Entrevista a Pauline Foessel – Underdogs
Pauline Foessel é diretora e cofundadora da galeria Underdogs em Marvila, Lisboa. O projeto, na sua origem ligado à arte-urbana, tem ganhado notoriedade nesse meio, preenchendo uma lacuna que identificou no panorama artístico português. Em plena pandemia, faz-se uma retrospetiva e fala-se do presente incerto, tendo como pano de fundo a exposição coletiva online Right Now, patente até dia 13 de Junho. Uma incitação à reflexão sobre o momento atual, por parte dos artistas da galeria. Entre eles, ±MaisMenos±, Abdel Queta Tavares, Clemens Behr, Francisco Vidal, Pedro Matos, Teresa Esgaio, Vhils ou Wasted Rita.
Francisco Correia – A Underdogs surgiu num momento difícil, em plena crise económica, mantendo-se em funcionamento até hoje. Qual é o balanço que faz do projeto?
Pauline Foessel – O projeto evoluiu muito durante estes sete anos. No princípio, não havia nenhum espaço na cidade semelhante ao nosso. Havia a galeria da Montana, que fazia miniexposições com artistas do Movimento, mas que não trabalhava a sua representação.
A própria situação de Portugal não era a mesma em 2013, com a crise económica. Inicialmente, a ideia era que o projeto durasse apenas um ano, mas no final decidimos continuar porque percebemos que podíamos desempenhar um papel importante para os artistas daqui. Começar a representá-los e a vender o seu trabalho. E ao longo dos anos vimos artistas que paralelamente eram designers ou que trabalhavam em empresas de advertising, deixarem essas atividades para se dedicarem apenas a fazer arte.
Por outro lado, o programa de arte-pública cresceu muito durante estes sete anos. Temos mais de 30 paredes, contando com algumas já destruídas. O programa cresceu com a atenção da cidade e das pessoas. Atualmente temos muitos seguidores do projeto e dos artistas – os artistas estão mesmo a crescer. E temos uma resposta muito positiva dos artistas internacionais que de início vinham por causa da rede do Alexandre Farto (Vhils), mas que agora conhecem o projeto Underdogs pelo próprio nome. Hoje, gozamos de um reconhecimento não só nacional, mas internacional, por parte do Movimento da arte-urbana.
FC – A galeria tem mostrado artistas vindos de contextos como a arte-urbana ou até a ilustração. Este é um dos traços definidores e uma das principais premissas do projeto?
PF – Sim, continua a ser. Temos um interesse muito grande pelos artistas que começaram a trabalhar na rua, porque têm uma riqueza incrível. São talentos que podem trabalhar com muitos tipos de meios e materiais. E são artistas que viajam muito, que são muito abertos ao que se passa na rua e nas cidades.
Também temos interesse e trabalhamos com artistas que não começaram na rua e não fazem parte do Movimento. Mas o ADN do projeto continua ligado à arte-urbana.
FC: A nível de enquadramento, a Underdogs procura integrar o circuito “mainstream” das artes plásticas, ou, uma vez que foca expressões menos comuns, procura precisamente um espaço diferente, fora desse meio?
PF – Para mim fazemos parte do circuito porque trabalhamos com artistas e colecionadores; já participámos em feiras; temos projetos com outras galerias estrangeiras, etc… Portanto, fazemos o mesmo trabalho, temos publicações, vendas e projetos.
Por outro lado, estamos num Movimento que é considerado – na minha opinião, erradamente – mais à parte. O que não é real. Porque se olharmos para o mundo inteiro há cada vez mais, e mais artistas de arte urbana em museus ou em galerias de arte contemporânea. Para mim, no fim de contas, estamos todos a fazer arte contemporânea: são artistas do presente a refletirem sobre o seu tempo.
FC – O facto de a Underdogs estar ligada à intervenção na rua é ainda assim uma tentativa de democratizar a arte, estar mais perto da cultura de massas, e escapar ao sistema mais tradicional – feiras, bienais e museus?
PF – Para mim não há divisão, estamos a fazer um trabalho geral que é pôr a arte nas ruas e nas cidades para uma audiência. Funciona da mesma maneira em todos os sítios. Se pensarmos na Bienal De Veneza, por exemplo, as pessoas estão na rua a circular de um pavilhão para o outro, é exatamente a mesma coisa. Estamos a fazer arte para todos. Não há divisão entre tentar fazer coisas para o mundo das artes ou para todas as outras pessoas. No fim de contas, os artistas quando criam querem ser vistos pela maior parte de pessoas. Não há mutos artistas a fazerem coisas para não serem mostradas.
É verdade que pôr peças nas paredes, na rua, é uma democratização – se assim se quiser chamar -, mas a arte pública existe há séculos e estamos simplesmente a continuá-la.
FC – Está patente a exposição online Right Now que procura dar a ver o modo como os artistas da galeria têm lidado com o atual momento. Acredita que o futuro das galerias passará pelo formato digital, ou esta será apenas mais uma ferramenta facilitadora?
PF – As ferramentas online são inevitáveis. Se as coisas vão ser só online? Penso que não. Os espaços de arte continuarão a receber pessoas e a mostrar arte ao vivo. Mas acredito mesmo que ter presença online, com exposições como esta, ou constar em plataformas como a Artsy, é inevitável. Como em todas as empresas, quando estamos num sítio físico há uma rede que não pode crescer infinitamente, enquanto que o [formato] online permite contactar com pessoas do mundo inteiro, e mostrar o trabalho dos artistas a muitas pessoas a quem é impossível visitar a galeria física.
FC – Enquanto diretora de uma galeria qual é o impacto que esta pandemia já está a ter e quais são os receios para o futuro?
PF – Penso que fizemos um bom trabalho para reagir a esta situação. Tivemos uma equipa incrível a pensar em ideias e a concretizá-las. Fizemos projetos diferentes do habitual. Tivemos um que se chamou Projecta em que pedimos às pessoas do mundo inteiro que projetassem peças de artistas, feitas de propósito para a ocasião. Funcionou muito bem. Fizemos também a exposição online, Right Now. E tivemos as semanas de curadoria que consistia na escolha de quatro peças da galeria, que podiam ser edições ou peças únicas. São iniciativas que nasceram por causa da pandemia.
Iremos continuar e eu penso que esta situação é mesmo um “empurrão” para se fazer muitas mais coisas. Existe um conselho a transmitir: agora não podemos fazer o que estávamos a fazer antes e as redes sociais, as plataformas online, são necessárias para o mundo das artes de hoje.
FC – A esperança é, portanto, maior do que o receio?
PF – Não há receio nenhum. Penso que é uma oportunidade imensa de transformar um mundo muito local noutro mais internacional. Até porque de qualquer maneira o mundo das artes hoje é internacional. É verdade. Há feiras em todo o lado; os colecionadores viajam imenso; as galerias têm espaços em Paris, Nova Iorque, Hong Kong etc., portanto, é um mundo obviamente internacional. Isto não é receio nem esperança, é assim. E continuará a crescer.