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Mutações. The Last Poet, de Joana Escoval, no Museu Coleção Berardo

O trabalho de Joana Escoval estabelece uma relação particular com a natureza, bela e ao mesmo tempo aterradora, onde a ideia de transformação é fundamental e matéria e energia se encontram. A artista apresenta-nos agora a exposição Mutações. The Last Poet no Museu Coleção Berardo, em Lisboa, onde “é notório como tudo está prestes a desaparecer ou a sofrer uma transformação continua” parafraseando Pedro Lapa, curador da exposição.

Para esta exposição o próprio espaço expositivo é intervencionado sendo invadido por paredes ondulatórias contínuas, fluidas, que contrariam a rigidez das paredes existentes convocando uma espécie de interior do corpo onde os órgãos se modelam e adaptam ao espaço disponível. As paredes orgânicas, líquidas, vão-se moldando aos diferentes espaços da galeria à semelhança da água, elemento que se adapta e rodeia qualquer superfície ou espaço com o qual tenha contacto.

O visitante é envolvido por este movimento ondulatório que o conduz, como um rio, de modo a que vá descobrindo as várias peças que compõem a exposição. Escultura, vídeo, fotografia, instalações de som, luz, penumbra, despertam os sentidos e intensificam a imersão do corpo e da mente num fluxo energético contínuo. Em uníssono, todas as peças são dispostas horizontalmente, harmoniosamente, sem que nenhuma hierarquia seja estabelecida entre elas ou entre elas e o público.

Uma única obra encontra-se fora do percurso expositivo. O vídeo My breath aligned with the breath of the animal and our breath aligned with the wind surge a pairar na penumbra num plano paralelo ao das novas paredes e é possível vê-lo através de um recorte. Três cabelos, a crina e a cauda de um cavalo e cabelo humano, movimentam-se à medida que o cavalo galopa. Os corpos são omitidos e dissolvidos um no outro através de um vazio negro que não permite à primeira vista decifrar o que é representado. Apenas três elementos idênticos são percetíveis, três elementos que poderiam ser três cabelos humanos, três crinas ou três caudas de cavalo ou outras três coisas quaisquer.

Estas três entidades que se movem em conjunto sem que se distingam umas das outras, apenas unidas pelo ar, pelo sopro do vento, evocam uma vez mais a ideia de uma inexistência de hierarquia, entre seres, entre espécies. A mesma ideia é explorada através da peça em formato vídeo All the food they shared with each other came from the forest, and the nearby rivers and streams na qual uma pantera e um ser humano se confrontam um ao outro através do olhar, ao mesmo nível, um olhar predador que lhes é comum que faz deles seres equivalentes.

Já a obra colocada no arranque da exposição, The snakes talking without words, funciona como peça de contaminação interior e exterior. Os delicados fios em latão agarram o espaço existente e o espaço que é criado atravessando as fronteiras entre um e outro e vibrando consoante o movimento do visitante ou do som do espaço. Também na natureza os seus elementos reagem a vários intervenientes que com ela interagem, sejam as folhas das árvores que se movem em função do vento ou os animais que se desviam de obstáculos que vão encontrando.

Elementos naturais como rochas vulcânicas, troncos, ramos de espécies vegetais ou sons produzidos pela própria natureza tais como o do vento ao colidir com as cordas de uma guitarra elétrica, são conjugados com fios metálicos condutores de energia que nalguns casos poderão ser utilizados pelo espectador. Noutras peças são conservadas e integradas algumas formas de vida, tais como uma aranha que habita a rocha de Living Metals IV, a pena de um periquito que é estrangulada por um elegante fio em ouro em In dream, I often see them destroying the entire forest as they search for it ou um tronco de árvore encontrado à beira-mar onde outrora habitaram diversos seres vivos que é cristalizado em bronze na peça I am molten matter returned from the core of the Earth to tell you interior things.

A escolha dos vários metais para a execução de cada uma das peças é feita meticulosamente tendo em conta as suas diferentes características e o modo como cada um deles se comporta e envelhece com o passar do tempo. As peças I would rather be a tree e I would rather be a storm são compostas por fragmentos de uma liga metálica específica concebida pela artista soldados uns aos outros por intermédio do ouro. Com o tempo através de um processo de oxidação, a cor da liga metálica altera-se para um tom rosado e o ouro mantém o seu tom original amarelado, sobressaindo. O tempo torna as conexões visíveis, os pontos de ligação que permitem que as várias partes que constituem um todo continuem a existir, transformadas, impermanentes.

A matéria em permanente transformação, transversal a todas as obras de Joana Escoval, sugere que nada está estabelecido, “nada está fixo, nada está decidido” como a própria refere. Na sua abordagem o último poeta são, pois, as mutações, são as mutações que determinam a última poesia, ideia que anula a existência deste último poeta enquanto ser humano, personificando-o num incessante movimento de transformação.

Inaugurada em meados de fevereiro, a exposição encerrou portas a meio de março devido à necessidade de adoptar um conjunto de medidas de prevenção e contenção da pandemia que se verifica, tendo reaberto recentemente. Mutações. The Last Poet de Joana Escoval poderá ser vista até 16 de agosto no Museu Coleção Berardo, em Lisboa.

Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.

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