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Entrevista a Joshua Gordon

Numa colaboração entre o fotógrafo Joshua Gordon, Aries e o Havana Club, surge Butterfly – um livro de fotografia sobre a subcultura queer de Havana, Cuba. O projeto, feito num mês, pretendia inicialmente documentar a cena drag de Havana. Mas, à medida que o fotógrafo entrava nessa realidade, sentiu-se atraído pelas individualidades retratadas no livro, carregando consigo imagens tão poéticas e transformadoras como a própria epónima borboleta.

 

Myles Francis Browne – Como surgiu esta colaboração entre ti, o Havana Club e a Aries?

Joshua Gordon – A Aries disse-me que tinha falado com o Havana Club sobre fazer uma espécie de colaboração em Cuba e que tinham pensado em pedir-me para participar, já depois de terem visto o meu filme Krahang.

MFB – Quais foram as tuas motivações e intenções ao documentar e representar as comunidades trans e queer em Havana?

JG – Quando me pediram para fazer um projeto em Cuba, quis fazê-lo imediatamente sobre a cena drag queen de Cuba. Já há algum tempo que investigo essa realidade e considero-a incrível. O mundo drag queen cubano é intemporal e antigo. Prefiro-o muito mais em comparação com a cena drag mais moderna. Além disso, os locais são espaços Art Déco clássicos, que adoro. A inclusão de mulheres trans aconteceu por casting.

A cena LGBTQ de Cuba é pequena. Nas noites drag, vemos mulheres trans e homens gay; nos bares gay, a mesma coisa; a cena é pequena e todos se juntam. Inicialmente, o livro e o filme tinham como tema a realidade drag. Isto até conhecer as gémeas. Foi aí que decidi fazer o livro sobre elas, em grande parte.

MFB – O título do livro, Butterfly, parece apontar para essa ideia de transformação. O que te fez escolher este título e o que significa ele para ti?

JGButterfly tem a ver com transformação mas também com o símbolo clássico da borboleta: muitas profissionais do sexo e mulheres trans que conhecemos tinham tatuagens de borboletas, e 80% das mulheres que se desenharam a si próprias, fizeram uma tatuagem de uma borboleta para elas, nos questionários que distribuí. Em todos os lugares onde fui em Cuba vi borboletas. Fazia sentido.

MFB – Ao ver o filme de acompanhamento, marcou-me ouvir a Shayra dizer que já não era uma borboleta, mas uma vampira. Ela referiu o que provocou esta mudança?

JG – A Shayra referia-se à sua passagem de uma inocente e doce rapariga do campo para uma profissional do sexo na cidade. A referência vampírica foi por estar sempre na rua à noite, à procura de clientes.

MFB – No questionário, o mais chocante, numa das respostas, é ela imaginar-se morta, num caixão, no prazo de dez anos.

JG – A Shayra tem um humor negro. Quando ela me falou das suas fantasias sexuais, falou em ser violada por um homem com um olho de vidro. Por vezes, mencionava a morte. Isabella era o oposto. Até as suas opiniões políticas eram completamente diferentes, e viviam separadas. Muitas vezes, os gémeos idênticos são inseparáveis, mas estas tinham as suas próprias vidas.

MFB – Cuba foi, durante algum tempo, um lugar difícil para pessoas queer. O que aprendeste sobre as experiências de vida dessas pessoas num país cujo passado está marcado por preconceitos e perseguições? Como é a realidade delas?

JG – Melhorou, mas ainda enfrentam dificuldades. As mulheres trans com quem falei amam Cuba, mas muitas não se sentem aceites pela sociedade cubana. Por essa razão, muitas querem partir.

MFB – Estes grupos são frequentemente marginalizados pela sociedade e por vezes, até, lamentavelmente, pela própria comunidade queer. Como te relacionaste com estas pessoas de forma neutral, sem partires de um ponto de vista exótico ou fetichista?

JG – Senti que este projeto era menos sobre a minha perspetiva das raparigas e mais sobre a perspetiva destas raparigas em relação a elas mesmas. Tudo o que fiz com a Shayra e a Isabella planeámos em conjunto, todas as perguntas da entrevista, todos os locais, roupas, ideias. Tudo isso foi discutido previamente. Falámos muito do que eu e elas queríamos fazer. Tornou-se um exercício colaborativo. Eu queria fazer um projeto de que elas se orgulhassem, que as representasse de forma autêntica. Julgo que foi isso que fiz. Em relação ao lado fetichista, não creio que o meu trabalho tenha essa componente, pois é menos sobre mulheres trans ou sobre prostituição, ou sobre quem quer que eu esteja a fotografar, e mais sobre a minha relação com o meu sujeito. Independentemente da raça, sexo ou profissão, trato todos com o mesmo respeito.

MFB Olhando para o livro e vendo o filme, quero saber como estão todas essas pessoas agora. Onde está o Rodrigo a atuar, como está o trabalho de Jessica e se Shayra ainda está a escrever poesia.

JG – Todas as raparigas estão bem. Falo com elas às vezes, mas não todos os dias. Esta é a última mensagem que a Shayra me enviou: “Obrigada pelo livro. Olho para ele e choro. És um grande homem, as mulheres como nós estão no escuro… obrigada por nos dares LUZ… não me vou esquecer de ti”.

Myles Francis é jornalista e escritor de arte. Nascido em Londres, vive agora em Lisboa. Já trabalhou para publicações como Nicotine, TANK e Vogue Portugal. Atualmente escreve para a Umbigo Magazine.

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