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O Homework da galeria Madragoa

Adriana Proganó, Alice dos Reis, Eduardo Fonseca e Silva + Francisca Valador, Jaime Welsh, Lea Managil, e Sara Graça são os artistas reunidos na exposição coletiva que a Madragoa apresenta como sendo fruto de um trabalho-de-casa.

Ainda que as ressonâncias do título com o léxico escolar sejam compreensíveis do ponto de vista da aposta em autores com percursos jovens, o tom infantojuvenil da expressão, numa coletiva que conta com um grupo de artistas que na sua maioria tem exposto regularmente nos últimos 2 anos, torna-se estranho. Se o trabalho-de-casa de uma galeria consiste na divulgação de novos artistas, que de algum modo se enquadram no seu projeto, então, à partida, não há qualquer diferença para o trabalho desempenhado diária e permanente, até porque a Madragoa tem-no feito com alguma regularidade.

No espaço intimista da galeria as obras baralham-se nas paredes. O olhar isola e revela diferentes formas de construir imagens e de percecionar (ou inventar) a realidade, à medida que percorre o mosaico composto pelos desenhos, a tela, as fotografias e o ecrã.

No sentido oposto, as obras de Lea Managil destacam-se pela tridimensionalidade, e pela complicada figuração que propõem. O corpo e o som ensaiam uma simbiose mecânica, e artificial. O dedo (escultura) testa a afinação do mundo, ao mesmo tempo que denuncia um dos problemas mais desafiantes no trabalho da artista – que não se verifica na instalação Scratch -, que consiste na falta de um lugar “certo” para os objetos que cria, talvez por culpa do vínculo estreito que estabelecem com o universo da música. Esta é uma tendência cada vez mais notória em artistas que conjugam a herança objetual da escultura e a vertente funcional dos objetos do dia-a-dia e do design. São obras que têm como medida e como destino o corpo ou a mão, que desafiam e dificultam (muito) a sua relação com o contexto galerístico. Para já, o diapasão de Lea Managil, à falta de uma outra solução (a mão), acaba por ficar na parede.

É em torno da tela de Adriana Proganó, pela sua dimensão e cores destoantes, que orbitam as demais obras. A pintura Girl steals ducks because ducks are important comprova a facilidade com que a artista cria imagens insólitas, que ecoam uma qualquer reminiscência do automatismo surrealista; não pela procura intencional nesse sentido, mas pela agilidade com que se move entre a realidade e um lugar (ainda mais) absurdo – as composições mais ou menos labirínticas parecem avistar-se nas nuvens. No entanto, essa mesma agilidade prevalecente no modo como pinta, parece por vezes dessincronizada com o movimento ondulante das formas redondas e coloridas, deixando a desejar um trabalho mais denso, capaz de fazer dançar fluidamente a tinta e a figuração.

Os trabalhos de pequenas dimensões de Eduardo Fonseca e Silva + Francisca Valador são francamente sedutores. É assinalável a delicadeza tanto da relação comunicante entre os vários elementos que compõem o objeto (moldura, feltro e os micro-desenhos), como dos próprios “slides” desenhados. Sobretudo porque o preciosismo quase excessivo é corrompido pela incompreensão lógica das imagens, tornando-as traiçoeiras. Chega a ser frustrante (no bom sentido) a dificuldade interpretativa dos objetos tão rigorosamente representados: naturezas-mortas intangíveis. Contudo, fica a curiosidade para ver em que sentido caminhará a dupla, sem que caia na repetição de uma fórmula perigosamente fascinante.

Além do desenho e dos posters espalhados pela cidade de Sara Graça, e da animação 3D de Alice dos Reis, Jaime Welsh apresenta ainda três fotografias que revelam um virtuosismo estético e que emanam um entorpecimento misterioso, com fortes reverberações dos corpos e dos quartos que se fundem no olhar de Nan Goldin.

No conjunto, parece sintomática a relação desta recente geração de artistas com o “real”. A necessidade de representar o absurdo, num mundo igualmente absurdo. Quer pela complexidade da dimensão psicológica individual e de um estado de confusão generalizado, quer pela dificuldade de criar, ou tornar imagem, numa época que já se sabe visualmente saturada.

(Disse o compositor Ryuchi Sakamoto numa entrevista aos 68 anos, “Não acreditem nas outras pessoas. Os jovens estão sempre certos”).

Para ver até dia 25.07.2020, em Lisboa.

Francisco Correia (n. 1996) vive e trabalha em Lisboa. Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e concluiu a Pós-graduação em Curadoria de Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Tem escrito para e sobre exposições. Simultaneamente desenvolve o seu projeto artístico.

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