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Resposta Aberta: Ben Olsen

Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.

Ben Olsen é um artista nascido nos EUA e atualmente a residir em Barcelona.

 

Josseline Black – Nesta fase de isolamento forçado, como articula a sua resposta no discurso público? Qual é o seu papel nesta conversa mais ampla?

Ben Olsen – Limitei o meu envolvimento direto no discurso público às minhas conexões sociais mais imediatas ou a outros contextos onde a minha voz não se perde no ruído. Perdi a fé em movimentos maiores no que diz respeito a uma ação rápida, decisiva e coerente, que vá além de colocar pressão nas estruturas de poder. Por isso, decidi evitá-las e continuar a desmantelar essas estruturas, diminuindo a minha dependência dos sistemas que já não servem aquilo que acredito ser positivo.

O discurso público assumiu uma postura presunçosa nas plataformas online, onde cada voz é simultaneamente legitimada e posta em causa. A relevância da verdade, do conhecimento e dos conhecimentos especializados está a ser minada, o que se estende à sociedade no geral, tudo pelo peso que atribuímos às plataformas digitais.

Este período de isolamento mostrou claramente que não posso descansar sobre os louros. Comprometi-me com o meu círculo imediato a agir, a colaborar e a organizar as nossas vidas em benefício mútuo, agora que nos apercebemos de que o contexto geral não está devidamente preparado para lidar com as crises. Os avisos das alterações climáticas, por exemplo, estão a ser ignorados, tal como os avisos deste pequeno vírus.

JB – A sua prática artística tem mudado ao longo do isolamento?

BO – Sim, há uma maior apreciação do tangível, um movimento de afastamento do digital em direção aos seus aspetos físicos. Há uma ternura pelo tátil e, num estado de isolamento, a ternura é quase pornográfica.

JB – Como é que a sua capacidade de produzir trabalho foi afetada pela pandemia?

BO – No início, senti uma onda de entusiasmo, pois poderia usar a quarentena para me concentrar mais. Mas a realidade traduziu-se num aumento da ansiedade, uma espécie de ansiedade provocada pela separação do mundo, o que foi muitas vezes difícil de ultrapassar. Tentei lutar contra ela, depois decidi aceitá-la, com diferentes graus de sucesso.

JB – Atualmente, qual é a sua abordagem à colaboração?

BO – Persistente, gentil e misericordiosa.

JB – Como definiria o momento presente, do ponto de vista metafísico/literal/simbólico?

BO – No aeroporto quando estamos prestes a reencontrar aquela pessoa que já não vemos há algum tempo. Sabemos que ambos mudámos, que temos borboletas no estômago.

JB – Acha que existe um potencial de apoio renovado para a produção cultural, apesar das macro e microeconomias estarem em rápida reestruturação?

BO – Não só o potencial, mas também a necessidade de. Um dos aspetos clarificadores desta crise é mostrar que as velhas estruturas de poder têm de ser alteradas. Os produtores culturais independentes estão dependentes do dinheiro institucional e isso precisa de ser repensado – ou (no caso mais fraco) passa a haver mais dependência, o que provocaria ganhos a curto prazo e a extinção a longo prazo, ou (no caso mais forte) opta-se por uma menor dependência, com maior reforço interno e autossustentabilidade dentro de ecossistemas criativos. Mais relva natural, menos pisos sintéticos. A necessidade de produção cultural de uma sociedade é semelhante a uma pressão que vem de dentro – não responde tanto a uma necessidade externa de consumo, mas mais a uma necessidade interna de expressão. A minha opinião, quiçá otimista, é que a reestruturação da realidade económica em que vivemos pode provocar uma maior pressão para que os artistas se exprimam, e para que assumam que tem de existir uma rede mais forte a partir de dentro, entre cenas artísticas que até agora tinham pouco em comum. Poderá haver menos dinheiro, mas haverá novidades que não poderão passar despercebidas.

JB – E.M Cioran escreve: “nas grandes perplexidades, tente viver como a história foi feita e reagir como um monstro repleto de serenidade”. Como respondem a esta proposta?

BO – Com uma aprovação violenta.

JB – Como é que este tempo está a influenciar a sua perceção de alteridade no geral?

BO – Está a confundi-la. É um momento que, por um lado, me faz sentir ligado ao mundo inteiro e, contudo, isolado de cada indivíduo. Sinto a paralisia de estar perdido e anónimo, mas também sinto a minha total novidade para com o mundo.

JB – Como é que a utilização da tecnologia e do virtual está a fazer evoluir o paradigma da sua produção?

BO – (Vou saltar esta, não mudou o suficiente para merecer um aprofundamento.)

JB – Qual é a sua posição sobre a relação entre a catástrofe e a solidariedade?

BO – A catástrofe desencadeia o medo e parece haver dois tipos principais de receio – um que é produtivo, outro que é autodestrutivo. O metabolismo produtivo do medo provoca uma mudança positiva através da sabedoria; o medo destrutivo dilacera as coisas por ser reacionário e cego. É preciso manter os olhos abertos e usar as suas faculdades para navegá-lo com graciosidade.

JB – Qual é agora a sua utopia?

BO – Uma mesa grande lá fora, estou a fazer uma enorme refeição para as pessoas de quem gosto. Estão com fome.

 

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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