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Pequenas notas sobre figuração: Eugénia Mussa, Daniel V. Melim e Thomas Braida, na Monitor, em Lisboa

Consideram-se arte figurativa as manifestações artísticas em que existe um reconhecimento do que é representado, seja a figura humana, elementos da natureza ou objetos criados pelo homem. Centrada na pintura figurativa ou no figurativismo na pintura, a exposição Pequenas notas sobre figuração na galeria Monitor em Lisboa, reúne trabalhos de três jovens artistas, Engénia Mussa, Daniel V. Melim e Thomas Braida. Três abordagens contemporâneas de uma prática com uma longa tradição.

As duas pinturas a óleo sobre madeira de Daniel V. Melim (Madeira, 1982) integram o conjunto de pinturas que constituem o políptico-altar que concebeu especificamente para o espaço do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova em Coimbra no âmbito da residência Ano Zero, Bienal de Coimbra 2019. Daniel V. Melim conjuga várias áreas na sua prática que vão desde o desenho e a pintura à escrita, performance, trabalho com voz, música, ou mesmo, meditação. Interessa-se por história, tradições, culturas antigas, populares, pela sua dimensão espiritual, colectiva, relacional e de enraizamento.

O conjunto apresentado na Bienal de Coimbra no ano passado é carregado de símbolos que representam uma cosmogonia. Espaços, figuras humanas, crianças e idosos, ossos, fantoches, navios, o céu, o mar, flores, entre muitos outros elementos, relacionam-se e entram em diálogo formando uma complexa narrativa que especula acerca da origem do universo.

A peça trabalho nas entranhas com que nos deparamos ao entrar na Monitor, onde figuras robustas, campestres, contrastam com a delicadeza das pequenas marionetas que manuseiam, seria uma peça fundamental naquele conjunto uma vez que funcionaria como elemento aglutinador dos quatro eixos do trabalho –  a origem na base do altar, sugerida por uma pintura onde se reconhecem as figuras de três crianças, sendo esta a segunda pintura apresentada na Monitor, a proteção, evidenciada nas pinturas localizadas na parte superior do altar e os símbolos feminino e masculino localizados à esquerda e à direita respectivamente.

Ambas as pinturas apresentadas, feitas a partir de fotografias, lembram as antigas fotografias a preto e branco coloridas à mão através de borrões de tinta com o intuito de conferir maior realismo à imagem. Pinturas sobre pintura.

Nas três pinturas de Eugénia Mussa (Maputo, 1978) está presente a figura humana. O desafio suscitado pela inserção dessa figura na pintura limita, ao mesmo tempo que possibilita uma evolução. “Interessa-me descobrir o que é que eu posso fazer mais, limitando-me. Ao escolher fazer pinturas com pessoas parto de uma certa limitação no meu trabalho no sentido de suscitar uma evolução ou no sentido de aprender alguma coisa com isso” refere.

Eugénia Mussa regista fragmentos das suas caminhadas pela cidade, recortes de livros e revistas, ou mesmo stills de vídeos amadores encontrados no Youtube através de vastas camadas de cores vibrantes dispostas sobre tela ou papel, utilizando uma técnica clássica de pintura a óleo.

As suas pinturas são pinturas em movimento, quer na pincelada, no gesto de pintar, quer no ambiente representado, que comportam uma alegria que lhes é imanente. Um grupo de indivíduos que se junta numa clareira para tocar, cantar e dançar em Girls dancing; duas personagens que saltam num trampolim num jardim de uma cidade qualquer, Trampolim; ou a estaticidade vibrante de Sole Carrier dada pelo tom laranja que antecede todas as outras camadas de cor, são cenas que se ouvem e nos transmitem um sentimento de leveza imbuído por uma espécie de “joie de vivre”.

Foram os romances de Emilio Salgari que despertaram a imaginação de Thomas Braida (Gorizia, 1982) para acrescentar algo à realidade no sentido de a tornar “mais apetitosa” como refere. Na sua grande maioria, as suas pinturas evocam um universo fantástico através da representação de figuras grotescas onde mitos e fábulas se encontram. Apesar de estas criaturas não aparecerem em nenhuma das duas pinturas agora apresentadas na Monitor somos transportados para uma atmosfera ambígua, enigmática, misteriosa e envolvente.

Em Boccetta, a resina aplicada por cima do óleo sobre ardósia diferencia várias camadas de representações inserindo-as em planos diferentes visíveis através da transparência da camada anterior. A permeabilidade da pintura dada através da técnica traduz o imaginário misterioso a que o corpo de trabalho de Thomas Braida nos reporta.

A exposição Pequenas notas sobre figuração: Eugénia Mussa, Daniel V.Melim e Thomas Braida apresenta-nos três possibilidades de pintura figurativa contemporânea que poderão ser vistas na galeria Monitor, em Lisboa, até ao dia 25 de julho.

Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.

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