Resposta Aberta: Divine Southgate-Smith
Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.
Divine Southgate-Smith (1995, Lome, Togo) é uma artista transdisciplinar britânica. Educada entre Paris e Londres, está atualmente matriculada na Royal Academy of Arts, Londres (2019-2022).
Southgate-Smith desenvolve uma prática que inclui filme, texto, spoken word, performance, som, instalação e escultura. O seu trabalho faz frequentemente referência e questiona articulações sobre experiências negras, queer e femininas. Navega em espaços hipotéticos, onde as coisas são abstratas, contextualizadas, descontextualizadas, omitidas, reveladas, expressadas ou silenciadas. Através do questionamento da equação tradicional entre visão e compreensão, tenta usar o discurso para contemplar a relação entre representação visual, posição (social e política), estereótipos, autoridade, opressão e empoderamento.
Em 2016, a par de 3 outros artistas emergentes da Central Saint Martins, criou o coletivo de artistas ( )PARENTHESIS STUDIO. O coletivo expôs os trabalhos mais recentes dos artistas no âmbito de uma colaboração com a In Limen no Teatro Romano, Lisboa (2019), LEXUS no UX Art Space, Lisboa (2018), e HERMÈS na Saatchi Gallery, Londres (2017). Southgate-Smith é a fundadora da The House of Contemporaries (2020) e a antiga cofundadora do 14TH CINEMA (2016-2018), uma plataforma curatorial para a expansão dos media e da arte performativa. O seu trabalho foi nomeado para o Prémio MULLEN LOWE GROUP NOVA (2017), para o Prémio Internacional de Arte TAKIFUJI (2017), e para The Drawing Prize (2014). Southgate-Smith acaba de concluir o seu programa de residência na Third Base Residency, Lisboa (2018/19) e já participou em exposições selecionadas: Galeria SWITCH, Lisboa (2019), Galeria Dona Laura, Lisboa (2019), Galeria FOCO, Lisboa (2019), Auditório AMAC, Barreiro (2019), Galeria SWITCH, Lisboa (2018), LEXUS UX Art Space, Lisboa (2018), Galeria FOCO, Lisboa (2018), Saatchi Gallery, Londres (2017), Lethaby Gallery, Londres (2016), La Porte Peinte, França (2013) e The Muse Gallery, Londres (2012).
Josseline Black – Nesta fase de isolamento forçado, como articulas a tua resposta no discurso público? Qual é o teu papel nesta conversa mais ampla?
Divine Southgate-Smith – Mais do que nunca, parece existir uma necessidade de nos envolvermos no discurso público. Apesar da reação inicial à COVID-19 (que resultou num estado de emergência global e num isolamento forçado), o consenso na altura passava pela renovação e pela prática do autocuidado. Abordei esta questão numa perspetiva social, cuidando dos que me são próximos, da minha comunidade circundante e dos meus amigos. As discussões centraram-se em questões iminentes: alterações climáticas, capitalismo, estilo de vida, entre outras.
Parecia que algo estava prestes mudar, mas ainda não sabemos como tudo vai acabar. De repente, aconteceu uma coisa surpreendente… a merda veio à tona (desculpem o meu francês). Eu digo “surpreendente”, dada a natureza da minha prática. De repente, a minha comunidade estava a gritar em todos os meios de comunicação social, especialmente nas redes sociais. A justiça social, a igualdade racial, política e económica era tudo aquilo em que eu conseguia pensar. Não sou estranha a este jargão, mas, quando me deparei com imagens de luto, raiva, desespero, violência, ignorância e racismo, vi-me numa posição invulgar. Não conseguia falar.
Parecia que a cobertura disto tinha sido novamente reformulada. Esta deturpação de intenções alimentou uma contrarreação nas redes sociais e, eventualmente, nas ruas.
Então, suponho que a resposta seja essa: tenho estado envolvida nesta conversa mais ampla no meu trabalho e na esfera social e profissional do dia-a-dia. Parece ser agora necessário um sentido de solidariedade, não só por parte dos afetados, mas também dos implicados, nesta complexa rede a que chamamos casa, sociedade e país. A questão da igualdade racial foi novamente colocada sob o microscópio como algo passível de ser reconhecido, como algo que nos afeta a todos, e não apenas como algo que acontece longe. É uma questão que exige a participação ativa de todos. O sentido do dever cívico pairou no ar e apelou à sensibilização, à educação e à reestruturação.
JB – A tua prática artística mudou com o isolamento? Qual é a tua posição sobre a relação entre a catástrofe e a solidariedade?
DSS – O meu trabalho é multidisciplinar. Como tal, acho que consegui continuar a trabalhar a partir de casa. Julgo que a parte mais difícil foi manter-me estimulada e motivada para produzir. Entrei na quarentena ainda a editar uma adaptação cinematográfica de um texto que escrevi chamado WAKANDA FOREVER. Tinha estado a criar isto na Royal Academy of Arts, Schools.
O meu estúdio está fechado até nova ordem, por isso tive muita sorte em poder continuar a trabalhar (o que não acontece com toda a gente). O meu envolvimento nas redes sociais é bastante limitado, mas, com a torrente de publicações que estava a receber, a minha incapacidade de falar encontrou um escape criativo. Publiquei o meu filme inacabado, o que acabou por suscitar muitos debates internos. Apenas sabia que queria participar nessa conversa mais ampla, e a única forma era fazê-lo através da Instagram e daquilo que conheço melhor – a arte.
Não diria necessariamente que isto tenha mudado a minha prática, mas levou-me certamente a questionar a palavra ativismo. Parece haver uma enorme pressão nas redes sociais no que se refere a este tema. O silêncio entrou no discurso com bastante frequência e, como lido com o silêncio no meu trabalho, comecei a questionar esse silêncio digital e como este nega um sentimento de solidariedade. Será que isso acontece? Que forma assume o ativismo neste contexto contemporâneo? Será que basta ‘clicar’ no botão para publicar?
Prefiro uma verdadeira interação social, e se esse for o caso, como posso contribuir para uma rede de corações e carinhas sorridentes? Será que consigo? As complexidades da mudança social precisam de ser desafiadas em esferas estruturais, institucionais e íntimas. As vozes precisam de ser ouvidas, os rostos precisam de ser vistos, e os ouvidos precisam de escutar.
Ainda estou a processar tudo isto. Suponho que terei de voltar a falar-vos sobre o tema mais tarde…
JB – Como definirias o momento presente, do ponto de vista metafísico/literal/simbólico?
DSS – O momento presente é um momento de MUDANÇA, EDUCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, IMPLICAÇÃO e DEVER.
JB – Achas que existe um potencial de apoio renovado para a produção cultural, apesar das macro e microeconomias estarem em rápida reestruturação?
DSS – Esta pergunta é complexa, pois divide-me ao meio. É evidente que há muita ênfase na importância da produção cultural; mas muitos artistas e criativos não estão a receber o apoio adequado das instituições. Acredito que os fundos acabarão por ser reorientados e mesmo redistribuídos após os efeitos da COVID-19. Mas já existem muitos problemas nas artes que têm de ser abordados e resolvidos de forma drástica. O financiamento e o apoio estão disponíveis, é claro, mas apenas para alguns. Ser artista atualmente implica muitos retrocessos, especialmente quando tal se torna uma ocupação a tempo inteiro. Se queremos mais arte, temos de apoiar mais artistas.
JB – Qual é agora a sua utopia?
DSS – Quero simplesmente viver e participar numa sociedade inclusiva. Uma sociedade em que as pessoas B.A.M.E, LGBTQIA, mental e fisicamente desfavorecidas possam ser totalmente aceites e ter uma plataforma e uma voz que contribuam para um contexto mais amplo. Um contexto atualmente monopolizado pela nossa incapacidade de alargar as nossas ideologias preconcebidas, a incapacidade de questionar o conforto e a falta de educação e de consciência quando lidamos com o “outro” (por falta de uma palavra melhor).
Se os nossos meios de comunicação social rentabilizam o medo e as más opções, então não falhemos os nossos deveres cívicos, transformando este momento num espetáculo social. Sejamos intencionais e reativos na nossa vida, assim como o somos na experiência digital.
Se isto é uma utopia, não a posso aceitar como tal. Acredito no potencial humano para conceber um mundo melhor. Ainda assim, não creio que este seja necessariamente o momento de pensar num mundo melhor. Não só é improdutivo, como também revela a falibilidade das utopias, numa época em que a ação concreta é fundamental.