cityscapes, desde o início, não havia pessoas. O objetivo original era criar uma sensação de temporalidade não linear, de um tempo cuja dimensão não fosse marcada pelos acontecimentos. Mas, quando o confinamento foi decretado em cidades de todo o mundo, vi essas ruas vazias na vida real numa perspetiva totalmente nova.

JB – Como é que a tua produção foi afetada pela pandemia?

IŠ – Começamos imediatamente a sentir os efeitos, a todos os níveis. Não tinha consciência de muitos dos meus hábitos ao andar pela cidade, ao tocar nas coisas, ao entrar em espaços aleatórios, ao encontrar pessoas em todo o lado. Subitamente, não só tudo mudou, mas parou por completo. E, com isso, também uma parte orgânica da minha vida profissional. A capacidade de produção foi afetada (e ainda é), mas apenas conseguirei racionalizar os efeitos no futuro.

JB – Qual é a tua abordagem à colaboração neste momento?

– Um dos meus trabalhos anteriores, Triumphal Arch, foi apresentado duas vezes através de colaborações muito interessantes. A primeira com o curador João Silvério, no âmbito de um projeto curatorial para a Empty Cube, em Lisboa. A segunda aconteceu no estúdio de arquitetura Petokraka, com a curadora Ana Bogdanović, em Belgrado. E, tal como com os outros trabalhos que fiz ou apresentei em colaboração com pessoas de diferentes perfis, foi uma experiência muito gratificante.

Para esta exposição na Galeria Rima, criei um objeto em poliéster durante os meses da pandemia, impresso pela primeira vez em 3D. Foi um processo que exigiu uma estreita colaboração em cada passo. A modelação em 3D foi concluída com a ajuda de Luka Ilić, um jovem arquiteto, apenas alguns dias antes de o confinamento ter sido decretado. Tive de esperar algum tempo pela impressão em 3D. Quando a situação melhorou ligeiramente, levei-a a uma forja para ser moldada. No mínimo, foi um desafio, o ter de fazer tudo. Mas acabou por correr muito bem.

JB – Como definirias o momento presente do ponto de vista metafísico/literal/simbólico?

– É a primeira vez na história que uma crise tão grande está a acontecer, enquanto é exibida e comentada nas redes sociais. Produz um zumbido desorientador. Todos notámos que esta pandemia é bastante política. Não apenas a pandemia. O movimento Black Lives Matter nos EUA é algo muito importante, que trará mudanças positivas, espero.

Acabaremos por ver tudo isto chegar ao fim. Mas, como alguém disse, tal como nenhum dos filmes de ficção científica antes da internet previu o emergir do mundo online, o futuro para o qual estamos a caminhar será totalmente novo.

JB – Vês potencial para um apoio renovado à produção cultural, apesar de as macro e microeconomias estarem em rápida reestruturação?

– Este é um momento em que todos, voluntariamente ou não, precisamos de repensar as nossas posições. Muitos eventos foram cancelados, muitos projetos foram suspensos ou atrasados. Pessoalmente, isso permitiu-me ter disponibilidade para pensar, o que já não acontecia há algum tempo. Espero que haja esse potencial e que surjam novas possibilidades.

Mas tenho de acrescentar algo. Sinto que a arte (e a cultura, no geral) precisa de estar em permanente fricção com a sociedade. Se não estiver, deixa de ser interessante. Sim, o apoio é uma necessidade, mas estou curioso para ver o que acontecerá. Temos de trabalhar em conjunto para criar coisas que serão maiores do que este momento.

JB – Como é que este período está a influenciar a tua perceção da alteridade no geral?

– Vivo num lugar que, durante muito tempo, foi olhado como “o outro” por grande parte do mundo ocidental. E, na maior parte da minha vida, eu e aqueles à minha volta tivemos uma ideia muito clara do significado de alteridade. Lembro-me das minhas primeiras viagens a Paris (antes dos smartphones) e de me deslocar aos postos turísticos para arranjar um mapa. Pediam-me para preencher uma tabela de informações turísticas, que não tinha “Sérvia” como resposta a uma pergunta sobre o “local de origem”.

Nós, como pude testemunhar, recebemos duas mensagens das estruturas de poder – o vírus é uma questão global, e não há “o outro” nesta narrativa. Estamos todos juntos, mas, ao mesmo tempo, temos visto exemplos de pirataria contemporânea, quando se trata de equipamento médico, por exemplo.

JB – Como é que a utilização da tecnologia e da virtualidade está a fazer evoluir o paradigma do teu trabalho?

– Tenho trabalhado com meios digitais desde o início, embora o meu trabalho acabe por desaguar no desenho ou pintura. Desde que comecei a série Cityscape, a ideia era fazer da pintura ou do desenho uma ação performativa, que canalizasse a minha energia para uma obra que nasce enquanto imagem digital. Começo por navegar na internet e manipular uma amostra no Photoshop. E acabo por pintar ou desenhar nas semanas subsequentes. De certa forma, tento encontrar o equilíbrio entre tecnologia e trabalho.

A série Cityscape evoluiu com o tempo para um conceito mais amplo, chamado Cidades para Ricos, onde comecei a combinar e a juntar diferentes “amostras”, brincando com a ideia de virtualidade do mundo de hoje. Uma grande motivação provém da música eletrónica. Foi ela que me levou ao sampling.  Usei amostras de JPEGs de um mar, de um deserto, de um céu, e criei o políptico da praia. Como um rebus.

JB – Qual é a tua posição sobre a relação entre a catástrofe e a solidariedade?

– Existe claramente uma relação próxima entre ambos. Lembro-me nitidamente do bombardeamento da NATO em 1999. Aqui, as pessoas deram o seu melhor para se salvarem umas às outras e manterem o moral elevado.

Mas essa situação é completamente diferente da atual. Agora somos obrigados a ter medo da proximidade, medo do outro. Por vezes, até mais do que do próprio vírus.

JB – Qual é agora a tua utopia?

– Beber descontraidamente um Aperol num café qualquer em Veneza, na próxima pré-inauguração.

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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