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Resposta Aberta: Cinga Samson

Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.

Cinga Samson (1986, Cidade do Cabo, África do Sul) vive e trabalha na Cidade do Cabo. Educado num ateliê partilhado de pintura na África do Sul, no início dos seus anos 20, depois de ter decidido dedicar a sua vida à pintura, Cinga Samson estabeleceu-se recentemente como uma das vozes mais importantes da pintura contemporânea. Os seus óleos sobre tela manifestam ecos do que ele descreve como as superstições e a espiritualidade inerentes ao seu crescimento na cidade de Ethembeni e respetivos limites rurais. O desejo, as aspirações e a celebração da identidade informam muito do seu trabalho, retirando inspiração da moda, do património e do trabalho de Paul Gaugin e de Andrew Wyeth, entre outros. O processo de Samson incorpora o uso de esquiços e de fotografias; seleciona cuidadosamente elementos compósitos para os substituir por outros, de forma a atingir um equilíbrio sensual entre real e imaginado. Tendo recebido o 2017 Tollman Award para as Artes Visuais, expôs no The Armory Show, Nova Iorque, em 2018. Teve exposições individuais na Perrotin (Nova Iorque, EUA), na Blank Projects (Cidade do Cabo, África do Sul) e na AVA Gallery (Cidade do Cabo, África do Sul).

 

Josseline Black – Nesta fase de isolamento forçado, como articulas a tua resposta num discurso público? Qual é o teu papel nesta conversa mais ampla?

Cinga Samson –  No meu país (África do Sul), acabámos de entrar em lockdown devido ao coronavírus. Por essa razão, tem sido complicado envolver-me em assuntos artísticos ao mesmo tempo que as pessoas lidam com uma situação de vida ou de morte. Durante algum tempo, enquanto artista, senti-me irrelevante, embora, enquanto humano, senti que era altura de abraçar as minhas relações com quem me é próximo. Eu e o meu irmão temos escrito e feito telefonemas em regime de voluntariado para que possamos ajudar aqueles que precisam, mas temos também lutado por respostas das nossas instituições locais.

JB – A tua prática artística mudou com o isolamento?

CS – Tenho lutado para ser criativo no meio de tamanha pressão, é como se o meu conteúdo não fosse suficiente, é quase superficial. A vida humana parece maior do que tudo o que fazemos.

JB – Atualmente, qual é a tua abordagem à colaboração?

CS – Não tenho nenhuma abordagem específica à colaboração, importa que seja interessante e tenha sentido.

JB – Como definirias o momento presente, do ponto de vista metafísico/literal/simbólico?

CS –  São tempos difíceis, pois há muitas famílias em lágrimas, outras lutam simplesmente para manter as suas posições. Contudo, sinto que esta pressão nos dará uma nova realidade, da qual todos precisamos.

JB – Achas que existe um potencial de apoio renovado para a produção cultural, apesar das macro e microeconomias estarem em rápida reestruturação?

CS – Haverá sempre uma celebração da beleza artificial ao longo da vida, faz parte da nossa natureza: a necessidade de criar.

JB – E.M Cioran escreve: “nas grandes perplexidades, tente viver como a história foi feita e reagir como um monstro repleto de serenidade”. Como respondes a esta proposta?

CS – Essa citação esconde algo enganoso. É como se sugerisse que, em tempos de grandes desafios, devemos ser maiores do que eles e relaxar… julgo não ser possível – estar acima da realidade. Quando há um desafio tão grande (como esta pandemia), todos ficamos desesperados, mas lutamos para resolver o problema. Não somos maiores, mas podemos sobreviver até ao fim. NÃO É TEMPO PARA SERMOS COOL OU RELAXADOS e claramente NÃO SOMOS MAIORES, NEM SUPERIORES (apenas podemos sobreviver desesperadamente).

JB – Como é que a tua utilização da tecnologia e do virtual está a fazer evoluir o paradigma da tua produção?

CS – Ao longo do tempo, a tecnologia tem sido utilizada pelos artistas em diferentes formas de produção artística; ela nunca produz ideias para artistas nem as torna excelentes por isso, mas é uma ferramenta que lhes permite moverem-se com precisão e rapidez. O uso de diferentes instrumentos dá-me acesso à precisão e ao tempo que teria de investir se o fizesse num ritmo normal.

JB – Qual é agora a tua utopia?

CS – De momento, estou a concluir trabalhos que não tive tempo de terminar devido à emergência de outros projetos. Também tenho agora a oportunidade de recuperar a minha vida pessoal, cujas relações não pude abraçar como tanto desejo.

 

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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