Arte em Quarentena — Bárbara Bulhão
A UMBIGO convidou vários artistas a refletir sobre a era em que estamos a viver e a pensar a sua produção artística em tempos de quarentena.
Projeto da autoria da artista Bárbara Bulhão.
Texto de Pedro Gonçalves.
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Bárbara Bulhão, Every day I look at the sky and I miss you, 2020. Impressão a jato de tinta s/ papel, 29,7×42 cm
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Num momento em que há alterações nos parâmetros de perceção, mesmo que transitórios, devido a uma ameaça biológica, as alusões cognitivas com que se procede à leitura da produção artística que irrompe neste período experimenta igualmente algumas mutações. Neste intervalo de tempo indeterminado em que o confinamento no espaço habitacional de cada um tornou-se prática recorrente para grande parte da sociedade, as repartições entre o espaço público e o espaço privado, já por si frequentemente porosas, abarcam novas modalidades. O campo de recolhimento privado, regularmente um edifício destinado à habitação, reconduz-se enquanto palco de aparições públicas através de um incremento no uso profissional ou pessoal de plataformas de comunicação de vídeo, posicionando-se com maior ou menor destaque no plano de fundo destas ligações digitais.
Neste enquadramento, janelas, varandas ou qualquer apêndice que dê acesso ao espaço exterior, teoricamente correspondente à esfera pública, pode manifestar-se enquanto possibilidade de proporcionar um interface de expansão da imaginação. Contudo, o que Bárbara Bulhão aparenta induzir com o seu trabalho Every day I look at the sky and I miss you não é um olhar sobre os espaços de circulação terrestres, nos quais o contacto físico ou a proximidade a qualquer pessoa começa a infletir sentimentos de angústia pela ameaça biológica que possam significar, numa psico-virose que induz ao medo e ao isolamento, como aludiu Franco “Bifo” Berardi recentemente[i]. O seu olhar direciona-se, pelo contrário, para o céu, que surge aqui como um ponto de respiração, de imaginação e no qual há uma possibilidade de expansão emocional.
O céu, com as suas diversas tonalidades de cor consoante o enquadramento meteorológico vigente, volve-se deste modo uma plataforma de reflexão afetiva, ao mesmo tempo que nos permite divagar pela nossa imaginação sem restrições espaciais. São as emoções que acorrem no intervalo temporal que dispensemos a este comportamento que nos podem permitir refletir e distender-mo-nos numa transfiguração de nós mesmos a partir dos acessos cognitivos que nos ocorram. Recorrendo às palavras de Didi-Huberman, “as emoções têm uma potência – ou são uma potência – de transformação. Transformação da memória para o desejo, do passado para o futuro, ou até da riqueza para a alegria”[ii].
[i] Berardi, Franco “Bifo”, O Diário da psico-deflacção I, in Punkto, #27, Primavera 2020. (https://www.revistapunkto.com/2020/04/diario-da-psico-deflaccao-i-franco-bifo.html – consultado a 13/04/2020).
[ii] Didi-Huberman, Que Emoção! Que Emoção?. Lisboa: KKYM, 2015, p. 45.