5 Sugestões Culturais — Miguel von Hafe Pérez
Todas as semanas, a UMBIGO convida uma pessoa a partilhar as suas 5 sugestões culturais. O que podemos fazer por casa? De um livro a um podcast, álbum ou filme, aqui ficam as recomendações de artistas, curadores, galeristas, ativadores culturais, amigas e amigos.
Vamos partilhar a receita do que melhor nos faz para seguirmos unidos e positivos.
—
Miguel von Hafe Pérez
Nestes tempos de confinamento, agarro-me ao que me rodeia para partilhar as sugestões pedidas. Contrario, assim, a tendência generalizada para mencionar programas de difusão digital. Pois é, estou a ficar antiquado, mas para o bem e para o mal, aqueles pequenos arranhões nos discos de vinil e as páginas dedilhadas dos livros ainda me emocionam. E estamos todos um pouco fartos das reuniões de trabalho e lazer compulsivo em frente a écrans, não é verdade?
Comecemos com a sugestão musical: o disco Delay 1968 dos Can. Um álbum editado só em 1981, mas que poderia ter sido o primeiro desta banda, se alguma editora se tivesse atrevido a lançar. Gravado entre 1968 e 1969, é a cristalização de um experimentalismo decisivo para a música contemporânea.
Por falar em autores decisivos, e como sou compulsivamente atraído para livros com escritos de artistas, duas presenças fundamentais para a compreensão da arte do século XX: Marcel Duchamp e Richard Hamilton. Sem o segundo não compreenderíamos o primeiro tal como o podemos fazer hoje em dia. Na compilação da correspondência Affectionaly, Marcel, cruzamo-nos com o mais denso dos pensamentos e o mais banal pedido de empréstimo monetário ou cobranças difíceis. A vida de um génio também passa por este tipo de trivialidade, como é evidente. As Collected Words do Richard Hamilton destilam inteligência: para além de um artista incontornável são dele as seminais exposições Man, Machine and Motion de 1955 e This Is Tomorrow de 1956, entre outras.
Diferente dos livros de escritos de artista, são os livros de artista, território que também muito acarinho. Tenho o privilégio de ter com a Marta a coleção quase completa dos livros editados pela Maria Nordman. Nela, a edição é uma extensão natural e insubstituível da prática escultórica. Artista com uma visibilidade imerecidamente desproporcional à sua importância na história da arte dos últimos cinquenta anos, por vezes os seus projetos de arte pública podem demorar mais de dez anos a concretizar-se (daí a generalizada resistência institucional a trabalhar com alguém com um grau de exigência e compromisso tão veemente com o seu trabalho e o modo como este se deve articular com o público). Uma artista que recomendo a todos os amantes da arte a descobrirem com maior profundidade. As suas propostas interpessoais e de construção de novas cidades/comunidades de relação primordial com a natureza deveriam constituir paradigmas de utopias possíveis e necessárias.
Finalmente, um guia fundamental para o conhecimento da obra do Mark Manders, o seu Reference Book, editado pela Roma Publications, de que é cofundador. Um artista sempre surpreendente e singular, que tive o privilégio de mostrar no CGAC em Santiago de Compostela quando era aí diretor numa belíssima e desconcertante exposição curada pelo Javier Hontoria. Um artista que espero poder vir a mostrar numa exposição abrangente em Portugal!
—
Curador e ensaísta. Foi responsável pela área de Artes Plásticas, Arquitectura e Cidade do Porto 2001, Capital Europeia da Cultura. Entre 2002 e 2005 fez parte da mesa curatorial do Centre d’Art Santa Mónica em Barcelona. Diretor do Centro Galego de Arte Contemporánea (CGAC) de Santiago de Compostela (2009-2015). De 2013 a 2018 foi assessor da Colección Fundación Arco, Madrid.
Recentemente comissariou, entre outras, as exposições a sul de hoje – arte portuguesa contemporânea (sem Portugal) para a Fondation Gulbenkian, Paris; Álvaro Lapa. No Tempo Todo, no Museu de Serralves, Porto; Intersticial – diálogos no espaço entre acontecimentos, Centro de Arte Oliva, São João da Madeira; Criteria. Obras da Fundación Arco no Torreão Nascente da Cordoaria de Lisboa, Pedro Tudela, AWDIˈTƆRJU, Maat, Lisboa, Ilhéstico na galeria Porta 33 na cidade do Funchal, Miguel Palma (Ainda) o desconforto moderno, no Museu Coleção Berardo, Lisboa.