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Resposta Aberta: Valerian Goalec

Resposta Aberta é uma série especial de entrevistas com artistas, curadores, escritores, compositores, mediadores e “fazedores de espaços” internacionais. Atendendo aos temas que rapidamente emergiram como consequência da pandemia de Covid-19, oferecemos, aqui, uma perspetiva diferenciada e honesta de compreensão. Semanalmente, várias serão as portas abertas à vida dos colaboradores e às suas experiências de prazer, produtividade, metafísica e mudanças de paradigmas. Idealmente estas conversas poderão servir de caixas postais e conduzir a uma maior empatia, unidade e cocriação. Resposta Aberta vai ao encontro da necessidade de tecer a autonomia de uma rede de comunicações consciente, em tempos de extrema perplexidade.

Valerian Goalec (França, 1986) é um artista a residir em Bruxelas. Usa formas existentes para as alterar e lhes dar uma nova perspetiva limite. Os elementos no seu trabalho podem ser entendidos por si próprios ou como um todo; um conjunto coerente e sólido de objetos que pode ser intercambiável. Os pontos de partida para as esculturas abstratas partem da arquitetura, do quotidiano, de modulações, variações seriadas, unidades de medida e de relatório. As formas das quais o seu trabalho é extraído formam o seu contexto com o objetivo de apropriação e multiplicação de novas formas racionais. Tem trabalhado e exposto em instituições como Kunsthal Charlottenborg (Copenhaga), Art Brussels (Bélgica), DASH (Courtrai), Levy Delval (Bruxelas), Salon Montrouge (França), 221A (Vancouver), com residências em Aldea (Bergen), CCA Andratx (Palma) e está atualmente na Cité Internationale des Arts de Paris (França).

 

Josseline Black – Nesta fase de isolamento forçado, como articulas a tua resposta no discurso público? Qual é o teu papel nesta conversa mais ampla? Como estás a comunicar com a esfera pública? Estás a participar num diálogo de proporções maiores do que o normal? Sentes-te parte de um esforço global?

Valerian Goalec – Obviamente, há um ponto que deve ser abordado nesta questão: a relação digital que temos hoje com as pessoas. Tenho a sensação de que este isolamento forçado tem um lado bom; as pessoas dedicam tempo a falar entre si, mesmo à distância. Há, julgo, uma maior discussão sobre fenómenos políticos, culturais, ecológicos e relacionais. É uma questão de tempo. Esta pandemia tira-nos muito, mas obriga-nos a perceber uma temporalidade diferente e a olhar à nossa volta para o que está a acontecer, além dos nossos hábitos.

JB – a prática artística tem mudado ao longo do isolamento?

VG – Não creio que haja uma verdadeira mudança no meu modo de trabalhar; estou em residência na Cité Internationale de Paris há vários meses, o meu alojamento fica por cima do meu espaço de trabalho e tenho acesso a um pátio. Estou em grande parte socialmente confinado, mas não produtivamente.

Para um artista, o isolamento é importante durante certos períodos: por vezes, faço-o quando vou ao estrangeiro para uma residência, e sei muito bem o que isso pode trazer, após várias semanas produtivas de mediação criativa. Contudo, neste caso, a situação no mundo é tal que o questionamento do estatuto de “artista” durante uma catástrofe global vai além do confinamento – o que devemos ou podemos fazer como artistas? É uma questão que surge todos os dias e estou certo de que esta pandemia terá um impacto em todas as futuras criações pelo mundo.

JB – Como é que a tua capacidade de produzir trabalho foi afetada pela pandemia?

VG – Penso que o primeiro problema tem que ver com a concentração e a frustração por não fazer algo perante a situação pandémica. Claro, há a ausência de contato real com as pessoas que fazem parte do nosso círculo, algo bastante frustrante com o avançar do tempo. Felizmente, as redes sociais existem e são perfeitas para nos mantermos em contacto com o mundo exterior. Tenho tendência para trabalhar com intermediários, o que me obriga frequentemente a sair e a conhecer pessoas, a visitar a empresa ou oficina delas e a tomar opções de produção. O isolamento requer um trabalho diferente – com fotografias e por email – funciona, mas é menos instintivo.

JB – Atualmente, qual é a tua abordagem relativamente à colaboração?

VG – A minha prática funciona cada vez mais com a colaboração, tanto em produção como na reflexão sobre as peças. Como disse anteriormente, já tenho o hábito de trabalhar remotamente para manter uma relação primária por email ou telefone; a única frustração é o fato de tudo ser decidido via ecrã. Vejo também muitos espaços, curadores e artistas a proporem novas formas de produção e colaboração durante a pandemia. Penso que esta é uma boa reação à situação e uma resposta inicialmente interessante.

JB – Como definirias o momento presente do ponto de vista metafísico/literal/simbólico?

VG – Tenho a sensação de que nós, seres humanos, fomos travados num movimento inerte, como se o mundo continuasse sem nós, como se um castigo global nos tivesse sido infligido. O objeto “nós”, que observa esta inércia, continua a dar-nos a possibilidade de recuarmos em relação ao que deixaremos ao planeta, passando-nos uma moral muito forte para o nosso futuro.

JB – Como é que este tempo está a influenciar a tua perceção de alteridade no geral?

VG – Como disse acima, este movimento contrário à inércia é ideal para perceber que partilhamos as mesmas fraquezas e forças. As fronteiras nunca estiveram tão fechadas fisicamente, mas também virtualmente abertas. Julgo existir um reconhecimento da alteridade entre todos.

JB – Como é que a tua utilização da tecnologia e do virtual está a fazer evoluir o paradigma da tua produção?

VG – Penso que é preciso saber fazer com e sem. Percebo que muitas vezes preciso de passar às coisas de forma mais direta, manual, em contraste com a tecnologia. No início da minha prática, pensei rapidamente no meu trabalho através da tecnologia, sem passar pelo manual, mas com o tempo apercebi-me da importância de ambos. Não devemos mergulhar totalmente numa tecnologia, pois ela evolui tão rapidamente que, por vezes, enforma demasiado os nossos desejos e escolhas; mas, noutras ocasiões, é uma forma rápida e económica de produzir um trabalho sem investir demasiado corpo e alma num conceito.

JB – Qual é a tua posição sobre a relação entre catástrofe e solidariedade?

VG – Aqui devemos falar sobre o papel do artista, mas também da pessoa, sobre a forma como cada um pode evoluir a sua prática para ajudar ou produzir uma ação em resposta a esta catástrofe. Onde e como nós, os «artistas», podemos responder culturalmente nestes casos? Creio que as coisas já estão a evoluir em cada um de nós e as próximas produções serão afetadas de uma forma ou de outra por esta pandemia. Para a ArtBruxelas (normalmente em abril e adiada para junho), vou apresentar uma exposição pessoal onde se coloca a questão da partilha do espaço público: como os elementos que partilhamos se ligam indiretamente e produzem ligações e, por vezes, fluidos invisíveis, calor, bactérias e conhecimentos. Este projeto foi obviamente concebido antes da pandemia. Há muito tempo que dou importância ao relato do público e da relação que este tem com os objetos, salas, espaço, acústica, luz, etc. Arte sem espectadores, sem visibilidade, terá poucas hipóteses de emanar e produzir significado e questões.

JB – Qual é a tua utopia agora?

VG – Desacelerar, talvez tudo esteja a acontecer demasiado depressa…

 

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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